Em Viana do Castelo, combate-se os despedimentos anunciados

Os Estaleiros fazem falta ao País

Os tra­ba­lha­dores dos Es­ta­leiros Na­vais de Viana do Cas­telo estão de­ter­mi­nados em travar o des­pe­di­mento anun­ciado na se­mana pas­sada pela ad­mi­nis­tração da em­presa. Na ma­ni­fes­tação re­a­li­zada ontem de manhã no centro da ci­dade e no ple­nário de quarta-feira an­te­rior ficou de­mons­trado que nada está de­ci­dido e que os tra­ba­lha­dores têm uma pa­lavra a dizer. E não estão so­zi­nhos: as suas es­tru­turas re­pre­sen­ta­tivas e o PCP com­ba­terão ao seu lado.

Os des­pe­di­mentos foram apro­vados pelo go­verno do PS já de­pois das elei­ções

 

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A não ser tra­vado o mal cha­mado Plano de Vi­a­bi­lização e Re­es­tru­turação dos Es­ta­leiros Na­vais de Viana do Cas­telo, esta im­por­tante e em­ble­má­tica em­presa do Alto Minho po­derá ser a pri­meira ví­tima do acordo as­si­nado entre PS, PSD e CDS e a troika FMI/BCE/UE. Este plano, anun­ciado no início da se­mana pas­sada, prevê o des­pe­di­mento en­ca­po­tado ou as­su­mido de 380 dos ac­tuais 720 tra­ba­lha­dores do es­ta­leiro. E bem pode a ad­mi­nis­tração vir falar em ne­go­ci­a­ções vi­sando a res­cisão de con­tratos de forma «ami­gável» que a re­a­li­dade não se al­tera: os postos de tra­balho, e com eles os pró­prios es­ta­leiros, estão em risco.

A re­acção não se fez es­perar e logo na quarta-feira, dia 22, num ple­nário que contou com a par­ti­ci­pação de quase todos os tra­ba­lha­dores da em­presa, estes re­jei­taram o plano e com­pro­me­teram-se a com­batê-lo: foi pre­ci­sa­mente o que fi­zeram ontem na grande ma­ni­fes­tação que per­correu as ruas do centro de Viana do Cas­telo e que contou com a pre­sença so­li­dária do PCP, com uma de­le­gação que in­te­grava, entre ou­tros, o Se­cre­tário-geral do Par­tido, Je­ró­nimo de Sousa.

Nesse mesmo dia 22, num la­men­tável golpe de te­atro, o pre­si­dente do Con­selho de Ad­mi­nis­tração, Carlos Veiga Anjos, jus­ti­fi­cando-se com uma ale­gada «ten­ta­tiva de agressão» por parte de al­guns tra­ba­lha­dores, anun­ciou o seu pe­dido de de­missão. Ou seja, de­pois de o plano ter sido apro­vado, sem con­sulta aos tra­ba­lha­dores, por um go­verno em gestão – e como tal sem le­gi­ti­mi­dade para as­sumir de­ci­sões desta en­ver­ga­dura –, é agora o seu autor e exe­cu­tante a aban­donar o cargo. Com isto pre­tendem, um e outro, que a culpa morra sol­teira.

 Já aquele que tem agora a tu­tela da em­presa, o novo mi­nistro da De­fesa José Maria Aguiar-Branco, apenas se re­feriu à com­ple­xi­dade do caso e à ne­ces­si­dade de re­co­lher in­for­mação para que o possa ana­lisar. Nem uma pa­lavra ou ati­tude de prin­cípio em de­fesa da em­presa e dos postos de tra­balho. E, so­bre­tudo, ne­nhuma re­fe­rência ao facto de a pri­va­ti­zação dos ENVC ter sido in­cluída no pri­meiro PEC e estar ins­crita no me­mo­rando de en­ten­di­mento com a troika, que o novo Go­verno PSD/​CDS (tal como o an­te­rior, do PS) se com­pro­meteu a cum­prir. Na se­gunda-feira, os de­pu­tados do PS eleitos por Viana do Cas­telo con­si­de­raram, à saída de uma reu­nião com a Co­missão de Tra­ba­lha­dores dos Es­ta­leiros, «es­sen­cial avançar com a re­es­tru­tu­ração». Todos de acordo, por­tanto.

