O mandato não pode esgotar-se em projectos e propaganda

Contra a ofensiva do PS na Câmara Municipal de Lisboa

Modesto Navarro

A As­sem­bleia Mu­ni­cipal de Lisboa ini­ciou, nas co­mis­sões per­ma­nentes, a aná­lise da pro­posta re­la­tiva à re­or­ga­ni­zação or­gâ­nica e de fun­ci­o­na­mento dos ser­viços mu­ni­ci­pais, com vista à ela­bo­ração de re­la­tó­rios e à dis­cussão e vo­tação em ple­nário.

Esta re­or­ga­ni­zação in­terna de­veria ser e de­verá ser feita em con­so­nância com as es­tru­turas, di­ri­gentes e tra­ba­lha­dores.

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Au­tarcas atentos a essa questão sen­sível já a fi­zeram, nos mu­ni­cí­pios, à luz do Dec-Lei n.º 305/​2009, sem que ela sig­ni­fi­casse a ins­ta­bi­li­zação e a pa­ra­lisia ne­ga­tivas que esta pro­posta n.º 664/​2010, da ac­tual mai­oria do PS, con­fi­gura. Ela lança in­qui­e­ta­ções, de­ses­tru­tu­ra­ções só apa­ren­te­mente fá­ceis e com­pli­ca­ções fu­turas, maior im­pos­si­bi­li­dade de re­so­lução de pro­blemas reais em tempo útil, pas­sagem de áreas im­por­tantes para longe do que são e de­ve­riam con­ti­nuar a ser as res­pon­sa­bi­li­dades mais sig­ni­fi­ca­tivas dos ve­re­a­dores e do pre­si­dente da Câ­mara Mu­ni­cipal.

Porquê então acon­tece esta si­tu­ação que se con­fi­gura como emi­nen­te­mente po­lí­tica? Porque ao pre­si­dente da Câ­mara e à ac­tual mai­oria do PS in­te­ressa criar factos po­lí­ticos e pro­pa­gan­de­ados, para lançar sobre os tra­ba­lha­dores do Mu­ni­cípio o ónus de o exe­cu­tivo da mai­oria nada ter feito até agora, de es­sen­cial, nas áreas que efec­ti­va­mente in­te­ressam à ci­dade.

Já a tão pro­pa­lada re­forma ad­mi­nis­tra­tiva serviu para lançar os custos da ine­fi­cácia ca­ma­rária para cima da re­or­ga­ni­zação das juntas de Fre­guesia, quando, na re­a­li­dade, elas dão as res­postas às po­pu­la­ções que esta Câ­mara não dá, como é do co­nhe­ci­mento pú­blico.

De­vemos re­flectir sobre esta es­tra­tégia hábil do pre­si­dente da Câ­mara e do PS. Até hoje, foram e são lan­çadas me­to­di­ca­mente, com re­curso a equipas con­tra­tadas ou de missão, ope­ra­ções e grossas ini­ci­a­tivas que não são só nu­vens de fumo porque atingem e atin­gi­riam du­ra­mente a re­a­li­dade de Lisboa; mas ocultam, aos olhos dos menos es­cla­re­cidos, essa re­a­li­dade triste de, mesmo em mai­oria ab­so­luta, não exer­cerem o man­dato que lhes foi con­fe­rido em ma­té­rias im­por­tantes como a re­a­bi­li­tação ur­bana, a mo­bi­li­dade e o trân­sito, a lim­peza e hi­giene ur­bana, o am­bi­ente e a se­gu­rança das po­pu­la­ções, entre ou­tras.

 

A equipa de missão da cha­mada re­or­ga­ni­zação or­gâ­nica custa à Câ­mara, só no que res­peita a três pes­soas cha­madas do ex­te­rior, res­pec­ti­va­mente 67 200 euros para o co­or­de­nador e 47 820 euros para cada um dos dois ou­tros con­tra­tados. Ao todo serão 162 842 euros que a Câ­mara e os mu­ní­cipes vão pagar ou já pa­garam.

