Os negreiros

Anabela Fino

An­te­ontem, 2 de No­vembro, o dia no­ti­cioso ficou mar­cado pelo «de­bate» do Or­ça­mento do Es­tado pre­vi­a­mente acor­dado dias antes nas suas li­nhas mes­tras entre PS e PSD, após se­manas de au­tên­tico ter­ro­rismo me­diá­tico. Nesse mesmo dia o Pú­blico abria as suas pá­ginas de eco­nomia com uma no­tícia sobre a PSA Peu­geot-Ci­tröen, de Man­gualde, re­ve­la­dora de outro ter­ro­rismo que ra­ra­mente chega às man­chetes.

A his­tória, elu­ci­da­tiva da sobre-ex­plo­ração que grada em Por­tugal, conta-se em poucas pa­la­vras. De­pois de ter li­qui­dado, em 2009, cerca de 600 postos de tra­balho e de ter abo­lido o turno da noite, a em­presa voltou a re­ac­tivar a cha­mada ter­ceira equipa, desta feita com 300 tra­ba­lha­dores. Destes, cerca de um terço faz parte do lote dos des­pe­didos no ano pas­sado – «tra­ba­lha­dores es­pe­ci­a­li­zados, que ti­nham um vín­culo com a em­presa, com ven­ci­mentos entre os 700 e os 800 euros», como diz o pre­si­dente da Co­missão de Tra­ba­lha­dores, Jorge Abreu –, que «agora re­gressam a ga­nhar me­tade» e apenas por um pe­ríodo de seis meses. O ven­ci­mento base ofe­re­cido aos con­tra­tados, re­fere o res­pon­sável da CT, é de 440 euros, a que acresce 25 por cento de sub­sídio de turno; feitos os des­contos, «muitos não chegam a levar o or­de­nado mí­nimo para casa».

A no­tícia do Pú­blico es­cla­rece ainda que numa pri­meira fase estes tra­ba­lha­dores foram con­tra­tados através de uma agência de tra­balho tem­po­rário, mas como nestas cir­cuns­tân­cias não po­diam ser abran­gidos pela «bolsa de horas», des­ti­nada apenas a fun­ci­o­ná­rios da em­presa, a Peu­geot-Ci­tröen acabou por fazer con­tratos di­rectos com eles.

Esta his­tória, sendo es­cla­re­ce­dora do res­sur­gi­mento dos ne­greiros no sé­culo XXI, está no en­tanto in­com­pleta. Para se ter a di­mensão da sua bar­bárie im­porta lem­brar que a «bolsa de horas» (im­posta ile­gal­mente ainda antes da en­trada em vigor do Có­digo de Tra­balho com base num «acordo de traição feito com a an­te­rior co­missão de tra­ba­lha­dores) obriga os tra­ba­lha­dores a com­pensar, em pe­ríodos de maior fluxo de en­co­mendas e sem quais­quer com­pen­sa­ções, o tempo de pa­ragem pro­vo­cado pela sus­pensão for­çada da pro­dução. Im­porta também lem­brar que esta em­presa é uma das muitas apoi­adas pelo Go­verno PS: em 2007 re­cebeu 8,6 mi­lhões de euros para manter 1400 postos de tra­balho até 2013 (o que não cum­priu), e no ano pas­sado terá re­ce­bido mais 21 mi­lhões de euros. O caso mo­tivou re­que­ri­mentos do Grupo Par­la­mentar do PCP na As­sem­bleia da Re­pú­blica, pe­dindo ex­pli­ca­ções ao Mi­nis­tério da Eco­nomia e exi­gindo a in­ter­venção da mi­nistra do Tra­balho, mas o re­ga­bofe con­ti­nuou. Im­porta ainda lem­brar que a cé­lula do PCP na Ci­tröen há muito de­nuncia a si­tu­ação, como su­cedeu no final de Julho úl­timo, quando su­bli­nhou o ca­rácter «de­ma­gó­gico, men­ti­roso e po­pu­lista» do anúncio da cri­ação destes «novos» 300 postos de tra­balho com que o PS e a ad­mi­nis­tração da Ci­tröen se con­gra­tu­laram, pro­cu­rando «apagar» o des­pe­di­mento co­lec­tivo do ano pas­sado.

Quem a 600 des­pe­didos soma 300 con­tra­tados quantos postos de tra­balho cria? Esta a per­gunta que fazem os co­mu­nistas, que não se cansam de de­nun­ciar – com ou sem OE – o es­bulho dos tra­ba­lha­dores em be­ne­fício do ca­pital com a co­ni­vência e o aplauso do PS.



Mais artigos de: Opinião

O leme e o naufrágio

Cavaco Silva revelou-se candidato. Nada que a bem sucedida intervenção eleitoral que vinha construindo a partir das suas funções presidenciais não deixasse prever. O que estaria mais arredado de algumas mais ingénuas previsões seria a forma e os conteúdos expressos....

O pai da política de direita

«Nunca tive dúvidas de que o Orçamento de Estado passaria», confessou Mário Soares. E explicou porquê: porque se trata de uma «imposição do Banco Central Europeu e da própria Comissão Europeia» - e ordens são para cumprir... Soares...

O partido de Cavaco

Cavaco anunciou aquilo que há longo tempo era sabido: que se iria recandidatar à presidência da República. Diz ele que após profunda reflexão, na companhia da esposa. Nem nisto este «homem de palavra» acerta. Não se lembra pelos vistos de que quando se...

Novamente a lei do financiamento dos partidos

Em 2003 PS, PSD e CDS apro­varam uma lei do fi­nan­ci­a­mento dos par­tidos e das cam­pa­nhas elei­to­rais que cons­ti­tuiu um pro­fundo re­tro­cesso de­mo­crá­tico. Au­men­taram as sub­ven­ções cor­rentes anuais em 2/​3 - o que sig­ni­ficou para o PS e o PSD em con­junto um au­mento real de 4,5 mi­lhões de euros – e as sub­ven­ções e li­mites de des­pesa das cam­pa­nhas elei­to­rais para o dobro, o triplo e até o quá­druplo. Ao mesmo tempo in­tro­du­ziram in­su­por­tá­veis li­mi­ta­ções à ca­pa­ci­dade pró­pria de fi­nan­ci­a­mento dos par­tidos vi­sando atingir o PCP e a Festa do Avante!.

 

Não é coincidência, são os mesmos...

Nas próximas semanas seremos seguramente confrontados com uma intensa campanha de mistificação e de desinformação a propósito da Cimeira da NATO, que se realiza dias 19 e 20 de Novembro, em Lisboa. Para compreender o real significado e alcance dos objectivos apontados para esta...