 Ti­rando pela sua di­mensão, o des­pe­di­mento anun­ciado não terá apa­nhado nin­guém de sur­presa. Há muito que sin­di­cato, Co­missão de Tra­ba­lha­dores e o pró­prio Par­tido vi­nham de­nun­ci­ando a in­tenção de su­ces­sivos go­vernos e ad­mi­nis­tra­ções de re­duzir o nú­mero de tra­ba­lha­dores dos Es­ta­leiros. Só nos úl­timos quatro anos 250 saíram da em­presa.

 

Porta aberta à pri­va­ti­zação

 

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 Este des­pe­di­mento, a ir para a frente, pode sig­ni­ficar a ace­le­ração do pro­cesso de pri­va­ti­zação da em­presa. Esta é a con­vicção dos co­mu­nistas que, num co­mu­ni­cado da Di­recção da Or­ga­ni­zação Re­gi­onal de Viana do Cas­telo, dis­tri­buído na se­mana pas­sada aos tra­ba­lha­dores, afirmam que o que se pre­tende com os des­pe­di­mentos anun­ci­ados é «ema­grecer a es­tru­tura dos ENVC para daqui a uns meses darem a ma­cha­dada final com a sua pri­va­ti­zação, que aliás está con­tem­plada no acordo do PS, PSD e CDS com a troika».

Ven­dendo a em­presa, o Go­verno por­tu­guês en­tre­garia «de mão bei­jada aos grandes in­te­resses do ca­pital es­tran­geiro os con­tratos já fir­mados com a Ma­rinha Por­tu­guesa e com ou­tras en­ti­dades no valor de 500 mi­lhões de euros», re­cor­dava ainda o PCP. Mas há mais: o País per­deria o con­trolo sobre uma em­presa que atrai di­visas e que é o único es­ta­leiro na­ci­onal com ca­pa­ci­dade de pro­jecto, equi­pado com a mais alta tec­no­logia e com ope­rá­rios e qua­dros téc­nicos al­ta­mente es­pe­ci­a­li­zados – e ac­tu­al­mente um dos mai­ores es­ta­leiros da Eu­ropa Oci­dental.

 Como aler­tara o Avante! na sua edição de 31 de Março de 2011, a ab­sorção dos ENVC por qual­quer um dos co­lossos in­dus­triais do sector re­me­teria-os para uma «po­sição mar­ginal no seio do grupo que os vi­esse a ad­quirir». A in­cer­teza da con­cor­rência in­ter­na­ci­onal ou o puro e sim­ples en­cer­ra­mento pas­sa­riam a ser as suas duas op­ções. Muitos dos es­ta­leiros su­cum­biram assim.

 No pro­jecto de re­so­lução que en­tregou na As­sem­bleia da Re­pú­blica no dia 22 (ver texto nestas pá­ginas), o PCP alerta que «a par da pri­va­ti­zação e da des­truição mas­siva de em­prego, este de­sig­nado Plano de Vi­a­bi­lização e Re­es­tru­turação dos ENVC visa, assim, criar con­di­ções para trans­formar os ENVC numa uni­dade sem ca­pa­ci­dade pró­pria, apenas de­pen­dente de en­co­mendas pon­tuais de ter­ceiros em busca de re­cursos hu­manos des­qua­li­fi­cados ou pre­cá­rios ou, em al­ter­na­tiva, criar con­di­ções para passar a dar res­posta a en­co­mendas pro­jec­tadas por ter­ceiros com o re­curso quase ex­clu­sivo e sempre oca­si­onal de em­presas ex­ternas».

 O plano de «vi­a­bi­li­zação» dos Es­ta­leiros de Viana do Cas­telo, apre­sen­tado pela ad­mi­nis­tração, é exem­plar do que sig­ni­fica a in­ter­venção ex­terna do FMI, BCE e UE no nosso País: tanto o plano, ao nível par­ti­cular, como o pacto da troika, a um nível mais geral, ao invés de apos­tarem na pro­dução na­ci­onal e no apro­vei­ta­mento dos re­cursos do País (não é um dos prin­ci­pais o mar, como tanto se usa dizer agora?) para fazer crescer a eco­nomia, agravam a de­pen­dência face ao ex­te­rior. Nada disto é ine­vi­tável. É apenas o que serve os in­te­resses da­queles que co­mandam as ins­tân­cias in­ter­na­ci­o­nais do ca­pi­ta­lismo.