Esta po­derá ser uma opor­tu­ni­dade per­dida para en­volver os ser­viços, os di­ri­gentes e os  tra­ba­lha­dores, os eleitos nos ór­gãos mu­ni­ci­pais e nas fre­gue­sias, na pro­cura das mu­danças ade­quadas e po­si­tivas. Ao con­trário, corre-se o risco de des­truir o que a ex­pe­ri­ência e a par­ti­ci­pação in­te­grada cri­aram ao longo dos man­datos. Porque a re­a­li­dade é que a Câ­mara Mu­ni­cipal e os ser­viços existem há muitos e muitos anos e têm tra­ba­lhado e dado res­postas efi­cazes, quando os eleitos sabem di­rigir e ex­pe­ri­mentar com in­te­li­gência, sabem jogar com o tempo a favor e não contra tudo e contra todos. Por­tanto, é pos­sível re­es­tru­turar, al­terar, ade­quar, quando o ob­jec­tivo fun­da­mental é dar res­postas aos pro­blemas, va­lo­ri­zando os di­ri­gentes e os tra­ba­lha­dores, afinal de contas os prin­ci­pais in­te­res­sados em se re­a­li­zarem pro­fis­si­o­nal­mente sem serem acin­to­sa­mente postos em causa nas fun­ções que exercem e nas quais po­derão sempre fazer me­lhor para dar res­postas dignas, efi­cazes e cri­a­tivas à ci­dade. Para isso é ne­ces­sário acabar com o de­sin­ves­ti­mento ma­te­rial, hu­mano e téc­nico em ser­viços de­ci­sivos como a lim­peza e hi­giene ur­bana, sa­ne­a­mento e ilu­mi­nação pú­blica, entre ou­tros.

Está nas nossas mãos e na nossa in­te­li­gência sermos ca­pazes de con­tri­buir para um tra­balho sen­sível, para que áreas im­por­tantes não sig­ni­fi­quem fu­tu­ra­mente fa­lhanços, apenas ne­gó­cios e, so­bre­tudo, perda de fun­ções es­sen­ciais para a ci­dade. Está agora co­me­tida à As­sem­bleia Mu­ni­cipal de Lisboa a res­pon­sa­bi­li­dade de de­finir com cla­reza o que a Câ­mara Mu­ni­cipal deve fazer, o que deve as­sumir e re­a­lizar, res­pei­tando a au­to­nomia e as res­pon­sa­bi­li­dades pró­prias das juntas de Fre­guesia e os reais in­te­resses da po­pu­lação de Lisboa.

 

Al­gumas das ques­tões em causa

 

O pre­si­dente An­tónio Costa e o PS querem re­es­tru­turar para en­tregar ao ex­te­rior o que são res­pon­sa­bi­li­dades le­gais dos eleitos e que devem con­ti­nuar a ser ser­viço pú­blico; querem largar o es­sen­cial da ac­ti­vi­dade para ficar com mãos li­vres para a eterna cam­panha e afir­mação po­lí­tica ao longo deste man­dato, com vista a ou­tros de­síg­nios e am­bi­ções; lançar mais e mais pro­postas para con­fundir a ci­dade com a ideia de que estão a fazer o que na re­a­li­dade não fazem; en­tregar o sa­ne­a­mento em baixa à EPAL, num ne­gócio pro­vi­sório para 50 anos, e perder uma im­por­tante fonte de tra­balho e ren­di­mento mu­ni­cipal de 50 mi­lhões de euros anuais, ob­tendo agora di­nheiro fácil para pagar parte do en­di­vi­da­mento e do dé­fice que tem cres­cido; en­tregar à EGEAC mu­seus, ga­le­rias, ar­quivos e o que deve fazer parte da po­lí­tica cul­tural da Câ­mara, a pre­ser­vação e in­te­gri­dade do pa­tri­mónio cul­tural, ma­te­rial e ima­te­rial, ex­tin­guindo a Di­visão de Mu­seus e Pa­lá­cios e lan­çando ainda mais aquela em­presa mu­ni­cipal, a EGEAC, na con­fusão fi­nan­ceira em que já se en­contra; pre­parar con­di­ções de ex­ter­na­li­za­ções ainda am­bí­guas e pouco es­cla­re­cidas, para pro­pi­ciar o de­sa­pa­re­ci­mento de postos de tra­balho, perdas de vín­culos ju­rí­dico-la­bo­rais e pos­sí­veis co­lo­ca­ções em mo­bi­li­dades es­pe­ciais; ab­dicar de sec­tores im­por­tantes de ser­viço pú­blico, de acção e in­de­pen­dência fi­nan­ceira da Câ­mara e do mu­ni­cípio, em ope­ra­ções po­lí­ticas de du­vi­doso al­cance; fazer de­sa­pa­recer di­vi­sões e mais es­tru­turas, para pro­va­vel­mente co­locar ou­tros res­pon­sá­veis e di­ri­gentes de con­fi­ança po­lí­tica nas novas res­pon­sa­bi­li­dades; aban­donar áreas es­tra­té­gicas no des­porto, pul­ve­ri­zando res­pon­sa­bi­li­dades e equi­pa­mentos; na ju­ven­tude, dei­xando de tra­ba­lhar com as as­so­ci­a­ções re­pre­sen­ta­tivas; na acção edu­ca­tiva e so­cial, neste caso pas­sando re­fei­tó­rios, cre­ches e in­fan­tá­rios para ser­viços so­ciais com pro­blemas bem re­centes de fi­nan­ci­a­mento; querem des­con­cen­trar des­me­di­da­mente res­pon­sa­bi­li­dades e criar si­tu­a­ções, essas sim, de re­pli­cação de ca­pa­ci­dades, com­pe­tên­cias e meios e de maior am­bi­gui­dade na re­lação com as fre­gue­sias e seus ór­gãos res­pon­sá­veis; pôr em causa ser­viços de­ci­sivos e trans­ver­sais como o De­par­ta­mento de Re­pa­ração e Ma­nu­tenção Me­câ­nica; atingir a efi­cácia da Im­prensa Mu­ni­cipal, ha­vendo tra­ba­lhos que esta po­deria fazer e fazia que já são ex­ter­na­li­zados; usar rou­pa­gens pouco diá­fanas como pas­sagem para ser­viços mu­ni­ci­pa­li­zados, in­ter­mu­ni­ci­pa­li­zados, con­ces­sões e em­presas mu­ni­ci­pais, em tempos de crise e de enorme pre­ca­ri­e­dade de em­prego; pos­si­bi­litar a ló­gica dos lu­cros, baixar a qua­li­dade dos ser­viços e au­mentar as fac­turas a pagar pelos mu­ní­cipes, em vez de pro­curar so­lu­ções cri­a­tivas e efec­ti­va­mente au­tár­quicas, eis al­gumas das ma­té­rias e pro­blemas que a seu tempo tra­ta­remos mais apro­fun­da­da­mente e que pre­o­cupam eleitos nesta As­sem­bleia e nas juntas de Fre­guesia da ci­dade.

