A «crise global» e o dirigente voluntário

A. Mello de Carvalho

Uma das di­fi­cul­dades para o Mo­vi­mento As­so­ci­a­tivo en­frentar e equa­ci­onar o pro­blema da «crise», re­side no facto de muitos dos seus di­ri­gentes não pos­suirem uma noção clara do seu sig­ni­fi­cado. Uns afirmam que a an­tiga so­li­da­ri­e­dade so­cial e de­di­cação à «causa comum» se perdeu para ser subs­ti­tuída por um egoísmo pro­fundo, que «fecha» os in­di­ví­duos sobre si pró­prios (con­tudo, sabe-se que o nú­mero de clubes e o de di­ri­gentes tem es­tado em au­mento cons­tante). Ou­tros, voltam-se para o Es­tado acu­sando-o de não os apoiar na sua acção (no en­tanto, nunca, em mo­mento algum, os clubes foram tão apoi­ados pelo Poder Local, ainda que se saiba que o Poder Cen­tral se mantém na ati­tude an­tiga de alhe­a­mento e, até, de hos­ti­li­dade). Ainda ou­tros, falam na pro­fusão de so­li­ci­ta­ções de toda a ordem que ro­deiam o in­di­víduo no seu tempo livre (a te­le­visão, o tu­rismo de massa, o con­su­mismo, etc.). Fi­nal­mente, re­fere-se ainda a com­ple­xi­fi­cação da vida so­cial pro­vo­cada pela mu­dança e a so­bre­carga do tra­balho, as di­fi­cul­dades de trans­porte, a in­tensa com­pe­tição no mer­cado, o de­sem­prego, a pre­ca­ri­zação, a fle­xi­bi­li­zação, as novas ne­ces­si­dades de for­mação, etc.

Todos estes as­pectos têm, pelo menos, al­guma razão de ser e, se agre­gados numa to­ta­li­dade que ca­rac­te­riza a vida ac­tual do tra­ba­lhador, chega-se fa­cil­mente à con­clusão que a crise é de ca­rácter geral. Ou seja, trata-se de uma crise so­cial global.

Mas esta cons­ta­tação pode ter, e tem como al­guma frequência, um ca­rácter pa­ra­li­sante. A crise é global e en­globa toda a so­ci­e­dade: e de­pois? Tem o Mo­vi­mento As­so­ci­a­tivo algum papel a de­sem­pe­nhar no seu com­bate? E se tem como de­sem­penhá-lo?

Se res­pon­dermos afir­ma­ti­va­mente te­remos de equa­ci­onar al­gumas ques­tões cen­trais: as formas de mi­li­tan­tismo evo­luem, tanto mais que se sentem di­fi­cul­dades de vida que levam a ter de se pesar, com bom senso, a pos­si­bi­li­dade em as­sumir res­pon­sa­bi­li­dades ou novas ini­ci­a­tivas; as as­pi­ra­ções dos pró­prios «ca­rolas» so­freram também trans­for­ma­ções, sendo fácil ve­ri­ficar que o de­sejo de muitos é o de trans­for­marem o seu clube numa as­so­ci­ação de­di­cada ao es­pec­tá­culo des­por­tivo (e chegar à 1.ª di­visão!), e ga­rantir o apa­re­ci­mento de cam­peões custe o que custar; res­ponder às novas ca­rac­te­rís­ticas dos jo­vens ou animar novas ac­ti­vi­dades, impõe que se ad­quiram novas ca­pa­ci­dades (gestão, pro­moção, ani­mação, etc.).

Tudo isto cons­titui o pro­cesso mul­ti­fa­ce­tado da «crise» do di­ri­gismo des­por­tivo po­pular (a «crise» do as­so­ci­a­ti­vismo dos clubes trans­for­mados em ver­da­deiras em­presas de es­pec­tá­culos, as­sume ou­tras ca­rac­te­rís­ticas). Todo este com­plexo con­junto de ele­mentos con­tribui para di­fi­cultar a in­dis­pen­sável re­no­vação dos di­ri­gentes as­so­ci­a­tivos e em alargar subs­tan­ci­al­mente o seu nú­mero.

O de­sen­co­ra­ja­mento pro­vo­cado pela au­sência de meios e de apoios, a ne­ces­si­dade de mudar pro­vo­cada pela sa­tu­ração de um pro­cesso cujas di­fi­cul­dades pa­recem não ter fim, tudo isto acon­selha a que o Mo­vi­mento As­so­ci­a­tivo re­pense, pro­fun­da­mente, esta questão, de forma a poder li­mitar as con­sequên­cias de uma si­tu­ação que atinge, nos seus fun­da­mentos, a sua cul­tura, e a pos­si­bi­li­dade de aceder a ac­ti­vi­dades cujo valor for­ma­tivo, me­di­ante de­ter­mi­nadas con­di­ções, é in­dis­cu­tível.

Aquilo que aqui se pre­tende afirmar re­fere-se ao se­guinte: a com­pre­ensão das «crises» pelo di­ri­gente as­so­ci­a­tivo tem de passar, em pri­meiro lugar, pelo sig­ni­fi­cado da crise so­cial global, para de­pois ana­lisar os as­pectos que esta impõe ao pró­prio Mo­vi­mento As­so­ci­a­tivo. Isto também pre­tende afirmar um outro as­pecto: é que as «crises» não são ge­radas no seu pró­prio seio, mas cons­ti­tuem, de facto, re­flexos di­rectos, mais ou menos agudos, de um sis­tema so­cial em que pre­do­minam va­lores de­su­ma­ni­za­dores, es­sen­ci­al­mente co­man­dados pela noção cen­tral da ob­tenção do lucro eco­no­mi­cista. Pers­pec­tiva que, como sa­bemos, se opõe di­rec­ta­mente os prin­cí­pios fun­da­men­tais ori­en­ta­dores da ac­ti­vi­dade as­so­ci­a­tiva.

To­davia, esta cons­ta­tação não nos pode levar à po­sição fa­ta­lista (e algo có­moda...) de se en­trar num pro­cesso pas­sivo de que só emerge o grito rei­vin­di­ca­tivo sem es­tru­tura só­lida, fa­cil­mente apa­gado, no seu fogo in­te­rior, pela in­di­fe­rença geral. Não! É pre­ciso equa­ci­onar a pro­ble­má­tica da crise e para ela de­se­nhar, em termos glo­bais, uma res­posta es­tra­té­gica as­sente em só­lidos e co­e­rentes prin­cí­pios de acção. Esta, por sua vez, não pode ser de­fi­nida em termos su­per­fi­ciais, as­sentes em opi­niões va­zias de sen­tido (por ex. a questão da sub­sídio-de­pen­dência, a su­bor­di­nação ao mo­delo fe­de­rado que, de facto, está a «matar» muita ca­pa­ci­dade, etc.) ou pouco me­di­tadas.

Uma es­tra­tégia de acção tem de partir de uma dou­trina, as­sentar num di­ag­nós­tico da si­tu­ação, de­finir ob­jec­tivos pre­cisos e meios de toda a ordem a uti­lizar, ava­li­ação fa­seada da evo­lução, etc. Ora, tudo isto só se con­segue com a união dos clubes, a cons­trução de uma es­tru­tura forte de que sejam ba­nidas as ques­tiún­culas mais ou menos «fu­la­ni­zadas».



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