Intervenção de Jerónimo de Sousa no 35.º aniversário da Constituição da República Portuguesa

Portugal tem futuro com a Constituição de Abril!

Para as­si­nalar o 35.º ani­ver­sário da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, o PCP pro­moveu, no sá­bado, 2, uma sessão pú­blica em Lisboa, em que in­ter­vi­eram An­tónio Fi­lipe, de­pu­tado na AR e membro do CC, Ma­nuel Gusmão, membro do CC, bem como Je­ró­nimo de Sousa, Se­cre­tário-geral do PCP, cuja in­ter­venção de en­cer­ra­mento se pu­blica se­gui­da­mente na ín­tegra (sub­tí­tulos das res­pon­sa­bi­li­dade da re­dacção).

A de­fesa da Cons­ti­tuição há-de ser sempre obra do povo que a ins­pirou e cons­truiu com a sua luta

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«Fiéis ao nosso com­pro­misso de sempre, aqui es­tamos, neste dia em que passam 35 anos da en­trada em vigor da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica a ce­le­brar esse acto fun­dador e de­ci­sivo da de­mo­cracia por­tu­guesa e a pro­clamar não apenas a nossa firme de­ter­mi­nação em a res­peitar e de­fender, mas a de tudo fazer para dar corpo ao pro­jecto de fu­turo que trans­porta.

A ela­bo­ração, apro­vação e en­trada em vigor da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica é in­se­pa­rável do pro­cesso da Re­vo­lução de Abril e da pro­lon­gada luta dos tra­ba­lha­dores e do povo por­tu­guês que, de forma plena, acolhe no seu seio os va­lores, con­quistas e trans­for­ma­ções re­vo­lu­ci­o­ná­rias de um tempo novo, em rup­tura com a di­ta­dura fas­cista, a opressão e o co­lo­ni­a­lismo.

Neste mo­mento de ce­le­bração, per­mitam-me que daqui preste ho­me­nagem aos mi­li­tares de Abril que de­vol­veram a dig­ni­dade e a li­ber­dade ao povo e aos de­pu­tados cons­ti­tuintes que com o seu hon­roso tra­balho lhe deram forma e se­laram esse com­pro­misso co­lec­tivo com o Por­tugal livre, de­mo­crá­tico, de pro­gresso e in­de­pen­dente que a Cons­ti­tuição de 1976 con­sa­grou. Tra­balho para o qual o PCP se or­gulha de ter dado uma ge­ne­rosa, em­pe­nhada e qua­li­fi­cada con­tri­buição, como aqui já foi re­al­çado. Con­tri­buição que não ficou por esse mo­mento de cons­trução, mas que con­ti­nuou em todos os anos que se lhe se­guiram. Anos de árduo com­bate não apenas em sua de­fesa, mas também pela exi­gência da sua efec­ti­vação.

Ce­le­bramos 35 anos da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica num mo­mento par­ti­cu­lar­mente di­fícil da nossa vida de­mo­crá­tica, em que o País vê agra­vados todos os seus pro­blemas e o povo por­tu­guês sofre, de forma do­lo­rosa, as con­sequên­cias de uma de­sas­trosa po­lí­tica que se afirmou de­li­be­ra­da­mente em con­fronto com Abril, a sua Cons­ti­tuição, os seus va­lores e o seu pro­jecto.

A uma pro­lon­gada crise eco­nó­mica e so­cial que nos per­segue desde longa data, juntou-se neste mo­mento uma crise po­lí­tica. Temos já mar­cadas elei­ções le­gis­la­tivas para o pró­ximo dia 5 de Junho, em re­sul­tado da apre­sen­tação por parte do pri­meiro-mi­nistro da sua de­missão que su­jeitou a con­ti­nui­dade do seu go­verno à apro­vação de mais um pa­cote de me­didas de aus­te­ri­dade – o quarto neste úl­timo ano.

Uma crise que é des­fecho ló­gico de uma go­ver­nação que está con­fron­tada com uma forte re­sis­tência po­pular que acen­tuou o seu iso­la­mento e as con­tra­di­ções no seio das forças da po­lí­tica de di­reita que o têm apoiado e que não apre­senta ou­tras so­lu­ções ao País se não o re­curso à sis­te­má­tica chan­tagem da exi­gência de sa­cri­fí­cios atrás de sa­cri­fí­cios ao povo e o pro­gres­sivo cerrar das portas da es­pe­rança numa vida me­lhor e em dig­ni­dade que Abril abriu e a sua Cons­ti­tuição quis con­sa­grar.