 

So­li­da­ri­e­dade ac­tiva

 

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 Mal foi tor­nada pú­blica a in­tenção de des­pedir mais de me­tade dos tra­ba­lha­dores dos Es­ta­leiros Na­vais de Viana do Cas­telo, estes re­ce­beram o apoio e a so­li­da­ri­e­dade ac­tiva dos co­mu­nistas e do mo­vi­mento sin­dical uni­tário.

 Logo no dia se­guinte à di­vul­gação do plano dito de vi­a­bi­li­zação, di­ri­gentes e mi­li­tantes co­mu­nistas es­ti­veram à porta da em­presa a dis­tri­buir um co­mu­ni­cado da Direcção da Or­ga­nização Re­gi­onal de Viana do Cas­telo do PCP onde se ape­lava à união dos tra­ba­lha­dores e da po­pu­lação «em de­fesa da­quela que é o sím­bolo maior do Alto Minho, fun­da­mental para o de­sen­vol­vi­mento da re­gião e do País». Re­a­fir­mando que os tra­ba­lha­dores podem «contar com o PCP na re­sis­tência a estas in­ten­ções», os co­mu­nistas lem­bravam que esta re­sis­tência e esta luta, «sendo pelos seus di­reitos, é também um grito e um con­tri­buto so­li­dário e pa­trió­tico contra o rumo de de­sastre para que o Go­verno do PS nos levou e agora PSD e CDS querem pros­se­guir».

 Logo no dia se­guinte, deu en­trada na As­sem­bleia da Re­pú­blica um pro­jecto de re­so­lução do PCP re­co­men­dando a «sus­pensão ime­diata da apli­cação do Plano de Vi­a­bi­lização e Re­es­tru­turação dos Es­ta­leiros Na­vais de Viana do Cas­telo (ENVC)». O Grupo Par­la­mentar do PCP con­si­dera que tanto o plano apre­sen­tado pela EM­PORDEF (ac­ci­o­nista único dos ENVC em re­pre­sen­tação do Es­tado) como o des­pacho da Se­cre­taria de Es­tado das Fi­nanças e do Te­souro que o su­porta fi­nan­cei­ra­mente, foram adop­tados «já de­pois do acto elei­toral de 5 de Junho, numa al­tura em que o go­verno se en­con­trava há muito em gestão cor­rente».

 Mas o PCP não se fica pelas ques­tões pro­ces­suais, por mais im­por­tantes que sejam: os co­mu­nistas exigem ainda, no texto do seu pro­jecto de re­so­lução, que o ac­tual Go­verno «de­ter­mine uma re­a­ná­lise ur­gente e am­pla­mente par­ti­ci­pada das so­lu­ções de vi­a­bi­li­zação dos ENVC e a ela­bo­ração de um plano de real vi­a­bi­li­zação e de­fesa da ca­pa­ci­dade pró­pria de um es­ta­leiro naval único em Por­tugal e da sua im­por­tância es­tra­té­gica num con­texto de de­fesa da ca­pa­ci­dade pro­du­tiva in­dus­trial do nosso País». Num fu­turo plano de vi­a­bi­li­zação dos Es­ta­leiros, de­verá ser tida em conta a «im­por­tância eco­nó­mica e so­cial, em Viana do Cas­telo e em todo o Alto Minho, desta em­presa pú­blica de cons­trução naval», re­co­menda ainda o PCP. No Par­la­mento Eu­ropeu, Ilda Fi­guei­redo le­vantou igual­mente esta questão. 

