Egípcios seguem exemplo de tunisinos

A força imparável das massas

«É o caudal imenso de von­tade po­pular que no Egipto impõe a

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Foto LUSA

Tal como acon­teceu na Tu­nísia, também no Egípto o povo não de­siste de con­quistar o fu­turo. An­te­ontem, de acordo com a Al Ja­zeera, pelo menos dois mi­lhões de pes­soas exi­giam nas ruas das prin­ci­pais ci­dades do país – com des­taque para o Cairo, Ale­xan­dria ou Suez – os di­reitos so­ciais e la­bo­rais, a jus­tiça so­cial, a de­mo­cracia e a li­ber­dade ne­gadas du­rante dé­cadas de di­ta­dura, como re­fere a nota de so­li­da­ri­e­dade di­vul­gada pelo PCP, que ao lado pu­bli­camos na ín­tegra.

A ca­pital, e mais con­cre­ta­mente a praça Tahrir (Li­ber­tação), era o centro mais vi­sível da re­volta, mas em toda a área me­tro­po­li­tana da ci­dade a te­le­visão do Qatar es­tima em um mi­lhão o total de ma­ni­fes­tantes.

Tal como os tu­ni­sinos, também os egíp­cios con­quis­taram a pulso não apenas a sim­bó­lica praça, to­mada de­fi­ni­ti­va­mente às au­to­ri­dades na sexta-feira, dia 29, após quatro dias de con­frontos e re­pressão po­li­cial que dei­xaram cerca de 140 mortos, mi­lhares de fe­ridos e de­tidos – mas so­bre­tudo o di­reito de fa­zerem ouvir a sua voz de exi­gência de mu­dança.

Foi a força im­pa­rável das massas em mo­vi­mento que, na Tu­nísia, forçou, a 14 de Ja­neiro, o dés­pota Ben Ali a fugir para a Arábia Sau­dita. A data em­presta o nome à Frente que forças de­mo­crá­ticas e pro­gres­sistas, entre as quais o Par­tido Co­mu­nista da Tu­nísia, cons­ti­tuíram com o ob­jec­tivo de con­duzir o pro­cesso re­vo­lu­ci­o­nário.

É também o caudal imenso de von­tade po­pular que no Egipto impõe a di­nâ­mica trans­for­ma­dora e re­cusa ne­go­ci­a­ções com Mu­barak e os seus par­ti­dá­rios, des­confia de cau­di­lhos e sal­va­dores da pá­tria como o re­cen­te­mente re­gres­sado El Ba­rahdei, e obriga as Forças Ar­madas a aban­donar a fi­de­li­dade para com o re­gime.

O facto das cú­pulas mi­li­tares terem vindo a pú­blico con­si­derar «le­gí­timas as rei­vin­di­ca­ções po­pu­lares», ga­ran­tindo a não in­ter­fe­rência nas mo­vi­men­ta­ções de massas, in­dica que Mu­barak pode ter já per­dido um dos pi­lares que sus­ten­tavam o seu poder, mas con­firma, igual­mente, uma prá­tica que o curso dos acon­te­ci­mentos vinha re­ve­lando.

Após o aban­dono das ruas por parte da po­lícia, os mi­li­tares não só não co­lo­caram obs­tá­culos como até em al­guns casos co­la­bo­raram com a cons­ti­tuição dos co­mités po­pu­lares que nas ci­dades as­se­guram a ordem pú­blica. Ale­xan­dria foi um dos pri­meiros e, por­ven­tura, o exemplo má­ximo, da ine­vi­ta­bi­li­dade do con­trolo po­pular sobre os acon­te­ci­mentos, já que as forças da ordem foram ex­pulsas da ci­dade, em­bora, como nou­tros pontos do país, man­te­nham uni­dades me­ca­ni­zadas nas vias de co­mu­ni­cação.

 

Al­ter­na­tiva, e não al­ter­nância

 

Tal como na Tu­nísia, também Hosni Mu­barak pro­curou afogar a re­volta, pri­meiro pela re­pressão e de­pois pela ilusão da mu­dança. Mas o re­co­lher obri­ga­tório nunca foi aten­dido pelo povo egípcio. Por cada tra­ba­lhador que caía morto, dois pa­re­ciam le­vantar as ban­deiras do com­bate à fome, à mi­séria, ao de­sem­prego, à sub­missão, mos­trando ser im­pos­sível aplacar a re­be­lião.

No final da se­mana pas­sada, o par­tido de Mu­barak disse ci­ni­ca­mente estar ao lado das rei­vin­di­ca­ções po­pu­lares e dis­posto ao diá­logo. Horas de­pois, o pre­si­dente anun­ciou um novo go­verno e a in­tensão de pro­ceder a um alar­gado con­junto de re­formas eco­nó­micas, po­lí­ticas e so­ciais. As pro­messas aca­baram por parir um exe­cu­tivo onde Mahmud Wagdi, ex-res­pon­sável pelos ser­viços car­ce­rá­rios e de in­ves­ti­gação cri­minal, era o mi­nistro do In­te­rior; onde os mi­nis­tros dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros e da De­fesa, Ahmed Abul Gheit e Hu­sein Tan­taui, se man­ti­nham; onde o ex-chefe dos ser­viços se­cretos, Omar Su­leimán, pas­sava de tor­ci­o­nário má­ximo a vice-pre­si­dente. Tal como os tu­ni­sinos, também os egíp­cios re­jei­taram a farsas e a al­ter­nância sem al­ter­na­tiva.

