O capitalismo terá de ser destruído

O mundo à beira do caos

Miguel Urbano Rodrigues

A crise do ca­pi­ta­lismo é tão pro­funda que até os lí­deres dos EUA e da União Eu­ro­peia e os ideó­logos do ne­o­li­be­ra­lismo as­sumem essa re­a­li­dade. Estão alar­mados por não en­xer­garem uma so­lução que possa deter a cor­rida para o abismo. Es­forçam-se sem êxito para que apa­reça luz no fim do túnel.

Evitar que os ci­da­dãos pensem é uma ta­refa per­ma­nente dos media

Apesar das con­tra­di­ções exis­tentes, os EUA e as grandes po­tên­cias da União Eu­ro­peia pu­seram fim às guerras inter-im­pe­ri­a­listas – como a de 1914-18 e a de 1939-45 – subs­ti­tuindo-as por um im­pe­ri­a­lismo co­lec­tivo, sob a he­ge­monia norte-ame­ri­cana, que as des­loca para países do cha­mado Ter­ceiro Mundo sub­me­tidos ao saque dos seus re­cursos na­tu­rais.

Mas a evo­lução da con­jun­tura mun­dial de­monstra também com cla­reza que a crise do ca­pital não pode ser re­vol­vida no quadro de uma «trans­na­ci­o­na­li­zação global», tese de­fen­dida por Toni Negri e Hardt no seu po­lé­mico livro em que negam o im­pe­ri­a­lismo tal como o de­finiu Le­nine. Entre os EUA e a União Eu­ro­peia (e os países emer­gentes da Ásia e da Amé­rica La­tina) existe um abismo his­tó­rico que não foi nem pode ser eli­mi­nado em tempo pre­vi­sível.

A cres­cente in­ter­na­ci­o­na­li­zação da gestão não de­sem­boca au­to­ma­ti­ca­mente na glo­ba­li­zação da pro­pri­e­dade. O Es­tado trans­na­ci­onal, a que as­piram uma ONU ins­tru­men­ta­li­zada, o FMI, o Banco Mun­dial e a OMC é ainda uma as­pi­ração dis­tante do sis­tema de poder.

O caos em que o mundo está cair ilu­mina o de­ses­pero do ca­pital pe­rante a crise pela qual é res­pon­sável.

A as­censão ga­lo­pante da di­reita ne­o­li­beral ao go­verno em países da União Eu­ro­peia res­sus­cita o fan­tasma da as­censão do fas­cismo na Re­pú­blica de Weimar. A His­tória não se re­pete porém da mesma ma­neira e é im­pro­vável que a ex­trema-di­reita se ins­tale no poder no Velho Mundo. Mas a ir­ra­ci­o­na­li­dade do as­salto à razão é uma re­a­li­dade.

O jogo do di­nheiro nas bolsas é hoje muito mais im­por­tante na acu­mu­lação de gi­gan­tescas for­tunas do que a pro­dução. O papel dos «mer­cados» – eu­fe­mismo que de­signa o fun­ci­o­na­mento da en­gre­nagem da es­pe­cu­lação nas ma­no­bras do ca­pital – tornou-se de­ci­sivo no de­sen­ca­de­a­mento de crises que levam à fa­lência países da União Eu­ro­peia. Uma sim­ples de­cisão do gestor de «uma agência de no­tação» pode de­sen­ca­dear o pâ­nico em vastas áreas do mundo.

O surto de vi­o­lência em bairros de­gra­dados de Lon­dres, Bir­mingham, Man­chester e Li­ver­pool alarma a In­gla­terra de Ca­meron e mo­tiva nas te­le­vi­sões e jor­nais ditos de re­fe­rência tor­rentes de in­ter­pre­ta­ções dis­pa­ra­tadas de so­ció­logos e psi­ca­na­listas que falam como porta-vozes da classe do­mi­nante.

Em Washington, con­gres­sistas in­flu­entes ma­ni­festam o temor de que o «fe­nó­meno bri­tâ­nico» alastre aos EUA e, nos guetos das suas grandes ci­dades, jo­vens la­tinos e ne­gros imitem os das mi­no­rias da Grã-Bre­tanha, es­ti­mu­lados por men­sa­gens e apelos no Twitter e no Fa­ce­book.

 

Ma­ni­pular cons­ci­ên­cias

 

Mas en­quanto a po­breza e a mi­séria au­mentam, in­cluindo nos países mais ricos, a crise não afecta os ban­queiros e os ges­tores das grandes em­presas. Se­gundo a re­vista For­tune, as for­tunas de 357 mul­ti­mi­li­o­ná­rios ul­tra­passam o PIB de vá­rios países eu­ro­peus de­sen­vol­vidos.

