A bota e a porcalhota

Margarida Botelho

A esta altura do campeonato, já não nos devíamos surpreender por aí além com a desfaçatez de Cavaco Silva. Depois de dez anos como primeiro-ministro e cinco como Presidente da República, sabemos do que é capaz e até onde leva a hipocrisia e o calculismo. Começando numa suposta rodagem do carro até à Figueira da Foz, passando por diversos tabus e sofismas, Cavaco sempre foi fértil em jogos de aparências.

No domingo passado, o cinismo atingiu um nível superior. O candidato Cavaco vestiu a farda de Presidente da República por umas horas para se mostrar cumprimentando um casal de noivos que tinha vivido na rua e decidiu casar-se na festa de Natal da Comunidade Vida e Paz, onde se conheceram. A história de amor é comovente – e não é ela que fica posta em causa. Aos noivos só se deseja que sejam muito felizes e tenham a vida digna que todos os seres humanos merecem.

Em causa fica o candidato Cavaco, que prova ser capaz de tudo para conseguir uma imagem que sirva a sua campanha. O PCP já denunciou oportunamente a escandalosa e despudorada utilização do cargo de Presidente da República que o candidato Cavaco tem vindo a fazer. Na semana passada, teve direito a directo em todos os canais na abertura de uma iniciativa de promoção da distribuição de sobras dos restaurantes aos pobres. Este fim-de-semana, mostra-se ao lado de um casal de ex-sem abrigo.

Confrontado na semana passada com a crítica de Francisco Lopes, que denunciou o papel que Cavaco há mais de vinte anos tem no nosso país, promovendo e defendendo a política de direita que tem empurrado centenas de milhares de portugueses para a pobreza, Cavaco considerou que era afirmação que nem merecia resposta. Esta semana, decerto sentindo que era necessário disfarçar melhor, veio defender-se, invocando as visitas natalícias que o Presidente da República tem feito a «instituições que se dedicam ao combate à pobreza e à exclusão social».

Caso para dizer: não bate a bota com a perdigota. Bem pode Cavaco fazer mil discursos, roteiros, congressos e fotografias sobre a pobreza. Nos 15 anos que leva das mais altas responsabilidades no país, tomou sempre partido pelos poderosos e pelos exploradores. E é por isso que a 23 de Janeiro não merece o voto das vítimas da política de direita.



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