De uma go­ver­nação que não só se­guiu o mesmo trilho de sub­versão cons­ti­tu­ci­onal dos go­vernos das úl­timas três dé­cadas, como sulcou mais fundo na des­truição de di­reitos e ga­ran­tias cons­ti­tu­ci­o­nais, par­ti­cu­lar­mente nos do­mí­nios dos di­reitos eco­nó­micos e so­ciais. Pro­pó­sito que con­cre­tizou com o apoio das forças mais con­ser­va­doras e re­tró­gradas, po­lí­ticas e so­ciais da so­ci­e­dade por­tu­guesa e em es­treita con­so­nância com os grandes in­te­resses eco­nó­micos e fi­nan­ceiros. Dessas mesmas forças que nunca se con­for­maram com o pro­jecto li­ber­tador e eman­ci­pador da nossa Cons­ti­tuição e viram nela um obs­tá­culo à re­po­sição e afir­mação dos seus in­te­resses e do seu poder per­dido com a Re­vo­lução de Abril.

 

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Prá­ticas go­ver­na­tivas an­ti­cons­ti­tu­ci­o­nais

 

A Cons­ti­tuição que hoje ce­le­bramos teve desde o mo­mento da sua edi­fi­cação ini­migos de­cla­rados que em su­ces­sivas re­vi­sões a mu­ti­laram e em­po­bre­ceram, li­mi­tando o seu al­cance e con­teúdo pro­gres­sista como também aqui já se tornou evi­dente, mas também ini­migos dis­si­mu­lados nas prá­ticas go­ver­na­tivas an­ti­cons­ti­tu­ci­o­nais, uma ca­te­goria que tem na go­ver­nação do PS de José Só­crates e no apoio que tem re­ce­bido do PSD um claro exemplo.

Uma go­ver­nação que re­tomou a po­lí­tica de con­so­li­dação e re­forço dos grandes grupos eco­nó­micos mo­no­po­listas e do seu do­mínio, à custa do pa­tri­mónio pú­blico que con­ti­nuou a ali­enar com novas pri­va­ti­za­ções e com a sua po­lí­tica de re­con­fi­gu­ração global do Es­tado que fra­gi­lizou ainda mais a pos­si­bi­li­dade de con­cre­ti­zação de uma de­mo­cracia eco­nó­mica e efec­ti­vação de po­lí­ticas di­ri­gidas à de­fesa do in­te­resse geral.

Uma go­ver­nação que, ab­di­cando da de­fesa do in­te­resse geral, pro­moveu o in­te­resse par­ti­cular e ali­enou, além do pa­tri­mónio, os ins­tru­mentos de in­ter­venção e con­dução das po­lí­ticas eco­nó­micas, dei­xando aos grupos eco­nó­micos a mão livre ao do­mínio da eco­nomia do País e à sua in­sa­ciável sede de con­cen­tração e cen­tra­li­zação de ca­pi­tais nas suas mãos.

O agra­va­mento da si­tu­ação eco­nó­mica geral do País tem nestas po­lí­ticas uma das suas causas prin­ci­pais. As pri­va­ti­za­ções estão no centro do de­clínio e es­tran­gu­la­mento da eco­nomia por­tu­guesa a que as­sis­timos, dos prin­ci­pais dé­fices e de­se­qui­lí­brios pro­du­tivos, da perda de re­cursos pú­blicos e de so­be­rania em sec­tores e ser­viços es­tra­té­gicos.

Tal como o nosso Par­tido previa as al­te­ra­ções pro­du­zidas na es­tru­tura so­ci­o­e­co­nó­mica e os seus apro­fun­da­mentos que o de­mis­si­o­nário Go­verno do PS com o apoio do PSD e o CDS ti­nham e têm como ob­jec­tivo e pro­jecto ime­diato con­ti­nuar, fez in­flectir ainda mais, num sen­tido an­ti­de­mo­crá­tico, a po­lí­tica so­cial e cul­tural e o pró­prio re­gime po­lí­tico, con­fir­mando o ca­rácter in­se­pa­rável das quatro ver­tentes da de­mo­cracia – a po­lí­tica, a eco­nó­mica, a so­cial, a cul­tural – e o papel de­ter­mi­nante da es­tru­tura so­ci­o­e­co­nó­mica na ga­rantia de uma de­mo­cracia avan­çada e de­sen­vol­vida em todas as suas di­men­sões.

