Duas sílabas apenas

Jorge Cordeiro

Seja por ra­zões de con­ta­mi­nação po­lí­tica que a con­vi­vência que os une nas pre­si­den­ciais tenha ge­rado, seja por essa razão maior de­ter­mi­nada pelo pre­con­ceito an­ti­co­mu­nista que com­pro­va­da­mente os iden­ti­fica, Louçã e Ana Gomes re­a­giram à vi­sita do pre­si­dente chinês ao nosso país. Uma, ma­ni­fes­tando a cí­nica in­qui­e­tação sobre a perda de so­be­rania que po­deria re­sultar para Por­tugal da compra pela China de parte da dí­vida so­be­rana na­ci­onal; outro, ar­re­mes­sando ar­gu­mentos a pre­texto da anun­ciada in­tenção de en­trada de ca­pital chinês em em­presas «na­ci­o­nais». Ana Gomes, con­fes­sada fe­de­ra­lista para quem o valor da so­be­rania na­ci­onal é como água em de­serto, não he­sita – quando é posta pe­rante a opção entre uma de­se­jável di­ver­si­fi­cação da dí­vida pú­blica e a ma­nu­tenção da ex­clu­siva de­pen­dência ac­tu­al­mente ve­ri­fi­cada – em en­tregar-se nos braços da agi­o­tagem «amiga», mesmo que isso sig­ni­fique a ir­re­me­diável perda da nossa so­be­rania eco­nó­mica e po­lí­tica. Já Louçã, para quem só o so­le­trar do par de sí­labas da­quele país lhe aviva ir­re­so­lú­veis pro­blemas de cons­ci­ência que acom­pa­nham o seu per­curso po­lí­tico, de­cidiu exer­citar o seu me­lhor an­ti­co­mu­nismo. Disse Louçã, a pro­pó­sito das no­tí­cias sobre a even­tual en­trada de ca­pital chinês na EDP, que «não somos da­queles para quem as pri­va­ti­za­ções são er­radas do ponto de vista es­tra­té­gico mas que passa a vê-las como boas se for uma em­presa ca­pi­ta­lista chi­nesa ...». Re­gista-se a in­si­nu­ação e o seu sig­ni­fi­cado. Ali­nhado pelo am­bi­ente e opi­nião do­mi­nantes di­tadas pelo im­pe­ri­a­lismo, a cri­tica à China, com o que en­cerra de an­ti­co­mu­nismo, é vista por Louçã como coisa que «está a dar», tipo moeda em caixa re­gis­ta­dora elei­toral, capaz de só por si valer mais que qual­quer ati­tude di­tada por cri­té­rios de rigor ou prin­cípio. Quanto a quem quis atingir, sempre se dirá que, para lá do jogo de pa­la­vras e dos pon­tapés na ver­dade que usu­al­mente acom­pa­nham o seu pen­sa­mento, a co­e­rência do PCP, em ma­téria de com­bate às pri­va­ti­za­ções e de exi­gência de con­trolo pelo Es­tado dos sec­tores es­tra­té­gicos da eco­nomia, é tão clara que só por ca­ri­ca­tura se pode con­fundir com a ne­bu­losa ati­tude que o BE mantém quando se trata de cla­ri­ficar po­si­ções em ma­téria de pro­pri­e­dade e na­ci­o­na­li­za­ções.



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