Sobre o momento histórico

Sérgio Ribeiro

Nas «ses­sões con­tí­nuas» de «co­men­ta­rismo po­lí­tico», pro­vo­cadas pelas elei­ções le­gis­la­tivas, pelos dis­cursos do 10 de Junho, pela for­mação do go­verno, pela sua com­po­sição e to­mada de posse, pela eleição do (que acabou por ser da) pre­si­dente da As­sem­bleia da Re­pú­blica, entre as coisas ditas e as po­si­ções to­madas pelos muitos «ar­tistas» que são «re­si­dentes», poucas terão sido as coisas e ra­rís­simas as po­si­ções que se apro­vei­tassem, que «benza-as deus».

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Por con­traste, im­porta su­bli­nhar que, por e para exemplo, o Par­tido di­vulgou do­cu­mentos e co­mu­ni­cados, ou notas de im­prensa, que pouco ou nada di­vul­gados foram fora das vias e dos ca­nais pró­prios.

Não se quer dizer que não tenha ha­vido, de ou­tras ori­gens, al­gumas afir­ma­ções a me­re­cerem re­flexão. En­con­tram-se, em in­ter­ven­ções de ou­tros, e até nos in­ters­tí­cios de uns ar­re­medos de de­bate que se mul­ti­pli­caram, umas luzes de lu­cidez, uns re­lam­pejos de pre­o­cu­pa­ções per­ti­nentes, em­bora le­vados na en­xur­rada ver­bor­reica.

No en­tanto, essas ou­tras po­si­ções, que partem de ob­ser­vação atenta e pre­o­cu­pada do que se está a passar, e não são de mero pro­se­li­tismo, pro­vocam uma funda im­pressão, ou de de­so­ri­en­tação pre­o­cu­pada e/​ou de di­fi­cul­dade de ul­tra­pas­sarem fron­teiras do pen­sa­mento adop­tado como único e pre­con­ceitos.

 

Há mais «saídas de emer­gência» para o ca­pi­ta­lismo

 

Ao longo dos tempos, das dé­cadas de modo de pro­dução ca­pi­ta­lista, têm os seus «pen­sa­dores» – a sua su­pers­tru­tura – en­con­trado «saídas de emer­gência» que, sem se sair do mesmo «edifício» das relações so­ciais do­mi­nantes, têm per­mi­tido a pas­sagem a ou­tras «salas», evi­tando o pâ­nico na­quela em que de­corria o «es­pec­tá­culo» na­queles moldes, em­bora com atro­pelos nas mu­danças de ce­ná­rios (com atro­pe­lados e di­zi­mados aos mi­lhões, com des­trui­ções de guerras em todas as tem­pe­ra­turas e por todas as vias).

Falar de key­ne­si­a­nismo, de adap­ta­ções e sínteses neo-clássicas, dos li­be­ra­lismos e mo­ne­ta­rismos, da so­cial-de­mo­cracia e apa­rente e ilu­sória hu­ma­ni­zação do in­trin­se­ca­mente de­su­mano, é dar nomes con­cretos a essas me­ta­fó­ricas «saídas de emer­gência».

Assim tem o ca­pi­ta­lismo so­bre­vi­vido e pre­do­mi­nado, sempre a pra­ticar uma feroz luta de classes, ex­plo­rando, pra­ti­cando ter­ro­rismos de vária ín­dole e a di­fe­rentes ní­veis, apro­vei­tando fra­gi­li­dades e trai­ções. Como quando da afir­mação ide­o­lo­gi­ca­mente ra­dical de ser o ca­pi­ta­lismo o fim da História e se­quente aban­dono desta for­mu­lação, e sua subs­ti­tuição pela ne­gação de qual­quer ide­o­logia ou a pro­moção do prag­ma­tismo a ide­o­logia de­si­de­o­lo­gi­zada.

 

O ca­pi­ta­lismo em di­fi­cul­dades

 

O ma­te­ri­a­lismo his­tó­rico ex­plica a evo­lução das forças pro­du­tivas e a cres­cente con­tra­dição do seu ca­rácter so­ci­a­li­zante, de co­mu­ni­cação uni­versal, so­li­dária tem­poral e es­pa­ci­al­mente, com a ma­nu­tenção de re­la­ções so­ciais de cariz in­di­vi­du­a­li­zante, de in­te­resses pri­vados, de grupo, egoísta.

Mas quem não re­corre ao ma­te­ri­a­lismo his­tó­rico, ou deste foge como «diabo da cruz» (ou vice-versa…), e pro­cura fazer-de-conta que ele não existe, não está a en­con­trar ex­pli­ca­ções – e, so­bre­tudo, «saídas» – que me­reçam con­senso, ao menos por re­cusa ou omissão de re­flexão e de­bate.

