Católicos e Comunistas … por que não?

Jorge Messias

«Ao que é ca­tó­lico con­victo, ao que está certo das dou­trinas, também so­ciais, da Igreja, não de­vemos dizer : “ Nós que­remos trazer-te para o So­ci­a­lismo ; por­tanto, deixa de lado essas dou­trinas... Mas de­vemos per­guntar-lhe : quais os va­lores que de­sejas ver re­a­li­zados quando falas numa So­ci­e­dade Cristã?.»

Pal­miro To­gli­atti, di­ri­gente co­mu­nista ita­liano, 1964.

 

«A Igreja, pela sua pró­pria na­tu­reza, é uma so­ci­e­dade de­si­gual. Apenas a hi­e­rar­quia nela de­cide e manda. Quanto às mul­ti­dões, é seu dever so­frerem, dei­xarem-se con­duzir sub­mis­sa­mente e obe­de­cerem às or­dens da­queles que as di­rigem».

Papa Pio X, Va­ti­cano, 1906.

 

Esta ideia de uma for­mação uni­tária li­gando as forças da re­sis­tência ao ca­pi­ta­lismo, vem de longe. Fala-se um pouco no as­sunto, logo surgem os doutos de­mo­li­dores e a tese volta a es­quecer. Porém, tempos pas­sados sobre o si­len­ciar das pri­meiras vozes, eis que o tema re­gressa pela mão de novos ob­ser­va­dores ca­tó­licos, co­mu­nistas ou apa­ren­te­mente sur­gidos de lado ne­nhum. Esta re­cor­rência é opção al­ter­na­tiva sempre fun­da­men­tada nos factos da vida real. Tanto basta para que a His­tória cedo ou tarde a im­ponha a um grande de­bate.

Um outro as­pecto de­ter­mi­nante de uma fu­tura cor­recção ine­vi­tável de ati­tudes e po­si­ções, é a na­tu­reza de classe das lutas que por todo o mundo se travam e as­sumem apa­rên­cias dis­tintas mas con­ver­gentes. Pouco im­porta que as dis­putas sejam em torno do pe­tróleo, dos pontos es­tra­té­gicos ou do ouro. Elas são in­va­ri­a­vel­mente um re­flexo da forma in­justa como se or­ga­nizam e re­la­ci­onam as so­ci­e­dades hu­manas.

A de­gra­dação dos va­lores, por exemplo, tem as suas raízes nas es­tru­turas que formam a base das so­ci­e­dades que o homem edi­ficou. Assim, é apenas o homem que através de uma luta – dura, pro­lon­gada mas vi­to­riosa- cor­ri­girá os seus pró­prios erros, cas­ti­gará os crimes co­me­tidos e es­ta­be­le­cerá uma nova so­ci­e­dade uni­tária onde di­reitos e de­veres sejam co­muns a todos os seres hu­manos. No plano po­lí­tico, o homem cons­ti­tuirá a me­dida de todas as coisas”. Quanto ao resto, ao pre­en­chi­mento do seu es­paço e do seu tempo, go­zará de in­teira li­ber­dade.

Esta é a pers­pec­tiva e o pro­jecto co­mu­nista, com os pés cada vez mais as­sentes na terra e a ide­o­logia sempre mais firme e sempre mais solta para a uni­dade com os ci­da­dãos ho­nestos de todo o mundo. O pró­prio Lé­nine re­co­nhecia que esta am­bição de uma so­ci­e­dade nova é tão des­me­dida que os co­mu­nistas ja­mais lhe po­derão dar corpo sem o con­curso dos ho­mens e mu­lheres não-co­mu­nistas.

In­sistir nestas ima­gens não é acto sim­ples­mente gra­tuito. O pen­sa­mento co­mu­nista as­socia in­se­pa­ra­vel­mente o pro­jecto e a acção ou o fe­nó­meno e a es­sência.

A acção as­senta na ex­pe­ri­ência con­creta e gera, como re­flexos, pro­jectos novos. É esta a origem das po­si­ções po­lí­ticas dos co­mu­nistas que se re­cusam a pe­ne­trar nesse mar de lama em que mer­gu­lham os ca­pi­ta­listas não só por­tu­gueses mas do mundo in­teiro.


Ca­tó­licos de hoje, de amanhã ou de um pas­sado te­ne­broso ?


Vamos citar, de pas­sagem, um pro­blema sério da Igreja ca­tó­lica mas não in­sis­ti­remos no as­sunto. É ao povo ca­tó­lico que cumpre en­frentá-lo e re­solvê-lo.

Re­fe­rimo-nos à imagem mul­ti­forme da Igreja ca­tó­lica, não apenas em Por­tugal mas em todo o mundo. Há uma igreja para os ricos e uma igreja para os po­bres. Uma igreja pro­gres­sista (ou me­lhor, aberta ao pro­gresso) e uma igreja fun­da­men­ta­lista (que as­sume as po­si­ções de Pio X – ver ci­tação no alto da pá­gina). Há a igreja vo­lun­tária e não-lu­cra­tiva e a igreja mul­ti­mi­li­o­nária dos offshores, das ope­ra­ções bol­sistas, das imo­bi­liá­rias, do ne­gócio das fun­da­ções, etc. Há as igrejas da de­núncia, do si­lêncio, do ópio do povo, da cru­zada, da ca­ri­dade, do mi­lagre, das ci­ência e do co­nhe­ci­mento, etc., etc. Ou seja, para todas as oca­siões há uma igreja dis­po­nível. Os ca­tó­licos verão o que lhes será pos­sível fazer para tornar cre­dível o Va­ti­cano aos olhos do povo por­tu­guês.

Por ora, é esta a si­tu­ação real. Com graves pre­juízos para os mais po­bres entre os quais se contam mi­lhões de crentes e de ci­da­dãos que ainda vivem nas franjas da fé. Se a re­a­li­dade de hoje é tão te­ne­brosa como a de ontem o foi, a hi­e­rar­quia da Igreja há-de convir que no sé­culo XXI é mais di­fícil ocultar do povo os nú­meros, os nomes e as ci­fras que geram a de­núncia, a re­volta e a in­dig­nação.

Ao fa­larmos destas coisas não per­demos de vista que o nosso ob­jec­tivo é pro­mo­vermos a apro­xi­mação e a uni­dade de acção entre co­mu­nistas e ca­tó­licos, pelo menos em certas áreas do campo ope­ra­ci­onal. Fica para um pró­ximo es­paço no Avante!.



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