O úl­timo ano de vi­o­lenta ofen­siva anti-so­cial que atinge du­ra­mente as classes e ca­madas po­pu­lares e os pro­pó­sitos anun­ci­ados, quer pelo PS, quer pelo PSD de con­ti­nuar essa po­lí­tica de se­vera aus­te­ri­dade para o povo, mos­tram bem até onde estão dis­postos a ir na con­cre­ti­zação da velha as­pi­ração do grande ca­pital de re­duzir a pó o pro­jecto de de­mo­cracia que a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica es­ta­be­lece.

Mos­tram-no bem os ata­ques contra os ren­di­mentos do tra­balho, o ataque aos sa­lá­rios e às pen­sões.

Mos­tram-no bem a des­pu­do­rada ofen­siva des­re­gu­la­men­ta­dora do di­reito do tra­balho que atinge di­reitos es­sen­ciais e quer levar muito longe a ex­plo­ração com o fo­mento da pre­ca­ri­e­dade la­boral, a fa­ci­li­tação dos des­pe­di­mentos e o seu em­ba­ra­te­ci­mento, a fra­gi­li­zação da con­tra­tação co­lec­tiva e a de­sor­ga­ni­zação e au­mento dos ho­rá­rios de tra­balho.

Mos­tram-no bem as me­didas de agra­va­mento fiscal para o povo, so­bre­car­re­gando os ren­di­mentos do tra­balho e os pro­dutos de con­sumo po­pular que está a de­gradar as con­di­ções de vida das ca­madas da po­pu­lação mais ca­ren­ci­adas.

Mos­tram-no bem o ataque de­sen­ca­deado contra os ser­viços pú­blicos que de­viam ga­rantir o di­reito à saúde e à edu­cação dos por­tu­gueses, numa di­mensão nunca antes ve­ri­fi­cada, e a brutal in­ves­tida contra os di­reitos dos tra­ba­lha­dores da Ad­mi­nis­tração Pú­blica, dos mi­li­tares e das Forças de Se­gu­rança.

Mos­tram-no bem as po­lí­ticas de re­dução e des­truição das pres­ta­ções so­ciais, que atingem os mais idosos, os de­sem­pre­gados, os do­entes, os de­fi­ci­entes e os jo­vens.

Mos­tram-no as po­lí­ticas de ra­dical re­dução do in­ves­ti­mento em todos os do­mí­nios, fo­men­tando o de­sem­prego. De de­gra­dação da jus­tiça e do acen­tuar do seu con­teúdo de classe, cada vez menos aces­sível aos tra­ba­lha­dores, mais cara e mais de­mo­rada. De re­gressão da po­lí­tica cul­tural que é a úl­tima das pri­o­ri­dades de uma go­ver­nação que pensa cul­tura de forma eli­ti­zada e a cujo sub-fi­nan­ci­a­mento cró­nico se vi­eram juntar os drás­ticos cortes nos já ma­gros apoios à cri­ação ar­tís­tica.

Po­lí­ticas e me­didas que não re­sol­veram ne­nhum pro­blema do País, in­cluindo o de pôr termo à es­pe­cu­lação sobre a dí­vida, em nome da qual pas­saram também a ser jus­ti­fi­cados todos os sa­cri­fí­cios. As­sis­timos isso sim à con­ti­nuada acen­tu­ação da nossa de­pen­dência e da nossa su­jeição ao es­tran­geiro por um poder sem o mí­nimo de brio pa­trió­tico e à con­tínua de­gra­dação da si­tu­ação eco­nó­mica e so­cial do País em todos os seus do­mí­nios.