Pa­rece que o pre­si­dente da Câ­mara po­derá vir a re­cuar tem­po­ra­ri­a­mente na lim­peza e hi­giene ur­bana, mas de­verá re­cuar nou­tras si­tu­a­ções que agora se acu­mulam para con­fundir a opi­nião pú­blica quanto às suas ver­da­deiras res­pon­sa­bi­li­dades.

O se­nhor pre­si­dente da Câ­mara ar­gu­menta que os ac­tuais ser­viços são mi­ni­fún­dios. Só prova que não qui­seram tra­ba­lhar com di­ri­gentes e ser­viços e con­traria assim o que na­tu­ral­mente des­co­nhece na agri­cul­tura; mas talvez pre­tenda ficar, à luz do tal ar­tigo 68.º da re­es­tru­tu­ração, a pairar in­de­fi­ni­da­mente sobre os «la­ti­fún­dios» que agora quer criar na ci­dade, para me­lhor iludir os in­cautos pe­rante a falta de pro­dução real da sua parte e do exe­cu­tivo com pe­louros.

Seria bem me­lhor que, em vez desta ten­tação acen­tuada de pre­si­den­ci­a­lismo e de con­fu­sões pre­me­di­tadas, lan­çassem de vez as mãos e a in­te­li­gência ao tra­balho au­tár­quico e mu­ni­cipal, dei­xando-se de pro­pa­ganda e de pre­pa­ração de novas si­tu­a­ções no vazio, na falta de pon­de­ração e de sen­tido de Es­tado.

Tra­ba­lhar com os ser­viços, com os di­ri­gentes e os tra­ba­lha­dores, com co­ragem e ab­ne­gação, en­con­trando so­lu­ções fiá­veis para o fu­turo, como ver­da­deiros au­tarcas da ci­dade, é o que exige esta Lisboa que terá de le­vantar-se do caos e da ino­pe­rância em que as am­bi­ções po­lí­ticas do pre­si­dente da Câ­mara e o aban­dono da re­so­lução dos pro­blemas enormes e quo­ti­di­anos pela Câ­mara a lan­çaram. O tempo urge e este man­dato não pode es­gotar-se em pro­jectos e pro­pa­ganda que nada têm a ver com as po­pu­la­ções das fre­gue­sias e com Lisboa.



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