- Nº 1973 (2011/09/22)
Comentário

Crise, desorientação e embustes

Europa

Image 8619

Setembro chegou com notícias de agravamento da situação das economias europeias. As estatísticas oficiais carregaram de negro as perspectivas, já de si sombrias, de há uns meses. A zona euro está praticamente estagnada. Confirma-se a recessão em Portugal, em franco aprofundamento. Na Grécia, os juros dos empréstimos a curto prazo rondam os 100 por cento, no mercado secundário. O país afunda-se, revelando os verdadeiros resultados e consequências do programa de «salvamento», de recorte idêntico ao aplicado a Portugal. Itália e Espanha, depois de emitirem dívida com juros recorde, vêem aproximar-se o prazo de vencimento de dívidas de largas dezenas de milhares de milhões de euros. E mesmo a Alemanha e a França enfrentam o espectro duma estagnação.

Nesta conjuntura é cada vez mais evidente a profunda desorientação em que mergulharam os principais responsáveis e instituições da UE. A incapacidade para resolverem a crise das dívidas soberanas é manifesta. Decisões apresentadas como soluções últimas e definitivas para a crise vão sucumbindo umas atrás das outras, resistindo cada vez menos tempo até ao próximo ataque dos especuladores. As soluções, no quadro do sistema, escasseiam – o que vai expondo, de forma cada vez mais evidente, os seus limites e contradições. A natureza reaccionária e os objectivos do processo de integração (capitalista) emergem com maior clareza. Entretanto, há quem pareça apostado em iludir uns e outros...

Alguns, assumindo uma postura crítica relativamente à condução dos destinos da UE, denunciando hesitações, ou mesmo erros, dos actuais líderes europeus, acenam com soluções ditas alternativas e urgentes. Soluções que permitiriam o regresso ao «paraíso europeu» dos pais fundadores e dos inspirados líderes com verdadeira dimensão europeia. Presume-se que se refiram àqueles que, certamente guiados pelo grandiloquente ideal da solidariedade europeia, por exemplo, procederam a sucessivos alargamentos da CEE/UE ao mesmo tempo que lhe reduziam o orçamento.

 

Os eurobonds e outros embustes

 

Dos conservadores e liberais à social-democracia (em Portugal: do CDS ao BE, passando pelo PSD e PS), de todos os lados vêm apelos à criação dos chamados eurobonds ou euro-obrigações. Um conhecido articulista da praça, ex-bloquista e ainda deputado no Parlamento Europeu, chegou a proclamar urbi et orbi que a criação de eurobonds, só por si, acabaria com a crise em poucas semanas. A própria Comissão Europeia (quem sabe se ouvindo-o...) diz ter já pronta uma proposta nesse sentido.

Não negando que, no imediato, a existência deste instrumento poderia permitir a certos estados, como Portugal, financiarem-se a taxas de juro mais favoráveis do que as que lhes são actualmente impostas (o que sempre se poderia conseguir de outras formas), a questão de fundo é outra. Por um lado, as dívidas têm causas estruturais – que os entusiastas dos eurobonds parecem esquecer (e nas quais não querem tocar!). Causas indissociáveis das assimetrias e desequilíbrios inerentes ao processo de integração (capitalista) europeia, entre as quais avulta a destruição dos sistemas produtivos mais débeis. Por outro lado, os eurobonds seriam o pretexto (assumido) para novos avanços no federalismo e para uma nova cavalgada sobre as soberanias nacionais. Um caminho que foi sendo consagrado nos tratados e que, percorrido nas últimas duas décadas, sempre levou ao agravar das causas estruturais acima referidas e dos seus efeitos.

No coro de apelos para uma maior integração económica e política, para uma maior harmonização de políticas (fiscais, orçamentais, etc.), entram auto-proclamados europeístas de todos os matizes.

A chamada governação económica e a ideia da criação de um ministro das finanças europeu são já expressão concreta (mas não acabada) desta pulsão federalista, que visa reduzir a quase nada as soberanias nacionais e, com elas, a própria democracia. Amarrando de pés e mãos os países e os seus povos, alargando o poder e as esferas de acção do directório que comanda os destinos da UE. Eternizando a ingerência, a submissão e o saque.

Se dúvidas restassem, Trichet, governador do BCE, dizia há dias em Bruxelas: «Os eurobonds reduzirão por certo significativamente (ainda mais) a margem de manobra dos estados em diversos domínios». Dias depois, Oettinger, o grotesco comissário alemão, sugeria que os governos nacionais dos países faltosos fossem substituídos por técnicos competentes das instituições europeias. A afirmação suscitou justificada indignação. Mas entre os indignados estão alguns dos que, pelo que vêm defendendo, parecem querer viabilizar esse caminho...