 Sin­te­ti­zando o im­por­tante con­junto de mo­ções de so­li­da­ri­e­dade, re­ce­bidas de di­versas or­ga­ni­za­ções re­pre­sen­ta­tivas dos tra­ba­lha­dores e es­tru­turas de todo o País, também a CGTP-IN emitiu um co­mu­ni­cado de im­prensa, no dia 24, onde ex­pressa o seu apoio à luta dos tra­ba­lha­dores dos Es­ta­leiros. A cen­tral con­si­dera o des­pe­di­mento anun­ciado de mais de me­tade dos tra­ba­lha­dores da em­presa «inad­mis­sível», tanto mais quando o es­ta­leiro tem «ca­pa­ci­dade téc­nica e pro­fis­si­o­nais com ele­vadas com­pe­tên­cias para pro­jectar e pro­duzir na­vios de ele­vada qua­li­dade e com­ple­xi­dade». Trata-se, por­tanto, para além de um «crime contra a eco­nomia na­ci­onal», de uma «ca­pi­tu­lação pe­rante a troika e os in­te­resses dos grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros que re­pre­senta», acres­centa ainda a Inter.

 Dois dias antes, a Fi­e­qui­metal/CGTP-IN re­a­fir­mara já a sua con­vicção de que o es­ta­leiro é viável. Para a fe­de­ração sin­dical, a ir por di­ante este des­pe­di­mento, os ENVC se­riam trans­for­mados em mais uma «uni­dade des­va­lo­ri­zada, des­ti­nada a tra­ba­lhos se­cun­dá­rios, de menor qua­li­dade, em geral sob o re­gime de sub­con­tra­tação por ou­tros es­ta­leiros eu­ro­peus». E acar­re­taria ainda «gra­vís­simos pro­blemas so­ciais para Viana do Cas­telo», uma vez que os Es­ta­leiros sempre ti­veram um papel es­tra­té­gico no de­sen­vol­vi­mento da re­gião.

 

Des­pe­di­mentos e pri­va­ti­zação não são ine­vi­tá­veis

Há al­ter­na­tiva

 

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 Só uma po­lí­tica de sub­missão aos in­te­resses dos grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros e às grandes po­tên­cias da União Eu­ro­peia po­deria de­ter­minar a pri­va­ti­zação ou en­fra­que­ci­mento de uma em­presa como os Es­ta­leiros Na­vais de Viana do Cas­telo. É que, ao con­trário do que po­derão afirmar os seus ideó­logos ou exe­cu­tantes, esta em­presa não só não está con­de­nada a de­sa­pa­recer ou de­fi­nhar como po­deria in­clu­si­va­mente cons­ti­tuir uma im­por­tante ala­vanca para o cres­ci­mento eco­nó­mico do País.

Po­derão dizer al­guns que hoje são os países asiá­ticos que do­minam o sector da cons­trução naval, com 75 por cento da pro­dução mun­dial. Mas di­zendo isto dizem apenas meia ver­dade, pois na pro­dução de na­vios so­fis­ti­cados e tec­no­lo­gi­ca­mente avan­çados é ainda a Eu­ropa que do­mina – e é pre­ci­sa­mente este gé­nero de em­bar­ca­ções que são cons­truídas, re­pa­radas ou con­ver­tidas no es­ta­leiro do Alto Minho.

Com a exis­tência de uma forte in­dús­tria de cons­trução e re­pa­ração naval muitos ou­tros sec­tores po­de­riam flo­rescer, a mon­tante e a ju­sante: a ex­tracção e trans­for­mação de ferro, zinco ou cobre, nos quais o sub­solo por­tu­guês é rico; a in­dús­tria quí­mica e o fa­brico de di­versos com­po­nentes. Vol­tando-se para esse imenso re­curso que é o mar, Por­tugal po­deria uti­lizar a sua in­dús­tria naval para alargar e re­novar a sua frota pes­queira, re­cu­perar a sua ma­rinha mer­cante, di­na­mizar o trans­porte ma­rí­timo, vi­giar de forma mais efi­ci­ente e efec­tiva a sua costa e de­sen­volver a in­ves­ti­gação ci­en­tí­fica ma­rinha.

Mas para que tal seja pos­sível há que romper com a po­lí­tica de di­reita e de sub­missão às grandes po­tên­cias da UE e, de forma so­be­rana, avançar na cons­trução de uma po­lí­tica al­ter­na­tiva, que ver­da­dei­ra­mente de­fenda os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores, do povo e do País e que nas­cerá, sempre e ine­vi­ta­vel­mente, da in­ten­si­fi­cação da luta or­ga­ni­zada de am­plas ca­madas do povo por­tu­guês.



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