Defesa Nacional e Forças Armadas

Alastra o descontentamento

Rui Fernandes

Qualquer pessoa minimamente atenta ao que se passa à sua volta não pode deixar de concluir pelo alastramento do descontentamento no seio dos militares. Um descontentamento que cruza vários vectores e que, por isso mesmo, assume espessuras variáveis. Se falamos do problema do futuro da saúde militar, existe uma mais ampla convergência quanto aos perigos que pairam sobre a generalidade dos direitos dos militares e das suas famílias. E não se trata de uma defesa corporativa de direitos. Trata-se, isso sim, de garantir a sua manutenção, a sua qualidade, a sua capacidade de resposta, e de encontrar um modo de fazer que tenha presente que passar de três hospitais militares para um não é uma mera fusão administrativa.

Há valências e experiências a salvaguardar e que nem todas as fusões resultam em poupanças. E há também que olhar para esse futuro Hospital das Forças Armadas (HFA) como parte integrante da capacidade de defesa nacional em eventuais situações críticas e não somente na ditatorial lógica do gastar menos. E há também que ter em conta a justificada desconfiança de que neste processo direitos vão ser cortados, pior assistência irá ficar para militares e famílias. Desconfiança que assenta em bases objectivas tendo presente o que sucedeu com a fusão das ADM. Desconfiança que se adensa quando, com autorização dos Ramos, andam a ser feitas sessões sobre as vantagens de os militares fazerem seguros de saúde.

Noutro plano, temos os desenvolvimentos resultantes da acção inspectiva levada a efeito há uns meses pela Inspecção Geral de Finanças (IGF). Conforme alertámos na altura, esta insólita inspecção só poderia arrastar consigo um mar de problemas e eles aí estão. E porquê? Porque o objectivo desta inspecção não foi efectuar uma verificação ampla aos procedimentos e contribuir para a melhoria de práticas e métodos, unificação de critérios, etc. A raiz desta inspecção foi: por que aumentou a despesa? E como toda a gente sabia, a despesa aumentou porque aumentaram as despesas de pessoal. E porquê? Porque quiseram integrar os militares numa nova Tabela Salarial Única (TSU) da administração pública.

 

Aumentos da despesa

 

Ora, isso originou aumentos de despesa para processar a essa integração dos militares. E quem aprovou esta lei? O PCP não foi. Os militares também não. Mais, as associações militares alertaram para a sua irracionalidade. A IGF, nas conclusões da sua inspecção, escuda-se em razões de procedimento administrativo para considerar ilegal tais pagamentos. Ou seja, acusa os militares de práticas ilegais. E o ministro PS Santos Silva, a poucos dias de se ir embora, emitiu um despacho dizendo que essas verbas devem ser devolvidas. Ou seja, devolvam aquilo que receberam ao longo de muitos meses, a multiplicar pelo universo de centenas de militares ao longo deste tempo abrangidos por uma lei que não fizeram, tendo entretanto estruturado as suas vidas em função disso. E nem se trata de a lógica de aplicação estar incorrecta, mas de isso ter sido feito sem autorização superior ou respectiva delegação de competências, mesmo admitindo a IGF que foi dada informação do Governo dos custos que tal acarretaria. Ou seja, seguindo o raciocínio, não havendo dinheiro, havia a lei mas não se aplicava. Ora, leis destas existem várias. Por exemplo, a IGF nada diz sobre o não pagamento desde Janeiro de 2010 dos complementos de pensão aos militares, nem sobre o facto de continuarem a existir militares mais modernos a ganhar mais do que outros mais antigos no mesmo posto.

Mas o que faz o actual Governo? Permite que saiam notícias atrás de notícias, onde passa para a opinião pública a ideia de mais uns «desatinos» dos gastadores militares, num momento em que tantos sacrifícios são pedidos, propositadamente omitindo as suas próprias responsabilidades, no Governo e sem ser no governo, porque nesta como noutras áreas, existe, como os próprios afirmam, um acordo entre PS, PSD e CDS-PP.

 

Atentado aos direitos

 

Feito o caminho das notícias para formatar a cabeça da população, aparece agora o Governo a decidir pelo congelamento das progressões e acrescenta o ministro que é «uma medida para corrigir uma irregularidade». Isto é, o Governo considera que os militares cometeram uma ilegalidade (como diz a IGF).

Coloca-se assim vários problemas dos quais se destaca: se cometeram ilegalidades, quem cometeu e o que vai suceder? Havendo nas forças de segurança muitas centenas de profissionais à espera de serem contemplados com a aplicação do sistema remuneratório a que têm direito, vai esse congelamento ter efeitos depois de corrigidas as situações ou à situação ilegal existente?

Este Governo prossegue o estilo há muito usado pela troika que ao longo dos anos tem estado no Governo: belos discursos sobre os militares, mas atentam contra os seus direitos; belos discursos sobre as forças de segurança, mas degradam a sua situação.

A troika interna. A troika que aprovou e efectuou a compra dos submarinos. A troika que aprovou uma Lei de Programação Militar (LPM) que há muito devia ter sido revista e que assina compromissos de aquisição de reequipamento que não consta da LPM, como é o caso dos aviões KC 390. A troika que assinou o desastrado programa das PANDUR. A troika que esteve de acordo com a aquisição de helicópteros NH90, cujo valor total final se aproxima dos mil milhões de euros. A troika que tirou o tapete aos ex-combatentes. A troika que ano após ano tem sub-orçamentado o Orçamento para as Forças Armadas e que agora aparece a dizer que faltam uns milhões para pagar vencimentos. A troika que aprova sistemas remuneratórios que não pretende aplicar. A troika que esteve de acordo na alteração da Lei de Defesa Nacional em afrontamento aos princípios constitucionais. A troika que criou uma Empresa de Meios Aéreos (EMA), justificada com base na racionalidade, a partir da qual foram efectuadas aquisições, nomeadamente no que respeita ao combate a fogos, afastando a Força Aérea dessa missão de interesse público (na lógica de uma FAP combatente), conduzindo assim à perda de qualificações, mas que hoje aparece a falar de a FAP repor essas valências, como se não tivesse responsabilidades em nada e como se, um qualquer acto administrativo chegasse para tal se concretizar.

E lá aparece a FAP a dizer que, sendo assim, está a pensar pôr de novo ao activo alguns helicópteros PUMA. A troika que tem um pacto para a padronização das nossas forças armadas por modelos externos. Modelos organizacionais, doutrinais, operacionais, etc., por aquilo que é dominante no seio da NATO, em particular os EUA. Não se trata pois de mudanças para responder a necessidades nacionais. E este é o ponto fulcral do problema: a crescente contradição entre o interesse nacional e os princípios constitucionais e uma política antinacional e antidemocrática porque favorece uma ínfima parte e crescentemente lesa, pune e agride a imensa maioria. E por mais intimidação, doutrinação, punição que o poder dominante desenvolva, os militares, na sua maioria, não esquecem que são povo, que têm mães, pais, avós e filhos que são atingidos por esta política que os atinge também enquanto militares, e que as forças armadas existem para servir Portugal e não para servir governos e outros interesses espúrios.



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