«Do rio que tudo arrasta se diz que é violento
Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem»
Bertolt Brecht
1. As revoltas nas ruas inglesas marcam indiscutivelmente este mês de Agosto.
Duas semanas depois dos motins, «no país, o tom dominante é ainda o da repressão» (Público, 17/08/11). Segundo o Guardian, citado pelo Público, os juízes dos tribunais sumários estão a ser aconselhados a «considerar» se as penas máximas ao seu alcance são suficientes para punir os envolvidos. Na sequência das «instruções» dadas aos juízes, a maioria dos dois mil casos já presentes a tribunal estão a ser encaminhados para tribunais de primeira instância «a fim de serem mais duramente punidos». Foi o que aconteceu com dois rapazes condenados a quatro anos de prisão por terem usado o Facebook para incitar à violência. Dando eco a estas notícias, o Público titulava na referida edição que os tribunais ingleses «têm ordens para serem mais duros». Nenhum esclarecimento ou interrogação relativos à proveniência de tais «ordens» e «instruções», ou à suposta independência do poder judicial, eram avançados na notícia.
Nos dias que se seguiram aos primeiros motins, a revista Visão publicou um interessante e vivo relato do seu enviado especial a Londres, João Dias Miguel (JDM). O jornalista percorreu durante várias horas algumas das ruas onde decorriam confrontos entre jovens e a polícia, recolhendo, aqui e ali, elucidativos testemunhos.
JDM fala da «raiva imensa» que se sente no ar, naquela a que chama «a mais velha democracia do mundo». Dos jovens dos subúrbios que se queixam de há demasiado tempo «lhes estarem a mijar em cima»; das buscas corporais, ao abrigo das chamadas leis antiterroristas, a que são sujeitos sem motivo aparente; das «humilhações e espancamentos ocasionais às mãos dos Mets» (a polícia metropolitana). Dos cortes orçamentais que acabaram com mais de metade dos Clubes de Juventude de Tottenham (uma zona com mais de dez mil desempregados), onde os mais novos passavam os seus tempos de desemprego ociosos. Nas suas deambulações, JDM ouviu Tim Ras, 47 anos, descendente de jamaicanos, que a propósito dos tumultos que por essa altura varriam todo o país atirou ao jornalista: «Porque é que os polícias não param isto? Não lhes convém, porque a seguir vão preparar legislação ainda mais dura, ainda mais controladora». Ras é morador do bairro de Broadwater Farm, um vasto complexo de habitações sociais, onde se diz haver 54 desempregados lutando por cada posto de trabalho existente.
O vice-primeiro-ministro britânico, o liberal Nick Clegg, tem razão quando fala do «colapso moral da sociedade». Mas ilude quem são os responsáveis por esse colapso e que sociedade é esta afinal. Mais uma vez, a resposta vem pronta da boca de um jovem ouvido por JDM nas ruas de Londres: «A Inglaterra trouxe este pesadelo a si própria. Um sistema social corrupto, classista, racista, que não deixa que os pobres vão para os colégios que garantem o futuro dos filhos dos privilegiados». Violento, pois. Dirigido e mantido por gente como Clegg, Cameron e outros, responsáveis também pela violência e sofrimento que continuam a varrer cidades inteiras no Iraque, no Afeganistão ou na Líbia. Guerras para as quais arrastam milhares de jovens ingleses, em especial os filhos das famílias mais pobres.
Em Inglaterra, nos últimos dias, foram presos milhares de desempregados, de pobres e de excluídos, quase todos jovens. Pelas notícias que nos chegam, não consta que alguma medida tenha sido adoptada para combater o desemprego, a pobreza e a exclusão social. Pelo contrário, tudo isto continua a crescer nas ruas inglesas, como nas da generalidade dos países europeus.
2. Na semana em que Merkel e Sarkozy se reuniram para, com arrogância imperial, definirem as linhas mestras do que chamaram «governo económico da zona euro», o Eurostat divulgou os dados mais recentes relativos ao desempenho das economias da zona euro. A juntar à confirmação da contracção do PIB português, quer a Alemanha quer a França dão sinais de abrandamento, estando o conjunto da zona euro perto da estagnação.
Confirma-se assim ser cada vez menos verosímil que Portugal possa cumprir as condições fixadas no plano FMI-UE. Como se confirma que sem uma renegociação da dívida e sem uma aposta na dinamização do mercado interno, dependendo exclusivamente das exportações, dificilmente se alcançará o necessário crescimento económico.
Indiferente à realidade, o governo português prossegue a sua violenta ofensiva.