No mo­mento his­tó­rico de que se é con­tem­po­râneo, o que pa­rece estar a acon­tecer é que esta ex­plosão fi­nan­ceira no ainda centro sis­tema/​for­mação so­cial con­fi­gura novas si­tu­a­ções de fricção e de ri­va­li­dades inter-im­pe­ri­a­listas de muito di­fícil su­pe­ração, também ao nível su­pers­tru­tural.

Para se usar ex­pressão cor­rente, e bem ilus­tra­tiva, «o ca­pi­ta­lismo está à rasca». O que se des­cor­tina no que se vai vendo, ou­vindo e lendo.

 

Nós… nunca sós

 

Por isso mesmo, as re­fe­ridas afir­ma­ções e po­si­ções fun­dadas na ob­ser­vação da re­a­li­dade, na ex­pec­ta­tiva das evo­lu­ções pró­ximas fu­turas, re­flec­tidas e pre­o­cu­padas em­bora algo de­so­ri­en­tadas ou im­po­tentes, mesmo quando ar­ro­jadas, são signos si­nais.

Lem­bram, a quem viveu tempos de fas­cismo, po­si­ções de quem, aqui e então, de­pois de ter ten­tado, pelo lado de dentro, en­con­trar saídas para o que a in­te­li­gência obri­gava a con­si­derar sem fu­turo, se de­batia contra ja­nelas fe­chadas à pro­cura de uma fresta.

Muitos se per­deram ou de­sis­tiram, aco­mo­dando-se, mas al­guns en­con­traram essa fresta no re­co­nhe­ci­mento da, no apoio à, na ali­ança com os que lu­tavam, clan­des­ti­na­mente, por outro rumo, re­sis­tiam, sem des­fa­le­ci­mentos, certos da vi­tória.

Ainda que tais re­co­nhe­ci­mento, apoio, ali­ança, não sig­ni­fi­cassem, ou não ti­vessem de sig­ni­ficar, adesão ao que mo­ti­vava, ide­o­lo­gi­ca­mente, a re­sis­tência e a luta. 

 

Também, hoje, dizer NÃO… porque SIM!

 

Hoje, de­pois de 1974 em Por­tugal e na ac­tual fase global de des­me­su­rada fi­nan­cei­ri­zação, o ca­pi­ta­lismo, en­quanto se serve do Es­tado, ataca-o ce­ga­mente, em nome da «eco­nomia de mer­cado» e re­jeita an­te­ri­ores «re­ceitas» que o sal­varam, com adi­a­mento e agu­di­zação de con­tra­di­ções.

E se o PCP disse não ao fas­cismo, re­sistiu e contra ele lutou, nunca deixou, de­pois, de lutar e re­sistir contra o que, no en­ten­di­mento es­co­rado na lei­tura da His­tória, não serve os tra­ba­lha­dores e o povo por­tu­guês, antes o tornam cada vez mais de­pen­dente e servil.

Disse não ao Mer­cado Comum, contra a for­tís­sima cam­panha a favor da adesão, e a ter de com­bater o ar­gu­mento fa­la­cioso de au­sência de al­ter­na­tiva (ou­tros povos a ti­veram, ou ne­go­ci­aram com as­somos de so­be­rania, e me­lhor que o nosso estão); disse não a Ma­as­trich e à moeda única (sim ao re­fe­rendo!), contra a for­tís­sima cam­panha a favor dos «sins», e a ter de com­bater o re­cor­rente e fa­la­cioso ar­gu­mento de au­sência de al­ter­na­tiva (ou­tros povos a ti­veram, ou ne­go­ci­aram com as­somos de so­be­rania, e me­lhor que o nosso estão).

São dois exem­plos!

 

Pôr Por­tugal a pro­duzir

 

Mas vive-se a ac­tu­a­li­dade. Grave do ponto de vista eco­nó­mico e so­cial.

Na ac­tual re­lação de forças so­ciais, com a co­mu­ni­cação so­cial ao ser­viço da in­to­xi­cação, pos­suída e uti­li­zada pelo poder fi­nan­ceiro contra a in­for­mação e o es­cla­re­ci­mento, num faz-de-conta de plu­ra­lismo par­ti­dário, más­cara es­bu­ra­cada de de­mo­cracia, o PCP está, como sempre, do lado da de­núncia e a lutar. Também, es­co­rado na sua base teó­rica, na in­for­mação, no es­cla­re­ci­mento, no de­bate.

Vive-se uma grave si­tu­ação eco­nó­mica e so­cial, e que se agrava, em que al­guns dizem, hi­po­cri­ta­mente, ver uma ja­nela de opor­tu­ni­dades (para in­ten­si­ficar a ex­plo­ração e a es­pe­cu­lação). Assim acon­tece com todo o peso das op­ções an­te­ri­ores, quando poucas foram as vozes que, além do PCP, e com ou­tros fun­da­mentos ou por ou­tras vias, ti­vessem pre­visto e pre­ve­nido ao que iria levar os ca­mi­nhos que se tri­lhavam. Mas vão apa­re­cendo!

