Comentário

Contradições agudizadas

Maurício Miguel

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Longe de ser apenas uma crise das dí­vidas so­be­ranas, do euro ou da zona euro, a crise da UE de­corre da na­tu­reza do pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista, do apro­fun­da­mento do rumo ne­o­li­beral, fe­de­ra­lista e mi­li­ta­rista da UE que a tem ca­rac­te­ri­zado. Ali­men­tada por uma grande cam­panha de ma­ni­pu­lação ide­o­ló­gica, o mo­mento é de grande com­ple­xi­dade, po­dendo ali­mentar so­lu­ções po­lí­ticas e gerar de­sen­vol­vi­mentos rá­pidos ex­tre­ma­mente pe­ri­gosos.

Mesmo uti­li­zando os cri­té­rios ca­pi­ta­listas, a eco­nomia real está con­traída ou em re­cessão, par­ti­cu­lar­mente a ac­ti­vi­dade in­dus­trial e agrí­cola. Em­bora se es­pere que os vinte bancos eu­ro­peus de maior ca­pi­ta­li­zação au­mentem os seus lu­cros em mais seis por cento do que os re­sul­tados re­corde al­can­çados em 2006, a ameaça pende sobre al­guns deles, no­me­a­da­mente os mais ex­postos à dí­vida grega (ale­mães e fran­ceses). Grandes em­presas de di­versos sec­tores eco­nó­micos estão em risco de fa­lência. O de­sem­prego con­tinua a atingir ní­veis muito ele­vados, assim como o nú­mero de em­presas a en­cerrar, so­bre­tudo PME. Os baixos sa­lá­rios re­la­ti­va­mente à ri­queza pro­du­zida e a re­dução do poder de compra dos tra­ba­lha­dores, assim como a sua re­sis­tência ao au­mento da ex­plo­ração, li­mitam a acu­mu­lação ca­pi­ta­lista. A es­cassez de fontes de energia pri­mária das quais a UE de­pende for­te­mente acentua-se, re­flec­tindo-se na eco­nomia real e na re­dução das pers­pec­tivas de pro­dução fu­turas. Acentua-se a in­ge­rência e as guerras como re­curso das grandes po­tên­cias da UE na com­pe­tição im­pe­ri­a­lista pelo do­mínio de im­por­tantes re­cursos na­tu­rais, par­ti­cu­lar­mente do pe­tróleo (como na Líbia), mas também de terras ará­veis e de im­por­tantes re­cursos hí­dricos.

As grandes em­presas acu­mulam lu­cros enormes mas não os in­vestem, pre­ferem des­truir forças pro­du­tivas através do en­cer­ra­mento de em­presas, des­pe­di­mento de tra­ba­lha­dores e re­dução brutal das suas con­quistas so­ciais.

Apro­funda-se a fi­nan­cei­ri­zação do sis­tema de pro­dução ca­pi­ta­lista, a es­pe­cu­lação e o do­mínio do ca­pital fi­nan­ceiro, es­ti­mu­lados pelo Pacto de Es­ta­bi­li­dade, o euro e o BCE «in­de­pen­dente», o Mer­cado In­terno e a livre cir­cu­lação de ca­pi­tais, os pa­raísos fis­cais... Chan­ta­geia-se os países de eco­no­mias mais frá­geis, como a Grécia, Por­tugal e Ir­landa e até mesmo de grandes países como a Itália, a Es­panha e mesmo a França. Ali­mentou-se a dí­vida em pe­ríodo de cres­ci­mento com cré­dito fácil, ala­van­cada pela in­tro­dução do euro, não tendo em conta nem a pro­dução, nem a cri­ação de ri­queza nem a ca­pa­ci­dade de a pagar. Agora exigem o pa­ga­mento da «dí­vida» e do ser­viço da «dí­vida» como se a UE e an­te­ri­ores e ac­tuais go­vernos não fossem res­pon­sá­veis por esse rumo. Um rumo de de­sastre que a não ser pa­rado con­du­zirá à ex­torsão de muitos mi­lhares de mi­lhões, sem nunca serem su­fi­ci­entes. A in­ca­pa­ci­dade para pagar a dí­vida da Grécia pa­rece ser imi­nente, o fu­turo do euro é mais do que in­certo.

As al­te­ra­ções em curso na base da pro­dução ca­pi­ta­lista na UE terão con­sequên­cias na su­pers­tru­tura po­lí­tica.

Su­cedem-se de­cla­ra­ções e even­tuais pro­postas de con­teúdo cen­tra­li­zador e pro­fun­da­mente re­ac­ci­o­ná­rias. A cha­mada «go­ver­nação eco­nó­mica» (re­ti­rada da com­pe­tência or­ça­mental às ins­ti­tui­ções so­be­ranas na­ci­o­nais), a in­tro­dução do li­mite ao dé­fice nas Cons­ti­tui­ções (eter­nizar as me­didas anti-so­ciais e li­mitar a ca­pa­ci­dade de de­sen­vol­vi­mento de cada país), a in­tro­dução de san­ções contra os países in­cum­pri­dores, a «re­ti­rada de parte da so­be­rania na­ci­onal» de um país «in­cum­pridor» em ma­téria de fi­nanças pú­blicas, como Merkel (Ale­manha) propôs, etc.

Todas elas con­fluem no au­mento brutal da ex­plo­ração e no re­tro­cesso so­cial para fazer sair o ca­pi­ta­lismo da crise em que está mer­gu­lhado; na re­ti­rada de so­be­rania na­ci­onal (poder de in­ter­venção de cada povo na de­cisão sobre o seu pre­sente e fu­turo de acordo com as suas as­pi­ra­ções e com as con­di­ções con­cretas do seu ter­ri­tório); na re­ti­rada de di­reitos, li­ber­dades e ga­ran­tias dos ci­da­dãos e no em­po­bre­ci­mento das li­ber­dades e dos di­reitos de­mo­crá­ticos. A questão que cada vez mais se co­loca é a da le­gi­ti­mi­dade desta UE e de quem a pro­cura le­gi­timar (go­vernos) quando ela afronta ser­viços mí­nimos de qual­quer de­mo­cracia con­creta. A re­boque da ten­ta­tiva de fazer es­quecer que na base de toda a cri­ação de ri­queza não está o ca­pital fi­nan­ceiro mas os tra­ba­lha­dores, pro­cura-se fazer es­quecer que não há de­mo­cracia quando o poder se con­centra nas mãos da oli­gar­quia fi­nan­ceira que uti­liza a UE para impor os seus in­te­resses contra os tra­ba­lha­dores e os povos.



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