Nos EUA, na Ale­manha, na França, na Itália os de­ten­tores do poder pro­clamam que a de­mo­cracia po­lí­tica atingiu um pa­tamar su­pe­rior nas so­ci­e­dades de­sen­vol­vidas do Oci­dente. Mentem. A cen­sura à moda an­tiga não existe. Mas foi subs­ti­tuída por um tipo de ma­ni­pu­lação das cons­ci­ên­cias eficaz e per­verso. Os factos e as no­tí­cias são se­lec­ci­o­nados, apre­sen­tados, va­lo­ri­zados ou des­va­lo­ri­zados, mu­ti­lados e dis­tor­cidos, de acordo com as con­ve­ni­ên­cias do grande ca­pital. O ob­jec­tivo é im­pedir os ci­da­dãos de com­pre­ender os acon­te­ci­mentos de que são tes­te­mu­nhas e o seu sig­ni­fi­cado.

Os jor­nais e as ca­deias de te­le­visão nos EUA, na Eu­ropa, no Japão, na Amé­rica La­tina de­dicam cada vez mais es­paço ao «en­tre­te­ni­mento» e menos a grandes pro­blemas e lutas so­ciais e ao en­ten­di­mento do mo­vi­mento da His­tória pro­funda.

Os temas im­postos pelos edi­tores e pro­gra­ma­dores – agentes mais ou menos cons­ci­entes do ca­pital – são con­cursos ali­e­nantes, a vi­o­lência em múl­ti­plas frentes, a droga, o crime, o sexo, a su­bli­te­ra­tura, o quo­ti­diano do jet set, a vida amo­rosa de prín­cipes e es­trelas, a apo­logia do su­cesso ma­te­rial, as fé­rias em lu­gares pa­ra­di­síacos, etc.

Evitar que os ci­da­dãos, for­ma­tados pela en­gre­nagem do poder, pensem, é uma ta­refa per­ma­nente dos media.

As cró­nicas de ci­nema, de te­le­visão, a mú­sica, a crí­tica li­te­rária re­flectem bem a at­mos­fera apo­dre­cida do tipo de so­ci­e­dade de­fi­nida como ci­vi­li­zada e de­mo­crá­tica por aqueles que, co­lo­cados na cú­pula do sis­tema de poder, se pro­põem como as­pi­ração su­prema a mul­ti­plicar o ca­pital.

Em Por­tugal surgiu como ino­vação gro­tesca um clube de pen­sa­dores; os de­bates, mesas re­dondas e en­tre­vistas com dó­ceis co­men­ta­dores, mas­ca­rados de «ana­listas», são in­su­por­tá­veis pela ig­no­rância, hi­po­crisia e me­di­o­cri­dade da quase to­ta­li­dade desses ser­ven­tuá­rios do ca­pital. Contra-re­vo­lu­ci­o­ná­rios como Mário So­ares, An­tónio Bar­reto, Me­dina Car­reira, Jú­dice; for­ma­dores de opi­nião como Mar­celo Re­belo de Sousa, um in­to­xi­cador de mentes in­flu­en­ciá­veis que ex­plica o pre­sente e prevê o fu­turo como se fora o orá­culo de Delfos; jor­na­listas mo­delam his master voice, como Nuno Ro­geiro e Te­resa de Sousa; co­lu­nistas ar­ro­gantes que odeiam o povo por­tu­guês e a hu­ma­ni­dade, como Vasco Pu­lido Va­lente, pon­ti­ficam nos media imi­tando bruxos me­di­e­vais, ser­vindo o sis­tema em exer­cí­cios de ver­bor­reia que ofendem a in­te­li­gência.

O pri­meiro-mi­nistro e o seu lugar-te­nente Portas, exi­bindo pos­turas na­po­leó­nicas, pedem «sa­cri­fí­cios» e com­pre­ensão aos tra­ba­lha­dores en­quanto, sub­missos, aplicam o pro­jecto do grande ca­pital e cum­prem exi­gên­cias do im­pe­ri­a­lismo.

Desde o início do pri­meiro go­verno Só­crates, o que res­tava da he­rança re­vo­lu­ci­o­nária de Abril foi mais gol­peado e des­truído do que no quarto de sé­culo an­te­rior.

Ao Por­tugal em crise exige-se o pa­ga­mento de uma fac­tura enorme da crise maior em que se afunda o ca­pi­ta­lismo.


