Uma simples e esclarecedora decisão

Vasco Cardoso

Haverá quem con­siga ex­plicar isto me­lhor, mas o aban­dono ou subs­ti­tuição de uma língua, neste caso da nossa língua – o por­tu­guês – por outra, com tudo aquilo que im­plica na al­te­ração de con­ceitos, nas formas de re­flectir, in­ter­pretar e agir sobre a re­a­li­dade, re­vela em si um pro­cesso mais vasto de co­lo­ni­zação eco­nó­mica, cul­tural e ide­o­ló­gica. É isso que está a acon­tecer em al­gumas das ins­ti­tui­ções do en­sino su­pe­rior.

Uma dita aposta na in­ter­na­ci­o­na­li­zação foi o prin­cipal ar­gu­mento uti­li­zado para jus­ti­ficar a mu­dança de imagem e um novo nome, em in­glês, em duas das prin­ci­pais es­colas de eco­nomia do país. Assim, a Fa­cul­dade de Eco­nomia da Uni­ver­si­dade Nova de Lisboa passou a chamar-se Nova School of Bu­si­ness & Eco­no­mics, e a Fa­cul­dade de Ci­ên­cias Eco­nó­micas e Em­pre­sa­riais da Uni­ver­si­dade Ca­tó­lica ficou com uma não menos pom­posa de­sig­nação: Ca­tó­licaLisbon School of Bu­si­ness & Eco­no­mics.

Dei­xando de lado tudo o que de pa­rolo e triste pro­vin­ci­a­nismo tem esta de­cisão, o que esta me­dida veio expor é a rá­pida trans­for­mação das es­colas de eco­nomia no nosso País em su­cur­sais do pen­sa­mento único.

Es­colas onde o ultra-li­be­ra­lismo é a dou­trina do­mi­nante. Es­colas que ad­mitem todos os mo­delos e re­fle­xões eco­nó­micas desde que não po­nham em causa o sis­tema ca­pi­ta­lista. Es­colas onde o sis­tema pre­para as suas elites. Es­colas onde a bi­bli­o­grafia, as fi­chas de tra­balho, os pro­gramas in­for­má­ticos e até as pró­prias aulas são lec­ci­o­nadas na língua da po­tência eco­nó­mica, po­lí­tica e mi­litar do­mi­nante.

Es­colas que, tal como as pa­la­vras dos seus res­pon­sá­veis não des­mentem, mais do que es­colas de eco­nomia, são hoje es­colas de «ne­gó­cios».

Es­colas, onde se aprende tudo sobre os «mer­cados», a bolsa, Wall Street, con­cen­tra­ções e aqui­si­ções de em­presas, «en­ge­nharia» fi­nan­ceira, fle­xi­bi­li­dade e ri­gidez do mer­cado de tra­balho, fu­turos, de­ri­vados, a dí­vida, o dé­fice, o mar­ke­ting, o fun­ding, o ra­ting e…por aí fora.

Es­colas onde a pa­lavra eco­nomia – en­ten­dida en­quanto ci­ência capaz de es­tudar a afec­tação dos re­cursos e das po­ten­ci­a­li­dades exis­tentes às ne­ces­si­dades de uma de­ter­mi­nada so­ci­e­dade – às vezes até pa­rece que está a mais.



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