Irlandeses protestam contra novas medidas

A pão e água

Contra a san­gria im­pa­rável do povo tra­ba­lhador, os sin­di­catos ir­lan­deses con­vo­caram um pro­testo que teve uma adesão mas­siva. Mais de 150 mil pes­soas, se­gundo os or­ga­ni­za­dores, des­fi­laram no sá­bado, 28, na ca­pital do país.

Ter­ceiro pa­cote de aus­te­ri­dade exas­pera ir­lan­deses

Image 6194

Foto LUSA

Poucos dias após a in­ter­venção do Fundo Mo­ne­tário In­ter­na­ci­onal (FMI) e da apre­sen­tação de mais um in­to­le­rável pa­cote de me­didas de aus­te­ri­dade, o ter­ceiro desde o re­ben­ta­mento da crise em 2008, o povo ir­landês saiu à rua para re­a­lizar uma das mai­ores ac­ções de pro­testo dos úl­timos anos.

Os mo­tivos são co­nhe­cidos. À ge­ne­ra­li­dade da po­pu­lação já du­ra­mente sa­cri­fi­cada, o go­verno quer impor nos pró­ximos qua­tros anos um se­vero pro­grama que prevê ar­re­cadar 15 mil mi­lhões de euros. Destes, 10 mil mi­lhões re­sultam em cortes cegos nas des­pesas, no es­sen­cial so­ciais, e os res­tantes cinco mil mi­lhões de au­mentos de im­postos.

Assim, com a agra­vante de 40 por cento deste plano dra­co­niano, ou seja seis mil mi­lhões de euros, terem de ser re­a­li­zados no de­correr do pró­ximo ano, Du­blin anun­ciou, dia 24, que pre­tende re­duzir as pres­ta­ções fa­mi­li­ares e pen­sões em dez por cento e au­mentar a idade da re­forma para os 68 anos. Em pa­ra­lelo, 24 750 em­pregos pú­blicos serão ex­tintos, re­gres­sando o efec­tivo do Es­tado aos ní­veis de 2005.

As des­pesas de edu­cação e de saúde e os apoios à agri­cul­tura so­frerão um corte de três mil mi­lhões de euros. Por úl­timo, mas não menos es­can­da­losa, é a re­dução do sa­lário mí­nimo na­ci­onal, cujo valor ho­rário de­verá passar de 8,65 para 7,65 euros.

 

Menos sa­lá­rios e mais im­postos

 

Do lado das re­ceitas su­ple­men­tares, o im­posto sobre o valor acres­cen­tado (IVA) irá au­mentar para 23 por cento, o que se traduz numa co­brança adi­ci­onal de 620 mi­lhões de euros. Soma-se um novo im­posto sobre a água, e um au­mento geral das pro­pinas es­co­lares.

Em con­tra­par­tida, o go­verno do con­ser­vador Brian Cowen não quer tocar no im­posto sobre os lu­cros das em­presas que é man­tido, na pro­posta or­ça­mental, nos mó­dicos 12,5 por cento, uma das mais baixas taxas fis­cais da União Eu­ro­peia, onde este im­posto re­pre­senta em média 24,7 por cento.

Dado que tanto a Ale­manha como Paris vi­nham pres­si­o­nando para que esta taxa fosse au­men­tada, o go­verno ir­landês apressou-se a in­dicar que se trata de «uma pedra an­gular da nossa po­lí­tica eco­nó­mica vol­tada para a livre em­presa». Na ver­dade, mos­trando quem manda re­al­mente no país, al­gumas mul­ti­na­ci­o­nais avi­saram nas úl­timas se­manas que qual­quer agra­va­mento da tri­bu­tação dos seus lu­cros po­deria sig­ni­ficar a des­lo­ca­li­zação das res­pec­tivas uni­dades.

 

O es­pectro da fa­lência

 

Du­blin sonha em re­duzir o dé­fice pú­blico para os três por cento em 2014. (Re­corde-se que este ano o bu­raco nas contas do Es­tado re­pre­senta 32 por cento do PIB, valor ob­tido de­pois da con­ta­bi­li­zação dos cerca de 50 mil mi­lhões, um terço do pro­duto, in­jec­tados no sis­tema ban­cário fa­lido). Mas para isso, a eco­nomia teria de crescer 2,75 por cento já no pró­ximo ano.

Ora, de­pois do co­lapso da eco­nomia em 2009 (-7%) e de um ce­nário pouco ani­mador para este ano (14% de de­sem­pre­gados), é im­pro­vável que as tra­di­ci­o­nais so­lu­ções para salvar os lu­cros do ca­pital possam con­duzir a uma re­cu­pe­ração da eco­nomia.

Tanto mais que todo o es­forço or­ça­mental pa­rece ser ín­fimo quando com­pa­rado com os mon­tantes já des­pe­jados na banca e que terão de con­ti­nuar para evitar a fa­lência. À «na­ci­o­na­li­zação» dos pre­juízos do Anglo Irish Bank logo em 2009, se­guiu-se a in­ter­venção es­tatal no Al­lied Irish Banks, que re­velou, na se­mana pas­sada, ter re­gis­tado uma quebra nos de­pó­sitos de 13 mil mi­lhões de euros, a que se soma uma queda em bolsa de 70 por cento desde o início do ano.

A fa­lência ameaça igual­mente o Bank of Ire­land, de­vendo passar muito em breve para a es­fera pú­blica, uma vez que já perdeu 90 por cento do seu valor em bolsa desde o início da crise.

Face ao des­ca­labro da banca e pre­vendo os ine­vi­tá­veis efeitos re­ces­sivos das drás­ticas me­didas de aus­te­ri­dade, que já estão a re­duzir à in­di­gência muitos mi­lhares de ir­lan­deses, o anúncio da «ajuda» do FMI e da UE no mon­tante de 85 mil mi­lhões de euros (35 mi­lhões dos quais se des­tinam à banca), não con­tri­buíram em nada para acalmar os cre­dores. Na mesma se­mana, estes ele­varam a taxa de juro de novos em­prés­timos para nove por cento.

A era do ca­pi­ta­lismo está a chegar ao fim, e ante o povo ir­landês co­loca-se a ta­refa cada vez mais ur­gente de o su­primir, sob pena de de­sa­pa­recer do mapa. Como gri­taram os ma­ni­fes­tantes, no sá­bado, «os cortes or­ça­men­tais salvam a banca, não a Ir­landa».



Mais artigos de: Europa

Pelo futuro

No final de uma se­mana mar­cada por in­tensos pro­testos es­tu­dantis, cerca de 200 mil pes­soas par­ti­ci­param, dia 27, em Roma, na ma­ni­fes­tação na­ci­onal con­vo­cada pela CGIL, a maior cen­tral sin­dical de Itália.

Movimento estudantil alarga-se

Mais de 100 mil estudantes participaram em dezenas de protestos, realizados durante a semana passada em várias cidades do Reino Unido, para exigir a anulação dos exorbitantes aumentos das propinas universitárias e dos cortes na educação previstos no...

Conservadores vencem na Catalunha

O partido nacionalista conservador Convergência e Unidade venceu as eleições regionais na Catalunha, obtendo 38, 41 por cento dos votos e 62 deputados, ou seja, mais 14 deputados do que tinha elegido em 2006. Embora destacado dos restantes partidos, o CiU ficou a seis lugares da maioria. Os...

O rumo desastroso das políticas agrícolas

A Comissão Europeia apresentou há poucos dias o documento que encerra o «debate público» sobre a revisão da Política Agrícola Comum (PAC) para o período pós-2013. Embora a proposta final só seja conhecida lá para...