Fevereiro bolivariano
O povo venezuelano comemora, durante o corrente mês, três acontecimentos fundamentais para compreender o processo democrático, soberano, progressista e anti-imperialista em curso no país.
Ganhámos em soberania, ganhámos em democracia
O primeiro data de 27 a 29 de Fevereiro de 1989, e ficou conhecido como Caracazo. Na base da revolta popular estiveram as medidas antipopulares tomadas pelo então presidente Carlos Andres Péres a mando do Fundo Monetário Internacional. Perante a insurreição, a capital foi ocupada pelos militares com ordens para usarem armas de calibre de guerra e dispararem a matar. Estima-se que pelo menos um milhar de pessoas tenha morrido.
A sublevação sufocada deixou, porém, sementes entre jovens militares como Hugo Chávez, que, três anos depois, a 4 de Fevereiro de 1992, protagonizaram um novo levantamento, desta feita cívico-militar. Sem o Caracazo, o levantamento de 4 de Fevereiro não teria ocorrido, admitem os seus mais destacados protagonistas.
Regressado de Davos, na Suíça, Carlos Andres Péres trazia na bagagem um novo pacote de austeridade, o qual subia vários patamares na política de «abertura do país ao investimento estrangeiro» e na privatização de serviços públicos. Nessa mesma madrugada de 4 de Fevereiro, o então tenente-coronel Hugo Chávez, apoiado por quase 2500 militares inspirados pelo Movimento Bolivariano, tomaram as cidades de Caracas, Maracay, Valência, Barquisimeto e Maracaibo.
Em socorro de Carlos Andres Péres e do regime apodrecido confluiu toda a direita e parte das Forças Armadas. O povo mostrou que pretendia dar novo rumo ao país, mas os militares situacionistas afogaram a rebelião e prenderam os uniformizados insurrectos.
Só seis anos depois, a 2 de Fevereiro de 1998, as aspirações de mudança lograriam conquistar o poder. Depois de ter sido eleito com 56,2 por cento dos votos, Hugo Chávez toma posse como presidente da Venezuela, iniciando um processo de transformação ímpar no país.
A refundação da República resistiu a um golpe militar e a um prolongado boicote empresarial, em 2002-2003. O conjunto de alterações económicas, sociais e políticas tem sido repetidamente aprovado em sufrágio directo e universal, e pela participação directa do povo na sua concretização.
Rumo ao futuro
Os 12 anos da tomada de posse de Hugo Chávez e do início do processo bolivariano, e os 19 anos da revolta cívico-militar liderada pelo então tenente-coronel à frente de um conjunto de democratas, progressistas e patriotas, foi assinalado na Venezuela com grandes iniciativas de massas.
Fora do território também se comemoraram as datas históricas que abriram caminho à construção de um país novo. Em Portugal esteve o deputado do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e vice-presidente da Assembleia Nacional, Saúl Ortega, que, num breve balanço do processo, disse ao Avante! que, antes de tudo, a revolução bolivariana deu um passo em frente na confrontação da política de «pátio das traseiras» que os EUA mantinham para com a América Latina.
«Ganhámos em soberania. Hoje relacionamo-nos com todos os países do mundo, independentemente dos norte-americanos os considerarem amigos ou inimigos.
«Ganhámos em democracia, pois estamos transformar o regime tradicional aprofundando a participação popular. Exemplo disso são os conselhos comunais e as comunas como órgãos do Estado, organizados pelo próprio povo e influentes na gestão e aplicação de políticas públicas. Estamos também a desenvolver estruturas semelhantes de trabalhadores ou estudantes».
Triunfos, ainda, sublinhou Saúl Ortega, na implementação de políticas públicas. «Em todos os ciclos do Ensino cresceu o número de estudantes – só no Superior, por exemplo, passámos de 600 mil inscritos para mais de 2 milhões –; o analfabetismo foi praticamente erradicado; nos bairros as famílias têm assistência médica como nunca tiveram; resgatámos o principal recurso nacional, o petróleo, permitindo canalizar os seus lucros para programas sociais; avançámos e continuaremos a avançar no âmbito da soberania alimentar e no combate ao latifúndio; estamos a agir contra a especulação imobiliária que lesou milhares de pessoas. Agora é o Estado a garantir-lhes o acesso à habitação e, para mais, a intervir nos terrenos urbanos e rurais promovendo a construção de casas para os que não as têm».
Admitindo que, todavia, ainda falta percorrer um longo caminho no que diz respeito à consolidação de relações sociais de produção antagónicas às que caracterizam o sistema capitalista, o deputado do PSUV frisou que a Venezuela passou a ser o país menos desigual do subcontinente, conquista da primeira etapa de uma revolução que, destacou, conta com os trabalhadores para prosseguir rumo ao objectivo estratégico de construção do socialismo.