Licença para matar

Bruno Carvalho

São eles que sujam as mãos. Fazem o que as forças ar­madas dos Es­tados nem sempre podem fazer. Os mer­ce­ná­rios têm carta branca para as­sas­sinar e tor­turar in­dis­cri­mi­na­da­mente. A mai­oria é com­posta por ex-mi­li­tares e po­lí­cias. Mas também há tra­fi­cantes e fa­ná­ticos de ex­trema-di­reita. Ou as duas coisas ao mesmo tempo.

Ao lado da Al-Qaeda, in­te­grados nas em­presas pri­vadas de se­gu­rança, podem vir a com­bater muitas na­ci­o­na­li­dades contra o re­gime de Kadhafi. Como no Iraque e no Afe­ga­nistão, onde mi­lhares re­cebem di­nheiro para com­bater a soldo do im­pe­ri­a­lismo. É o que está a es­tudar, neste mo­mento, o go­verno bri­tâ­nico. Os Emi­ratos Árabes Unidos, por exemplo, pa­garam 419 mi­lhões de euros ao fun­dador da Blackwater Worldwide para cons­truir um exér­cito mer­ce­nário.

Erik Prince, que havia ven­dido aquela em­presa em 2010, e fun­dado a Re­flex Res­ponses, ficou res­pon­sável, se­gundo o Pú­blico, por «ope­ra­ções es­pe­ciais dentro e fora do país, de­fender ole­o­dutos pe­tro­lí­feros e ar­ranha-céus de ata­ques ter­ro­ristas e travar re­voltas in­ternas – even­tuais pro­testos da vasta po­pu­lação de tra­ba­lha­dores imi­grantes ou ma­ni­fes­ta­ções pró-de­mo­cracia se­me­lhantes às que estão a varrer vá­rios países árabes».

Mas é no Iraque que mais se faz sentir a pre­sença dos mer­ce­ná­rios. Entre as prin­ci­pais fun­ções, estão a se­gu­rança pes­soal de po­lí­ticos na­ci­o­nais e norte-ame­ri­canos, ho­mens de ne­gócio e em­pre­sá­rios, e pro­tecção de ins­ta­la­ções pe­tro­lí­feras e mi­li­tares. Estas são as ra­zões ofi­ciais pelas quais estão ali. Con­tudo, também lhes estão re­ser­vados pa­péis como o da cons­trução de bases, in­ten­dência, in­ter­ro­ga­tó­rios e com­bate.

Desde que che­garam, em 2003, têm sido acu­sados de par­ti­cipar em ope­ra­ções se­cretas dos ser­viços de in­te­li­gência norte-ame­ri­canos e noutro tipo de tra­ba­lhos sujos que en­volvem a pro­moção do terror, do medo, do con­flito re­li­gioso e a or­ga­ni­zação de es­qua­drões da morte para es­pa­lhar o caos. Uma folha de ser­viços que não está, cer­ta­mente, des­li­gada da origem de muitos dos es­tran­geiros que ali matam por di­nheiro.

 

Donde vêm os mer­ce­ná­rios?

 

Por exemplo, dos mer­ce­ná­rios chi­lenos que com­batem a soldo no Iraque, muitos ser­viram às or­dens de Pi­no­chet. Foram re­cru­tados através de um anúncio no jornal El Mer­curio no qual se con­vi­davam ex-mi­li­tares, de pre­fe­rência com ex­pe­ri­ência na ins­trução de co­mandos e do­mínio do in­glês, a prestar ser­viços de se­gu­rança no es­tran­geiro ao preço de 18 mil dó­lares por seis meses de tra­balho.

Em 2005, o Jornal de No­tí­cias di­vul­gava que a Blackwater es­tava a es­ta­be­lecer con­tactos em Por­tugal para con­tratar uma cen­tena de pes­soas. O alvo pre­fe­ren­cial se­riam an­tigos mi­li­tares e po­lí­cias, da PSP ou da GNR, que ti­vessem pas­sado por uni­dades de elite e par­ti­ci­pado em ac­ções in­ter­na­ci­o­nais, ou que de­ti­vessem es­pe­ci­a­li­zação em áreas mais téc­nicas. Se­riam ne­ces­sá­rios ope­ra­dores de rádio, con­du­tores e tra­ta­dores de cães para pa­trulha ou de­tecção de ex­plo­sivos.

Mas à me­dida que se vão sa­bendo os nomes dos que morrem e são fe­ridos também se des­cobre que tipo de gente pre­do­mina neste ne­gócio. Em Ja­neiro de 2004, morria Fran­çois Strydon, um an­tigo membro do grupo de contra-guer­rilha Ko­e­voet, res­pon­sável por nu­me­rosos as­sas­si­natos na Na­míbia nos anos 80. Um dos mer­ce­ná­rios fe­ridos foi Deon Gouws, an­tigo membro da po­lícia se­creta sul-afri­cana, que havia con­fes­sado aten­tados contra opo­si­tores ao apartheid. Outro havia es­tado preso, quatro anos, pelo tra­balho sujo re­a­li­zado ao ser­viço dos bri­tâ­nicos na Ir­landa do Norte. Um mês de­pois de sair da prisão, Derek Wil­liam Adgey foi con­tra­tado pela Armor Group e partiu para o Iraque.

 

A guerra como ne­gócio

 

Sempre houve gente dis­posta a matar por di­nheiro. Os mer­ce­ná­rios existem desde sempre e também não é de agora a ex­ter­na­li­zação de certas fun­ções ine­rentes à guerra, como a lo­gís­tica. O que há de novo é a atri­buição, por parte dos Es­tados, de fun­ções ine­rentes à ga­rantia da so­be­rania na­ci­onal a em­presas pri­vadas. Na úl­tima dé­cada, ve­ri­ficou-se a pro­li­fe­ração de mul­ti­na­ci­o­nais da morte. São for­ta­lezas mi­li­tares e de se­gu­rança pri­vada que lu­cram com a guerra e a vi­o­lência.

A con­tra­tação da em­presa Re­flex Res­ponses por parte dos Emi­ratos Árabes Unidos é um ne­gócio van­ta­joso. A com­pa­nhia norte-ame­ri­cana enche os co­fres de di­nheiro e o Es­tado árabe ga­rante a ma­nu­tenção do poder po­lí­tico e eco­nó­mico face à ameaça de uma re­volta. Mas também é um bom ne­gócio para os Es­tados Unidos e União Eu­ro­peia, que não só não têm con­di­ções mi­li­tares para com­bater em mais frentes como lhes é van­ta­joso que não sejam os seus a sujar as mãos.

Desde que co­meçou a ocu­pação do Iraque, as com­pa­nhias de pro­dução de ar­ma­mento ti­veram lu­cros ex­tra­or­di­ná­rios. Mas as em­presas de se­gu­rança pri­vada nunca re­ce­beram tanto di­nheiro. Em 2005, o Washington Post re­ve­lava que 50 por cento do or­ça­mento da CIA tinha sido para o pa­ga­mento a estas em­presas. Este ne­gócio ge­rava, na al­tura, cerca de 100 mil mi­lhões de dó­lares de lucro. Um valor que se previa du­plicar em 2010.



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