Custos acrescidos

Correia da Fonseca

Em tempos, lembro-o não com enorme ni­tidez, o dr. Pedro Passos Co­elho foi de­pu­tado na As­sem­bleia da Re­pú­blica. A sua re­mu­ne­ração como tal há-de ter sido a que todos os seus pares então re­ce­biam, nem tanto que jus­ti­fi­casse a vo­ze­aria in­ve­josa que de­certo já então se ouvia re­la­ti­va­mente às re­mu­ne­ra­ções dos de­pu­tados nem tão pouco que fosse de mi­séria. Ainda assim, e porque não tenho me­mória de que a sua acção par­la­mentar fosse es­pe­ci­al­mente bri­lhante e so­bre­tudo útil ao País, estou in­cli­nado a crer que o de­pu­tado Passos Co­elho ficou muito caro. Pre­ci­sa­mente por causa da es­cassa uti­li­dade na­ci­onal que me pa­rece ter sido a sua. Neste caso par­ti­cular que aqui chamo a tí­tulo de exemplo e ten­ta­tiva de de­mons­tração, bem se pode dizer que se não es­ti­vesse lá então Pedro Passos Co­elho es­taria um outro no seu lugar, muito pro­va­vel­mente com idên­tica es­cassez de uti­li­dade para o País e que por isso seria igual­mente caro, pelo que peço o favor de não se ver nesta re­fe­rência ao ac­tual líder do PSD se­quer a sombra de um ataque pes­soal. Mas o exemplo serve, es­pero, para ilus­trar um facto que convém não es­quecer: que um custo, qual­quer custo, não deve ser me­dido apenas em face do seu valor ex­presso em moeda mas sim na re­lação desse nú­mero com a uti­li­dade re­sul­tante da sua apli­cação. Podia, é claro, ter es­co­lhido outro ou ou­tros exem­plos. Podia ter in­ven­tado o caso de um carro topo-de-gama, ad­qui­rido a preço de pe­chincha, con­de­nado con­tudo a apenas fazer di­a­ri­a­mente um per­curso de pouco mais de qui­nhentos me­tros entre uma re­si­dência par­ti­cular e um ga­bi­nete ofi­cial. Ou, saindo do plano da in­venção, podia ter fa­lado do que custa ao Es­tado o se­nhor Pre­si­dente da Re­pú­blica, agora por sinal mais ba­rato que du­rante o man­dato an­te­rior mas que ainda me pa­rece muito caro. Isto por causa do tal factor de uti­li­dade e, é claro, sem a mí­nima perda do res­peito de­vido ao único órgão de so­be­rania uni­pes­soal do Es­tado Por­tu­guês. Sempre a tal re­lação custo/​uti­li­dade a ser de­ci­siva para a de­ter­mi­nação do que é caro e do que não o é.

 

O que faz falta

 

Con­tudo, não foi por mero acaso que me ocorreu uti­lizar o caso do de­pu­tado Passos Co­elho para ilus­trar a minha ex­pli­cação: é que no de­curso da en­tre­vista que o pre­si­dente do PSD con­cedeu há dias à jor­na­lista Ju­dite de Sousa, o pre­si­dente do PSD falou de um custo que con­si­de­rará in­sus­ten­tável e por­ven­tura inútil: o da RTP, Ra­di­o­te­le­visão Por­tu­guesa, ope­ra­dora pú­blica de te­le­visão agora in­te­grada na em­presa RTP-Rádio e Te­le­visão de Por­tugal. Falou ele então, se os meus ou­vidos não me traíram e a me­mória não me en­gana, em cerca de 300 mi­lhões de contos/​ano, valor que tem por ele­va­dís­simo mesmo nestes tempos em que se fala de mil mi­lhões com a fa­mi­li­a­ri­dade com que dantes se fa­lava em mi­lhares de es­cudos. Pelo que lhe pa­re­cerá im­pe­rioso que o Es­tado se des­faça desse en­cargo, talvez en­cer­rando a RTP no todo ou em parte, talvez pas­sando-a a pri­vados. Ora, é claro que também aqui é apli­cável e mesmo for­çoso aplicar a tal re­lação custo/​uti­li­dade. É certo, pa­rece-me, que a ac­tual Ra­di­o­te­le­visão Por­tu­guesa é in­to­le­ra­vel­mente cara; não porque, como muito é re­pe­tido, o seu im­pacto em termos de au­di­ên­cias é débil em con­fronto com os das suas duas con­cor­rentes pri­vadas, a SIC e TVI, mas sim porque a sua acção con­tinua a si­tuar-se, diria que tei­mo­sa­mente, longe do in­te­resse na­ci­onal que pode e deve jus­ti­ficar a sua exis­tência como ope­ra­dora es­tatal. Para lá de muito mi­no­ri­tá­rias ex­cep­ções, a sua pro­gra­mação pa­rece ter como ob­jec­tivo quase ex­clu­sivo a pro­moção da su­per­fi­ci­a­li­dade, o es­tí­mulo a pa­drões de vida con­su­mistas, a mar­gi­na­li­zação dos va­lores cí­vicos e cul­tu­rais, a imi­tação em tom menor dos iti­ne­rá­rios se­guidos pelas es­ta­ções pri­vadas por ra­zões co­mer­ciais mas não apenas por elas, também por mo­tivos ide­o­ló­gicos. Num país que con­sa­bi­da­mente está a ser de­vo­rado por pe­nú­rias ter­rí­veis, se­cu­lar­mente con­de­nado pelas classes di­ri­gentes ao anal­fa­be­tismo cul­tural e à in­di­fe­rença cí­vica, a te­le­visão es­tatal com­porta-se como se não ti­vesse nada a ver com isso; e es­cu­sado será acres­centar que o canal “2”, já de si fe­rido pelo facto de ter uma au­di­ência mi­no­ri­ta­rís­sima, não de­sen­volve um es­forço cre­dível para servir se­quer como álibi. Em re­sumo: a RTP é de facto ca­rís­sima. Mas, pe­rante esse triste facto, o que faz falta não é as­sas­siná-la: é con­ferir-lhe a uti­li­dade na­ci­onal de que o País pre­cisa. É, na ver­dade, torná-la ba­rata, ou com preço acei­tável. Por força da tal re­lação que de­cide estas coisas.



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