 

Pe­rigos para o re­gime de­mo­crá­tico

 

Neste mo­mento de ce­le­bração dos 35 anos da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica são enormes os pe­rigos que con­tinua a en­frentar o nosso re­gime de­mo­crá­tico cons­ti­tu­ci­onal. Por um lado é a in­si­diosa cam­panha ide­o­ló­gica que per­ma­nece e se re­nova pro­mo­vida pelos mesmos que há muito pre­param o ter­reno para um ajuste de contas com o que resta de pro­gres­sivo e avan­çado na Cons­ti­tuição da Re­pú­blica e que co­loca na Cons­ti­tuição a causa dos males do País. De forma as­tu­ciosa uns, ou­tros aber­ta­mente com as suas pro­postas de re­visão cons­ti­tu­ci­onal tentam trans­ferir para a Cons­ti­tuição a ina­de­quação e a in­ca­pa­ci­dade das suas po­lí­ticas para res­ponder aos pro­blemas do de­sen­vol­vi­mento do País. Por outro lado, são as pers­pec­tivas de novos ar­ranjos que se anun­ciam entre os que têm es­co­lhido o ca­minho da sub­versão prá­tica das suas normas, dos seus fun­da­mentos e li­nhas ori­en­ta­doras e de re­gu­lação da nossa vida co­lec­tiva. É isso que sig­ni­ficam as mú­tuas dis­po­ni­bi­li­dades que se vão an­te­ci­pando de di­ri­gentes do PS e do PSD para um alar­gado en­ten­di­mento pós elei­toral ou para um con­senso po­lí­tico am­pliado sob o de­cla­rado e ad­mi­tido pa­tro­cínio do Pre­si­dente da Re­pú­blica, que ga­ranta não só a so­bre­vi­vência da po­lí­tica de di­reita que vai ao ar­repio da Cons­ti­tuição, mas a «mão de ferro» para impor a con­ti­nu­ação da po­lí­tica de aus­te­ri­dade e de es­po­li­ação aos tra­ba­lha­dores e do povo.

Quem os ouve falar, as pró­ximas elei­ções apenas de­ve­riam servir, na sua pers­pec­tiva, para de­ter­minar quem toma a di­an­teira no acesso ao «pote» e na dis­tri­buição dos lu­gares na mesa dos ne­gó­cios e dos in­te­resses e quem as­sina à ca­beça o rol das im­po­si­ções e sa­cri­fí­cios que o povo deve pagar.

Uns com as suas cam­pa­nhas in­si­di­osas pensam numa outra Cons­ti­tuição que já não seja a de Abril. Ou­tros querem fazer dela letra morta, como sempre têm feito na sua ac­ti­vi­dade go­ver­na­tiva. E para aqueles que fazem da Cons­ti­tuição o bode ex­pi­a­tório do fra­casso das po­lí­ticas da di­reita e dos males do País é bom que lhes re­cor­demos que não foi a Cons­ti­tuição que lhes de­ter­minou as op­ções que têm to­mado e con­du­ziram o País ao de­sastre.

Não foi, nem é a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica que impõe uma de­sas­trosa po­lí­tica cen­trada no com­bate ao dé­fice das contas pú­blicas e de sub­missão aos di­tames do Pacto de Es­ta­bi­li­dade e Cres­ci­mento que afundou o País no cír­culo vi­cioso da es­tag­nação e da re­cessão.

Não foi, nem é a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica a res­pon­sável pelo ele­vado de­sem­prego, pelo avo­lumar dos dé­fices cró­nicos e es­tru­tu­rais do País ou pela sis­te­má­tica des­truição dos seus sec­tores pro­du­tivos na­ci­o­nais e muito menos pelas po­lí­ticas que le­varam ao au­mento ex­po­nen­cial da dí­vida ex­terna.

Não foi, nem é a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, mesmo re­vista, que impõe a trans­for­mação das fun­ções so­ciais do Es­tado de Abril num ne­gócio e ins­tru­mento de ex­plo­ração de uns poucos.

Não foi, nem é a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, nem ne­nhuma das suas re­vi­sões que vin­culam Por­tugal à acei­tação sub­missa de uma in­te­gração eu­ro­peia mar­cada por uma ori­en­tação fe­de­ra­lista, ne­o­li­beral e mi­li­ta­rista que acen­tuam o ca­rácter pe­ri­fé­rico e de­pen­dente do nosso País e que agora com o re­forço do PEC e do Pacto para o Euro, PS e PSD acei­taram levar ainda mais longe, acen­tu­ando o grau de de­pen­dência do País em re­lação ao grande ca­pital e ao di­rec­tório das grandes po­tên­cias que o serve.

