Menos dinheiro e depois

Correia da Fonseca

Não, não se trata agora e nestas duas co­lunas da co­brança co­er­civa que o Go­verno se propõe fazer junto dos ci­da­dãos já em­po­bre­cidos para re­me­diar as de­linquên­cias do BPN, do BPP, de seus ar­re­dores e com­ple­mentos. Trata-se da RTP, sigla da em­presa que é a ope­ra­dora es­tatal de te­le­visão e, de há uns tempos para cá, também da rádio, área de que não nos ocu­pamos aqui. É que, tanto quanto se sabe pelo que se lê e pelo que se ouve, o Or­ça­mento Geral do Es­tado que Bru­xelas mandou aprovar prevê uma re­dução dos di­nheiros que o Es­tado en­tre­gará à RTP. Afi­gura-se, de resto, que nin­guém fi­cará muito in­co­mo­dado com esse corte porque desde há muito é ge­ne­ra­li­zada a con­vicção de que essas verbas nem de­viam ser en­tre­gues, o que aliás é um equí­voco: o que elas são é mal apli­cadas por quem as re­cebe, o que é di­fe­rente. Na ver­dade, é mais que le­gí­timo, é ci­vi­ca­mente obri­ga­tório, que o Es­tado apoie fi­nan­cei­ra­mente uma ope­ra­dora pú­blica de TV para que ela cumpra, no âm­bito do in­te­resse na­ci­onal, as fun­ções que lhe in­cumbem: in­formar (com ver­dade, ob­vi­a­mente), pro­mover a cul­tura e a sua fruição, di­vertir. Por esta ordem de pri­o­ri­dades. O que é ile­gí­timo é que a em­presa que re­cebe o apoio se exima do cum­pri­mento dos seus de­veres e opte por de­sin­formar, por es­ti­mular as vá­rias formas de ig­no­rância, por in­correr fre­quen­te­mente em formas mais ou menos reles de di­versão sob o falso pre­texto de que assim é que a ge­ne­ra­li­dade do te­le­pú­blico gosta. É claro que os que re­gu­lar­mente surgem a chorar os di­nheiros en­tre­gues pelo Es­tado à te­le­visão pú­blica não o fazem por es­tarem in­dig­nados, ou sim­ples­mente in­co­mo­dados, pela de­serção da RTP em re­lação aos seus de­veres: fazem-no porque, mais sim­ples­mente, querem eli­minar uma sua con­cor­rente no mer­cado pu­bli­ci­tário. É, pois, uma ati­tude to­mada no ter­reno do ne­gócio e não no do ci­vismo. Pelo que, como bem se com­pre­ende, não me­rece o res­peito que só uma pre­o­cu­pação cí­vica jus­ti­fi­caria.

 

Quando o me­lhor é mais ba­rato

 

Fa­lemos, pois, do anun­ciado corte de apoios fi­nan­ceiros à RTP e das con­sequên­cias que daí ad­virão. Não é pre­ciso ser bruxo, nem se­quer ter uma in­vulgar ca­pa­ci­dade de pre­visão, para re­cear que essa re­dução de verbas sirva para jus­ti­ficar um abai­xa­mento da qua­li­dade da pro­gra­mação da RTP. Apa­ren­te­mente, essa queda será não apenas com­pre­en­sível como con­sequência ine­vi­tável da então agra­vada pe­núria fi­nan­ceira. Convém, con­tudo, que os ci­da­dãos te­les­pec­ta­dores não se deixem en­redar por essa apa­rência que ar­ranca da su­po­sição de que for­ço­sa­mente a qua­li­dade custa di­nheiro. É falso. Em ma­téria de in­for­mação, não é certo que a ver­dade custe mais di­nheiro do que a men­tira, que o sen­tido do fun­da­mental seja mais caro do que a pri­o­ri­dade dada ao que é se­cun­dário ou fútil: bem pelo con­trário, é até pro­vável que gente com­pe­tente e ho­nesta aceite co­la­borar com a TV, a custos mí­nimos ou mesmo nulos, para que nela tenha lugar ade­quado uma visão isenta do que de mais im­por­tante ocorre no País e no mundo. Quanto à função cul­tu­ra­li­zante, a prá­tica já exis­tente prova que os pro­gramas que a vei­culam têm custos muito me­nores do que os que se aplicam a ou­tros ob­jec­tivos: é óbvio que o pro­grama apre­sen­tado por Paula Moura Pi­nheiro (a que por vezes torço o nariz por me pa­recer de­ma­siado eli­tista, mas essa é uma outra questão) é muito mais ba­rato do que a ge­ne­ra­li­dade dos pro­gramas apre­sen­tados por Ca­ta­rina Fur­tado, vo­ca­ci­o­nados para nos en­cher os olhos e es­va­ziar as ca­beças. E, no que se re­fere à pre­sença da mú­sica dita li­geira nos pro­gramas que também são muito li­geiros, é du­vi­doso que a mú­sica de fun­gagá, re­piupiu e bum­pumbum que neles muito se ouve, seja paga a preço muito mais baixo do que o seria a ex­ce­lente mú­sica li­geira por­tu­guesa que na RTP pouca pre­sença tem. En­tenda-se que nada disto sig­ni­fica que o di­nheiro não tem ne­nhuma im­por­tância, que o velho e nada ino­cente es­tri­bilho de «po­bre­zi­nhos mas fe­lizes» seja uma regra de­se­jável também na TV: sig­ni­fica, isso sim, que uma te­le­visão que cumpra os seus de­veres, sin­to­ni­zada com o in­te­resse na­ci­onal, é com­pa­tível com custos re­la­ti­va­mente baixos, e que por isso é com­ple­ta­mente ina­cei­tável que um dia nos digam que a pro­gra­mação da es­tação pú­blica se tornou ainda mais in­sa­tis­fa­tória porque, coi­tada, ficou mais po­bre­zinha. Es­tamos fartos de en­ganos; não se lem­brem de ten­tarem im­pingir-nos mais esse.



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