 

Ra­zões pro­fundas

 

No Egipto, a exemplo do que acon­te­cera na Tu­nísia, o go­verno, crente de que o le­van­ta­mento não tinha raízes pro­fundas nas con­di­ções con­cretas de vida do povo e na si­tu­ação do país, tentou blo­quear a cir­cu­lação de in­for­mação.

O úl­timo ser­vidor de In­ternet a fun­ci­onar foi en­cer­rado se­gunda-feira, mas, tal como nos dias pre­ce­dentes o blo­queio de ou­tros ser­vi­dores havia dei­xado claro, con­firmou-se que as redes so­ciais eram uma (eficaz) forma de di­na­mi­zação dos pro­testos, mas as causas pro­fundas para que cada vez mais mi­lhões de pes­soas se ma­ni­fes­tassem nas ruas não se en­con­travam na web. Também não se en­con­travam nas re­por­ta­gens da Al Ja­zeera, da Te­lesur ou de ou­tros meios de co­mu­ni­cação so­cial, cujos pro­fis­si­o­nais e co­ber­tura no­ti­ciosa foram aba­fados. En­con­travam-se e en­con­tram-se na vida que cada um e todos os egíp­cios já não aceitam se­guir do mesmo modo e, por isso, quem os oprimiu e ex­plorou também já não o pode con­ti­nuar a fazer.

 

Im­pe­ri­a­lismo em acção

 

De­ses­pe­rados pelo vór­tice dos acon­te­ci­mentos, os im­pe­ri­a­listas ten­taram meter água na fer­vura en­quanto ma­no­bravam. O vice-pre­si­dente dos EUA, Joe Biden, su­bli­nhou que «Mu­barak não é um di­tador», uma vez que tem sido aliado dos EUA na re­gião as­se­gu­rando os in­te­resses ge­o­po­lí­ticos norte-ame­ri­canos. Po­sição idên­tica as­sumiu a se­cre­tária de Es­tado norte-ame­ri­cana, Hil­lary Clinton, para quem o exe­cu­tivo de Mu­barak é «es­tável» e dá res­posta «às ne­ces­si­dades e in­te­resses le­gí­timos dos egíp­cios».

Quando o mo­vi­mento se tornou im­pa­rável, os EUA pas­saram a apoiar a «tran­sição or­deira», abs­tendo-se, no en­tanto, de con­denar as re­pe­tidas vi­o­la­ções dos di­reitos hu­manos co­me­tidas pelo re­gime du­rante três dé­cadas e a re­pressão contra os ma­ni­fes­tantes.

Se­gunda-feira, os norte-ame­ri­canos ainda en­vi­aram o ex-em­bai­xador Frank Wisner (homem ex­pe­ri­ente no Egipto, dado que ali es­teve entre 1986 e 1991, mas também no Ko­sovo onde acom­pa­nhou o pro­cesso de se­cessão da Sérvia) para con­tactos nas cos­turas do poder egípcio; com a missão de trans­mitir «a pers­pec­tiva de Washington sobre os acon­te­ci­mentos» e levar aos «ac­tores po­lí­ticos cen­trais» que tão bem co­nhece [do­mina] a visão do pre­si­dente Obama de que Mu­barak deve mos­trar ao povo «ac­ções e não apenas pro­cla­ma­ções».

Mas este pa­rece ser um pro­cesso no qual, para já, o im­pe­ri­a­lismo não detém todo o con­trolo (as de­cla­ra­ções de Shimon Peres, pre­si­dente de Is­rael, apoi­ando aber­ta­mente Mu­barak ex­pressam alto e bom som que, para o Es­tado si­o­nista, os EUA de­ve­riam ter in­ter­vido «pro­fi­la­ti­ca­mente» contra a re­vo­lução), e talvez por isso Hil­lary Clinton tenha con­vo­cado para uma reu­nião de tra­balho sobre po­lí­tica ex­terna no De­par­ta­mento de Es­tado todos os 260 re­pre­sen­tantes di­plo­má­ticos dos EUA no mundo.

É que no Sudão, Jor­dânia, Iémen ou Ar­gélia os povos le­vantam-se, e a julgar pelo que está a acon­tecer na Tu­nísia e Egipto, os EUA não pre­tendem ir a re­boque dos acon­te­ci­mentos, fa­zendo a triste fi­gura da In­ter­na­ci­onal So­ci­a­lista que, após anos de con­vi­vência com o Par­tido Cons­ti­tu­ci­onal De­mo­crá­tico de Ben Ali e como Par­tido Na­ci­onal De­mo­crá­tico de Mu­barak, os re­negou por mau com­por­ta­mento.



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