Foram os go­vernos do PS e do PSD com o con­tri­buto do CDS-PP que o têm de­ci­dido e assim o querem. São as suas op­ções de total e com­pleta sub­versão dos ob­jec­tivos e prin­cí­pios da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica e da des­va­lo­ri­zação dos seus ins­tru­mentos de in­ter­venção que estão na origem do nosso pre­o­cu­pante atraso e grave re­gressão eco­nó­mica e so­cial. É a sua po­lí­tica de su­bor­di­nação aos in­te­resses dos grandes grupos eco­nó­micos que con­cen­tram nas suas mãos os re­sul­tados do tra­balho de todo um País, acen­tu­aram as de­si­gual­dades so­ciais e a ex­plo­ração do tra­balho e que têm con­du­zido ao es­tran­gu­la­mento de mi­lhares de micro, pe­quenas e mé­dias em­presas.

São as suas po­lí­ticas e prá­ticas de dé­cadas de go­ver­nação que pro­mo­veram a des­re­gu­la­men­tação fi­nan­ceira e a eco­nomia de ca­sino, as pri­va­ti­za­ções, a li­be­ra­li­zação dos mer­cados, em de­tri­mento da pro­dução real e das con­di­ções de vida dos tra­ba­lha­dores e do povo. An­daram a go­vernar e a go­vernar-se juntos ou à vez até pro­vo­carem o de­sastre, mas nunca as­su­mindo a culpa. E aí estão outra vez prontos para, em dose re­for­çada, aplicar a mesma po­lí­tica que nos fez chegar a este es­tado. Uns e ou­tros não têm nada de novo a ofe­recer ao País.

A Só­crates e ao PS apenas lhe resta a es­far­ra­pada ban­deira da re­cusa do FMI. Desse FMI que foi in­tro­du­zindo pela porta das tra­seiras dos seus PEC.

Mas quem pode acre­ditar nas ga­ran­tias de Só­crates? Nin­guém. Nunca o que pro­meteu ga­rantiu! Nem é pre­ciso ir mais longe. Nestes úl­timos dois anos do seu go­verno tudo o que disse e pro­meteu se con­cre­tizou ao con­trário. Foi assim nos im­postos, nos apoios so­ciais, na pro­messa de mais em­prego, de mais in­ves­ti­mento e de mais de­sen­vol­vi­mento. Todos os seus com­pro­missos ti­veram o mesmo des­fecho: a im­pos­si­bi­li­dade ou porque o mundo mudou ou porque a si­tu­ação se al­terou e não es­tava pre­visto ou porque a gra­vi­dade da crise já não o per­mitia.

Só­crates já mos­trou que não é ga­rante de nada, tal como o não é Passos Co­elho e o PSD. Passos Co­elho apenas tem as so­lu­ções de aus­te­ri­dade de Só­crates, en­fei­tadas com aquela mag­ní­fica ideia que não con­cre­tiza das cha­madas «me­didas de emer­gência so­cial». O la­cinho vis­toso para em­bru­lhar o te­ne­broso pa­cote das suas me­didas de aus­te­ri­dade.

Uns e ou­tros vivem da ins­tru­men­ta­li­zação do medo. É in­su­flando medo que pre­tendem ga­rantir a so­bre­vi­vência da sua po­lí­tica. A di­fusão do medo é a base da sua es­tra­tégia de im­po­sição das suas po­lí­ticas de drás­tica aus­te­ri­dade e de ex­torsão do povo. A di­fusão do medo do fu­turo da eco­nomia, do medo so­cial, do medo da evo­lução da si­tu­ação po­lí­tica. Jogam com o medo para ga­rantir a sua pró­pria so­bre­vi­vência!

 

A vi­ta­li­dade do pro­jecto cons­ti­tu­ci­onal

 

Todos estes anos de con­ti­nuada ofen­siva não con­se­guiram, con­tudo, apagar o pro­jecto de de­mo­cracia avan­çada que a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica pro­jecta para o fu­turo de Por­tugal. Apesar da gra­vi­dade das mu­ti­la­ções e das per­ver­sões re­a­li­zadas, a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica trans­porta, em termos glo­bais, os va­lores de li­ber­dade, de­mo­cracia, de­sen­vol­vi­mento, jus­tiça so­cial e in­de­pen­dência na­ci­onal que con­subs­tancia o pro­jecto trans­for­mador e de mo­der­ni­dade da Re­vo­lução de Abril.