Neste mo­mento, não se aceita a con­ti­nui­dade do que pro­vocou a ac­tual si­tu­ação e a fa­ta­li­dade da au­sência de al­ter­na­tiva. Esta existe. E se al­guns, na aná­lise da si­tu­ação, re­fe­rindo causas (di­gamos) téc­nicas, coin­cidem com a do PCP, es­barram na falta de pers­pec­tiva de luta que é a do par­tido, e têm di­fi­cul­dade em en­carar a via da mudança real de políticas, da cri­ação de con­di­ções para um novo rumo. Por va­lo­rização da produção, do tra­balho que apro­veita os re­cursos e cria ri­queza. Noutro quadro po­lí­tico.

 

Duas di­nâ­micas in­ter­de­pen­dentes

 

Co­lo­cando a luta po­lí­tica em dois ní­veis, va­lo­riza-se a frente de luta ins­ti­tu­ci­onal, em que se in­siste nas pro­postas, que se re­forçam e de que se prova a con­sis­tência, não obs­tante a ac­tual re­lação de força ser cla­ra­mente des­fa­vo­rável, se­quer à sua con­si­de­ração, a esse nível. Porque nele não tem tido ex­pressão o que se vive ao nível das massas. Mas é pre­ciso não es­quecer que im­por­tantes con­quistas so­ciais se con­se­guiram quando a po­sição re­la­tiva dos dois ní­veis da luta po­lí­tica ti­nham con­fi­gu­ra­ções algo se­me­lhantes.

Foi de­pois do 5.º go­verno provisório, o último de Vasco Gonçalves, e do 25 de No­vembro, que muito se avançou na re­forma agrária, que se es­creveu, aprovou em As­sem­bleia Cons­ti­tuinte (de 250 de­pu­tados, eram 30 os do PCP) e pro­mulgou a Cons­tituição da República Por­tu­guesa, que con­tinua a ser um alvo por tanto in­co­modar – apenas por existir, e não por ser res­pei­tada – os de­ten­tores e os ser­vi­dores do poder fi­nan­ceiro. E assim foi por força da dinâmica de massas!

 

O mo­mento his­tó­rico que se vive

 

Os mo­mentos his­tó­ricos são evi­den­te­mente di­fe­rentes mas, neste, a ofen­siva do ca­pital fi­nan­ceiro tomou tal di­mensão, mos­trou de forma não es­ca­mo­teável as con­sequên­cias do seu po­derio e fun­ci­o­na­mento, e quer-se su­bli­nhar:

que, no plano in­terno, há condições ob­jec­tivas para alargar o de­bate, porque há quem es­teja se­ri­a­mente pre­o­cu­pado e, como o PCP, não veja saídas dentro das ac­tuais e pros­se­guidas po­lí­ticas que re­duzem a eco­nomia a fi­nanças, ra­tings, taxas de juro, acu­mu­lação de di­nheiro-fic­tício ins­tru­mento para apro­pri­ação de ri­queza real, numa pa­lavra (entre aspas, claro): «mer­cado»;

que, no plano in­ter­na­ci­onal, a re­ne­gociação, quer da dívida quer da par­ti­cipação em União Económica e Monetária (euro e BCE) – com todas as suas con­sequên­cias –, não in­te­ressa apenas a Por­tugal, é quase questão de so­bre­vi­vência na­ci­onal de um nú­mero cres­cente de países, desde os que já foram cha­mados «da co­esão» (Ir­landa, Grécia, Es­panha e Por­tugal), aos PIIGS (aqueles mais a Itália), já chega à pró­pria Bél­gica e não ex­clui os ditos anglo-sa­xó­nicos, for­mando uma com­plexa «pe­ri­feria» de um «centro» (es­ten­dido este aos Es­tados Unidos, com atenta ob­ser­vação dos ditos BRIC mais, por agora, África do Sul, muito in­te­res­sados e in­flu­entes pela sua força cres­cente), um «centro» que pa­rece não se en­tender e cavar ri­va­li­dades e an­ta­go­nismos intra-im­pe­ri­a­listas, mas que pode adi­antar-se e sur­pre­ender, não dando qual­quer margem para ne­go­ci­a­ções so­be­ranas.

Cada vi­vente tem ten­dência a con­si­derar o seu tempo de vida como his­tó­rico (para al­guns, até o único tempo his­tó­rico…). Nós, os con­tem­po­râ­neos, não somos di­fe­rentes. Mas não es­ta­remos en­ga­nados!



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