Obama sem más­cara

Nos EUA, pólo he­ge­mó­nico do sis­tema, o dis­curso do pre­si­dente Obama, des­po­jado das lan­te­joulas dos pri­meiros meses de go­verno, apa­rece agora como o de um po­lí­tico dis­posto a todas as con­ces­sões para per­ma­necer na Casa Branca. A sua úl­tima ca­pi­tu­lação pe­rante o Con­gresso es­ti­lhaçou o que so­brava da más­cara de hu­ma­nista re­for­mador. Para que o Par­tido Re­pu­bli­cano per­mi­tisse au­mentar de dois bi­liões de dó­lares o tecto de uma dí­vida pú­blica as­tro­nó­mica – já su­pe­rior ao Pro­duto In­terno Bruto do país – aceitou manter in­to­cá­veis os pri­vi­lé­gios in­de­co­rosos usu­fruídos por uma classe do­mi­nante que paga im­postos ri­dí­culos e gol­pear du­ra­mente um ser­viço de Saúde que já era um dos pi­ores do mundo ca­pi­ta­lista. A con­tra­par­tida da de­bi­li­dade in­te­rior é uma agres­si­vi­dade cres­cente no ex­te­rior.

Cen­tenas de ins­ta­la­ções mi­li­tares es­ta­du­ni­denses foram se­me­adas pela Ásia, Eu­ropa, Amé­rica La­tina e África.

Mas «a cru­zada contra o ter­ro­rismo» não pro­duziu os re­sul­tados es­pe­rados. As agres­sões ame­ri­canas aos povos do Iraque e do Afe­ga­nistão pro­mo­veram o ter­ro­rismo em es­cala mun­dial em vez de o er­ra­dicar. Crimes mons­tru­osos foram co­me­tidos pela sol­da­desca ame­ri­cana no Iraque e no Afe­ga­nistão. O Con­gresso le­ga­lizou a tor­tura de pri­si­o­neiros. A «pa­ci­fi­cação do Iraque», onde a re­sis­tência do povo à ocu­pação é uma re­a­li­dade, não passa de um slogan de pro­pa­ganda. No Afe­ga­nistão, apesar da pre­sença de 140 000 sol­dados dos EUA e da NATO, a guerra está per­dida.

Os bom­bar­de­a­mentos de al­deias do No­ro­este do Pa­quistão por aviões sem pi­loto, co­man­dados dos EUA por com­pu­ta­dores, se­meiam a morte a des­truição, pro­vo­cando a in­dig­nação do povo da­quele país.


Per­versa fal­si­fi­cação da His­tória

O bom­bar­de­a­mento da So­mália (onde a fome mata di­a­ri­a­mente mi­lhares de pes­soas) por aviões da USAF e de tribos do Iémen que lutam contra o des­po­tismo me­di­eval do pre­si­dente Saleh tornou-se ro­ti­neiro. Como sempre, Washington acusa as ví­timas de li­ga­ções à Al Qaeda.

Na África, a ins­ta­lação do AFRICOM, um exér­cito ame­ri­cano per­ma­nente, e a agressão da NATO ao povo da Líbia con­firmam a mun­di­a­li­zação de uma a es­tra­tégia im­pe­rial.

O ter­ro­rismo de Es­tado emerge como com­po­nente fun­da­mental da es­tra­tégia de poder dos EUA.

Ob­vi­a­mente, Washington e os seus ali­ados da União Eu­ro­peia, tentam trans­formar o crime em vir­tude. Os pa­tri­otas que no Iraque, no Afe­ga­nistão, na Líbia re­sistem às agres­sões im­pe­riais são qua­li­fi­cados de ter­ro­ristas; os go­vernos fan­to­ches de Bagdad e Cabul es­ta­riam a en­ca­mi­nhar os povos ira­qui­anos e afegão para a de­mo­cracia e o pro­gresso; o Irão, ví­tima de san­ções, é acu­sado de ame­açar a se­gu­rança dos EUA e ame­a­çado de des­truição; o aliado ne­o­fas­cista is­ra­e­lense apre­sen­tado como uma de­mo­cracia mo­derna.

A per­versa fal­si­fi­cação da His­tória é hoje um ins­tru­mento im­pres­cin­dível ao fun­ci­o­na­mento de uma es­tra­tégia de poder mons­truosa que, essa sim, ameaça a Hu­ma­ni­dade e a pró­pria con­ti­nui­dade da vida na Terra.

O im­pe­ri­a­lismo acu­mula porém der­rotas e os sin­tomas do agra­va­mento da crise es­tru­tural do ca­pi­ta­lismo são ino­cul­tá­veis.

O ca­pi­ta­lismo, pela sua pró­pria es­sência, não é hu­ma­ni­zável. Terá de ser des­truído. A única al­ter­na­tiva que des­ponta no ho­ri­zonte é o so­ci­a­lismo. O des­fecho pode tardar. Mas a re­sis­tência dos povos à en­gre­nagem do ca­pital que os oprime cresce na Ásia, na Eu­ropa, na Amé­rica La­tina, na África. Eles são o su­jeito da His­tória e a vi­tória final será sua.

 

* Estes temas são tra­tados em pro­fun­di­dade pelo eco­no­mista ar­gen­tino Claudio Katz num livro a ser edi­tado bre­ve­mente.



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