Na ver­dade a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica con­tinua a ser uma Cons­ti­tuição das mais pro­gres­sistas da Eu­ropa, ga­rante de im­por­tantes di­reitos po­lí­ticos, eco­nó­micos so­ciais e cul­tu­rais dos tra­ba­lha­dores e do povo.

Nela se ins­crevem os di­reitos dos tra­ba­lha­dores como in­trín­secos à de­mo­cracia, desde os di­reitos sin­di­cais aos di­reitos la­bo­rais e à Jus­tiça, à se­gu­rança no em­prego, a uma re­dis­tri­buição mais justa da ri­queza com a efec­ti­vação do di­reito a sa­lá­rios mais justos, a ho­rá­rios de tra­balho mais dignos.

Nela se ex­pressa o di­reito ao tra­balho para todos e exe­cução de po­lí­ticas eco­nó­micas de pleno em­prego.

Nela se re­co­nhece às mu­lheres o di­reito à igual­dade no tra­balho, na fa­mília e na so­ci­e­dade e im­por­tantes di­reitos às cri­anças, aos jo­vens, aos re­for­mados e aos ci­da­dãos com de­fi­ci­ência.

Nela se pro­clama a exi­gência da su­bor­di­nação do poder eco­nó­mico ao poder po­lí­tico e a in­cum­bência ao Es­tado de dar pri­o­ri­dade às po­lí­ticas eco­nó­micas e de de­sen­vol­vi­mento que as­se­gurem o au­mento do bem-estar so­cial, a qua­li­dade de vida das pes­soas, a jus­tiça so­cial e a co­esão eco­nó­mica e so­cial de todo o ter­ri­tório na­ci­onal.

Nela estão con­sig­nadas as obri­ga­ções do Es­tado em re­lação a do­mí­nios tão im­por­tantes como os da edu­cação e do en­sino, da saúde, da Se­gu­rança So­cial.

Nela se es­ti­pulam os justos prin­cí­pios que devem nor­tear as re­la­ções in­ter­na­ci­o­nais e pelas quais Por­tugal se deve reger – os prin­cí­pios da igual­dade entre os es­tados, da so­lução pa­cí­fica dos con­flitos e da não in­ge­rência nos as­suntos in­ternos de ou­tros es­tados, o de­sar­ma­mento e a dis­so­lução dos blocos mi­li­tares.

Ela tem sido, apesar das mu­ti­la­ções de su­ces­sivas re­vi­sões, um ins­tru­mento im­por­tante, ade­quado e ajus­tado ao normal fun­ci­o­na­mento das ins­ti­tui­ções de­mo­crá­ticas e um su­porte que re­força a le­gi­ti­mi­dade da luta, dos an­seios e as­pi­ra­ções dos tra­ba­lha­dores e do povo a uma vida me­lhor, num Por­tugal mais fra­terno e so­li­dário, mais livre e mais de­mo­crá­tico.

Neste mo­mento de ce­le­bração da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica aqui re­a­fir­mamos a sua ac­tu­a­li­dade e ne­ces­si­dade para o de­sen­vol­vi­mento e mo­der­ni­zação da so­ci­e­dade por­tu­guesa e o nosso com­pro­misso com o im­pe­ra­tivo cons­ti­tu­ci­onal de re­a­lizar em Por­tugal o seu pro­jecto de ampla de­mo­cracia. Neste mo­mento de ho­me­nagem à Cons­ti­tuição da Re­pú­blica re­a­fir­mamos a nossa firme e ina­ba­lável de­ter­mi­nação de de­fender o seu Es­tado De­mo­crá­tico e o seu com­pro­misso so­cial com o bem-estar dos tra­ba­lha­dores e do povo.

Pe­rante a crise e as di­fi­cul­dades pre­sentes, Por­tugal pre­cisa de con­cre­tizar com ur­gência uma po­lí­tica que re­tome e dê sen­tido ao pro­jecto de so­ci­e­dade e de or­ga­ni­zação da nossa vida co­lec­tiva que a Cons­ti­tuição con­sagra. O País não pode pros­se­guir o ca­minho que nos está a con­duzir ao de­clínio e nos afunda como povo so­be­rano.

