Comentário

Cinismo e ideologia dominante

Ilda Figueiredo

Image 7242

Há, na si­tu­ação pre­sente, pelo menos três as­pectos que re­velam que se atingiu um nível de ci­nismo muito ele­vado na vida po­lí­tica por­tu­guesa e que, si­mul­ta­ne­a­mente, se está pe­rante uma mons­truosa cam­panha ide­o­ló­gica de ma­ni­pu­lação da opi­nião pú­blica, apenas para per­mitir a ma­nu­tenção do poder eco­nó­mico e po­lí­tico, seja con­fun­dindo ci­da­dãos elei­tores, seja afas­tando-os do acto elei­toral para di­fi­cultar o voto em par­tidos que lutam, com co­e­rência e de­ter­mi­nação, contra estas po­lí­ticas, como é o caso da CDU, que in­clui o PCP e o PEV. Ve­jamos, al­guns desses as­pectos.

Em pri­meiro lugar, des­taca-se a forma como o pri­meiro-mi­nistro, José Só­crates apre­sentou um pe­dido de in­ter­venção do FMI e das ins­ti­tui­ções da União Eu­ro­peia, es­que­cendo tudo o que disse an­te­ri­or­mente sobre o as­sunto, ten­tando, agora, fazer crer que não havia outra so­lução e que não tem nada a ver com o as­sunto. A cam­panha ide­o­ló­gica mon­tada em torno da re­jeição do PEC IV, a que se se­guiu, no final da se­mana pas­sada, o con­gresso do PS, de­monstra bem como se pla­neiam es­co­lhas de mo­mentos, in­cluindo de pro­cessos elei­to­rais. Sabia-se que tudo es­tava pre­pa­rado para essa in­ter­venção ex­terna. Sabia-se da exi­gência do Eu­rostat quanto à in­clusão de ou­tros pas­sivos no dé­fice or­ça­mental, o que punha em causa tudo o que es­tava a ser apre­sen­tado pelo Go­verno por­tu­guês sobre a re­dução do dé­fice do Or­ça­mento do Es­tado de 2010. Sabia-se que o Con­selho de 24 e 25 de Março, ao con­trário do que, em certo mo­mento, José Só­crates e o seu mi­nistro das Fi­nanças jul­garam, não ia fle­xi­bi­lizar a forma de in­ter­venção do cha­mado Fundo Eu­ropeu de Es­ta­bi­li­dade Fi­nan­ceira, dada a in­tran­si­gência da se­nhora Merkel, a braços com pro­blemas in­ternos na Ale­manha por causa da sua po­lí­tica e dos maus re­sul­tados em al­gumas elei­ções em es­ta­duais.

Em se­gundo lugar, des­taca-se o alijar de res­pon­sa­bi­li­dades do PSD, do CDS e do pró­prio Pre­si­dente da Re­pú­blica, que apoi­aram po­lí­ticas e me­didas que con­du­ziram Por­tugal a esta grave si­tu­ação de de­pen­dência eco­nó­mica e po­lí­tica. Sabe-se bem como sempre es­ti­veram de acordo com pri­va­ti­za­ções de sec­tores es­tra­té­gicos, como apoi­aram a na­ci­o­na­li­zação dos pre­juízos do BPN e os apoios ao BPP, como deram pri­o­ri­dade ao po­lé­mico ne­gócio dos sub­ma­rinos, como es­ti­veram ao lado da fle­xi­bi­li­dade la­boral e des­va­lo­ri­zação do tra­balho, como acei­taram os di­versos PEC, com ex­cepção do úl­timo, sa­bendo-se, agora, que era porque pre­ten­diam ir mais longe. Veja-se o que Passos Co­elho, do PSD, disse, pos­te­ri­or­mente à re­jeição do PEC IV, sobre au­mento do IVA, pri­va­ti­zação da CGD, cortes sa­la­riais ou le­gis­lação sobre des­pe­di­mentos.