A pers­pec­tiva som­bria de um País em re­tro­cesso e sem rumo co­loca na ordem do dia a ina­diável ta­refa da rup­tura com a po­lí­tica de de­sastre na­ci­onal que tem sido se­guida. Rup­tura com os pa­ra­digmas ne­o­li­be­rais (pri­va­ti­za­ções, li­be­ra­li­za­ções des­re­gu­la­men­ta­ções), de des­mem­bra­mento dos sec­tores es­tra­té­gicos, de guerra à Cons­ti­tuição de Abril. Rup­tura com as op­ções de fa­vo­re­ci­mento e do­mínio do ca­pital mo­no­po­lista e das mul­ti­na­ci­o­nais, de sub­missão da so­be­rania e do País aos in­te­resses das grandes po­tên­cias e do grande ca­pital fi­nan­ceiro. Rup­tura com o des­man­te­la­mento e re­con­fi­gu­ração do Es­tado, com a mu­ti­lação e sub­versão das po­lí­ticas so­ciais e dos di­reitos dos tra­ba­lha­dores.

Num mo­mento em que se avo­lumam as pres­sões para impor como única saída as mesmas e fra­cas­sadas po­lí­ticas que nos con­duzem ao abismo e im­põem sa­cri­fí­cios sem saída aos por­tu­gueses, nós re­a­fir­mamos que há ou­tras so­lu­ções e um outro ca­minho para so­lução dos pro­blemas do País. As elei­ções le­gis­la­tivas do pró­ximo dia 5 de Junho são uma opor­tu­ni­dade que é pre­ciso apro­veitar para re­forçar e dar força a uma so­lução al­ter­na­tiva, a uma nova po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda e a um go­verno que a con­cre­tize no res­peito pela Cons­ti­tuição da Re­pú­blica.

A im­por­tância da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica para a cons­trução de um Por­tugal com fu­turo, livre e de­mo­crá­tico é para nós in­ques­ti­o­nável. A sua es­treita iden­ti­fi­cação com as mais pro­fundas as­pi­ra­ções dos tra­ba­lha­dores e do povo por­tu­guês são a ga­rantia que a sua de­fesa há-de ser sempre obra do povo que a ins­pirou e cons­truiu com a sua luta nesse pro­cesso exal­tante de li­ber­dade e de trans­for­mação da vida que brotou da Re­vo­lução de Abril.

Por­tugal tem fu­turo com a Cons­ti­tuição de Abril!»



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Política patriótica e de esquerda<br> é imperativo inadiável

O Co­mité Cen­tral, reu­nido a 3 de Abril de 2011, ana­lisou a si­tu­ação eco­nó­mica e so­cial do País e os re­centes de­sen­vol­vi­mentos de­cor­rentes da de­missão do pri­meiro-mi­nistro e da dis­so­lução da As­sem­bleia da Re­pú­blica; de­bateu e de­finiu as prin­ci­pais ori­en­ta­ções e di­rec­ções de tra­balho com vista à in­ter­venção do Par­tido nas elei­ções le­gis­la­tivas an­te­ci­padas de 5 de Junho e de­li­berou con­correr no quadro da CDU; apre­ciou o de­sen­vol­vi­mento da luta dos tra­ba­lha­dores e de ou­tros sec­tores da po­pu­lação, factor in­dis­pen­sável para a de­fesa de di­reitos e para a afir­mação da exi­gência de uma rup­tura com o ac­tual rumo de de­clínio, re­tro­cesso e em­po­bre­ci­mento do País.

 

Travar a extorsão e a chantagem

Je­ró­nimo de Sousa afirmou, an­te­ontem, que o País não pode con­ti­nuar a estar su­jeito ao saque e à es­pe­cu­lação e de­fendeu a re­ne­go­ci­ação ime­diata da dí­vida pú­blica por­tu­guesa e a adopção de uma po­lí­tica vol­tada para o cres­ci­mento eco­nó­mico. Para o Se­cre­tário-geral do PCP, a es­piral es­pe­cu­la­tiva não pa­rará en­quanto o chan­ta­geado ceder ao chan­ta­gista.