Em ter­ceiro lugar, a forma como al­guns se po­si­ci­onam, nesta época elei­toral, para não per­derem o com­boio do poder e das be­nesses pes­soais, mesmo que isso sig­ni­fique ne­garem tudo o que dis­seram para con­se­guir uma grande per­cen­tagem de votos nas úl­timas elei­ções pre­si­den­ciais. O caso mais es­can­da­loso é o do mé­dico Fer­nando Nobre. De­pois de tudo o que disse, na úl­tima cam­panha elei­toral, sobre a sua in­de­pen­dência, e de ter ne­gado qual­quer in­ter­venção par­ti­dária nas pró­ximas elei­ções le­gis­la­tivas, menos de três meses de­pois, aceita, não só ser o ca­beça de lista do PSD em Lisboa, como apa­rece po­si­ci­o­nado para uma even­tual can­di­da­tura à pre­si­dência da As­sem­bleia da Re­pú­blica.

Por úl­timo, apenas uma re­fe­rência ao con­texto em que tudo isto se de­sen­volve, ao pano de fundo que serve de su­porte às po­lí­ticas e prá­ticas dos go­ver­nantes por­tu­gueses e dos par­tidos que os grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros apoiam. Basta ver o que consta das con­clu­sões do Con­selho Eu­ropeu de 24 e 25 de Março de 2011, quando, no anexo II, nas alu­sões à ficha des­cri­tiva do Me­ca­nismo Eu­ropeu de Es­ta­bi­li­dade (MEE) é dito o se­guinte:

«O acesso fi­nan­ceiro à ajuda do MEE será con­ce­dido com base numa ri­go­rosa con­di­ci­o­na­li­dade po­lí­tica, no âm­bito de um pro­grama de ajus­ta­mento ma­cro­e­co­nó­mico, e numa aná­lise igual­mente ri­go­rosa da sus­ten­ta­bi­li­dade da dí­vida pú­blica, a efec­tuar pela Co­missão e pelo FMI, em con­cer­tação com o BCE. O Es­tado-Membro be­ne­fi­ciário de­verá ins­taurar uma forma ade­quada de par­ti­ci­pação do sector pri­vado, de acordo com as cir­cuns­tân­cias es­pe­cí­ficas e em total sin­tonia com as prá­ticas do FMI.»

Esta é a de­mons­tração cla­rís­sima do con­ceito de «de­mo­cracia» do ca­pi­ta­lismo mo­no­po­lista, no apro­fun­da­mento da sua fase im­pe­rial, onde, mesmo as ques­tões for­mais, co­meçam a ser es­que­cidas, e a pa­lavra de­mo­cracia fica vazia de con­teúdo.



Mais artigos de: Europa

Apoio internacionalista, confiança na vitória

Na vi­sita que efec­tuou ao Chipre, nos dias 6 e 7, Je­ró­nimo de Sousa, Se­cre­tário-geral do PCP, in­ter­veio num co­mício do AKEL, re­a­li­zado em Ni­cósia, a ca­pital ci­priota, onde ma­ni­festou a so­li­da­ri­e­dade do PCP para com a luta do povo ci­priota pela reu­ni­fi­cação do país, cujo Norte está sob ocu­pação da Tur­quia há três dé­cadas e meia. Do dis­curso pro­fe­rido des­ta­camos os ex­tractos que se se­guem.

Christofias solidário com trabalhadores portugueses

Após a sua participação no comício do AKEL, dia 6, centrado em torno da questão da reunificação de Chipre, no quadro da campanha eleitoral para as eleições legislativas naquele país, Jerónimo de Sousa foi recebido, dia 7, pelo presidente da...

De cabeça erguida

O povo is­landês re­sistiu às pres­sões e ame­aças, re­cusou a chan­tagem e re­novou mai­o­ri­ta­ri­a­mente o «não», já dado em Março de 2010, ao pa­ga­mento de uma dí­vida criada pela banca pri­vada.

Euromanif junta 50 mil em Budapeste

Cerca de 50 mil pessoas participaram, no sábado, 9, em Budapeste, numa manifestação convocada pela Confederação Europeia de Sindicatos (CES) para protestar contra as políticas de austeridade e exigir uma Europa mais social. A...