Milhares de milhões de euros saem de Portugal todos os anos

É preciso estancar o saque ao País

A fuga de ca­pi­tais e as leis e normas que a per­mitem e in­cen­tivam, ao nível na­ci­onal e in­ter­na­ci­onal, servem a acu­mu­lação ca­pi­ta­lista ao mesmo tempo que re­tiram aos países im­por­tantes re­cursos fun­da­men­tais ao seu de­sen­vol­vi­mento.

Em Por­tugal, o pro­blema atinge di­men­sões co­los­sais. Mas não é ine­vi­tável, como se de­mons­trou an­te­ontem no de­bate pú­blico pro­mo­vido pelo PCP Fuga de ca­pi­tais e o pro­grama de agressão – em­po­bre­ci­mento e de­la­pi­dação do País.

UE e go­vernos fazem leis que per­mitem a fuga de ca­pi­tais

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Je­ró­nimo de Sousa, que en­cerrou o de­bate, de­nun­ciou a «falta de von­tade po­lí­tica de su­ces­sivos go­vernos», que per­mitiu a «ma­nu­tenção e o de­sen­vol­vi­mento de uma vasta rede que faz com que ca­pi­tais, mais-va­lias re­a­li­zadas e di­vi­dendos dis­tri­buídos con­ti­nuem im­pu­ne­mente a fugir, com plena co­ber­tura legal, às res­pec­tivas res­pon­sa­bi­li­dades tri­bu­tá­rias». Está «quase tudo por fazer para im­pedir ou no mí­nimo li­mitar a fuga de ca­pi­tais», acres­centou.

E muito po­deria ser feito, a co­meçar pela apli­cação das vá­rias pro­postas que o PCP tem vindo a apre­sentar e que PS, PSD e CDS su­ces­si­va­mente re­jeitam. A pri­meira das quais, enun­ciou, é acabar com os pa­raísos fis­cais, «fonte cen­tral da evasão em grande es­cala com co­ber­tura legal e de di­versos crimes de bran­que­a­mento de ca­pi­tais». Os su­ces­sivos go­vernos do País não só se têm de­mi­tido de tomar qual­quer ini­ci­a­tiva neste sen­tido como «per­sistem em manter de portas abertas o pa­raíso fiscal da Ma­deira», por onde passam mi­lhares de mi­lhões de euros sem pagar qual­quer im­posto.

A tri­bu­tação, em sede de IRC, das mais-va­lias ge­radas pela venda de par­ti­ci­pa­ções so­ciais é ou­tras das pro­postas do Par­tido, adi­antou o Se­cre­tário-geral, acres­cen­tando que as hol­dings cri­adas pelos grandes grupos eco­nó­micos em pa­raísos fis­cais até podem ser le­gais, mas são ile­gí­timas. Os co­mu­nistas en­tendem ainda que os grupos eco­nó­micos or­ga­ni­zados em SGPS ou ou­tras fór­mulas ju­rí­dicas se­me­lhantes «não devem poder usar o ex­pe­di­ente do do­mi­cílio fiscal para con­ti­nu­arem a be­ne­fi­ciar de re­gimes de quase isenção tri­bu­tária». Se é cá que operam e que ame­a­lham ele­vados lu­cros é cá que devem pagar.

No que res­peita aos con­tratos de in­ves­ti­mento es­tran­geiro em Por­tugal, o PCP de­fende que sejam as­se­gu­rados «ní­veis sig­ni­fi­ca­tivos de rein­ves­ti­mento e de apli­cação dos di­vi­dendos no nosso País». Assim se li­mi­taria a ac­tual ex­por­tação da «es­ma­ga­dora mai­oria das mais-va­lias ge­radas pelo in­ves­ti­mento di­recto es­tran­geiro».

 

Re­jeitar o pacto de agressão

 

Adi­an­tando que estas me­didas per­mi­ti­riam «no ime­diato es­tancar o saque dos re­cursos na­ci­o­nais», Je­ró­nimo de Sousa re­co­nheceu que a con­cre­ti­zação deste ob­jec­tivo passa pela«re­jeição do pacto de agressão que está em curso». Um pacto que, através do pa­cote de pri­va­ti­za­ções que prevê, se as­sume também ele como «as­pi­rador de re­cursos e pa­tri­mónio» na­ci­o­nais.

Pro­pondo uma re­jeição global da po­lí­tica que o pacto com­porta e si­mul­ta­ne­a­mente a re­cusa da con­cre­ti­zação de cada uma das suas po­lí­ticas, o Se­cre­tário-geral do PCP adi­antou as pro­postas do Par­tido: re­ne­go­ci­ação da dí­vida pú­blica (cujos juros al­can­çarão nos pró­ximos anos mais de 30 mil mi­lhões de euros); fim do pro­cesso de pri­va­ti­za­ções e re­cu­pe­ração para as mãos do Es­tado de em­presas e sec­tores es­tra­té­gicos; re­cusa das po­lí­ticas de agra­va­mento da ex­plo­ração; aposta na pro­dução na­ci­onal.

Enfim, con­cluiu, «impõe-se uma nova po­lí­tica, uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda», que re­jeite com fir­meza pres­sões e in­ge­rên­cias ex­ternas, faça frente à chan­tagem dos «mer­cados» e dê so­lução aos pro­blemas na­ci­o­nais.

 

País de­la­pi­dado

 

Tanto na in­ter­venção de Je­ró­nimo de Sousa como em muitas das ou­tras con­tri­bui­ções foi de­nun­ciada a co­lossal di­mensão da fuga de ca­pi­tais e as di­versas formas pelas quais ocorre. Uma das prin­ci­pais é o cres­cente do­mínio da eco­nomia por­tu­guesa por em­presas e in­te­resses es­tran­geiros. Como afirmou Je­ró­nimo de Sousa, «tanto no plano da cha­mada eco­nomia real como no plano fi­nan­ceiro, todos os anos ren­di­mentos ge­rados em Por­tugal são di­rec­ta­mente trans­fe­ridos para o ex­te­rior».

Fer­nando Se­queira, do Se­cre­ta­riado da Co­missão de As­suntos Eco­nó­micos do PCP, fez um ba­lanço da pre­sença do ca­pital es­tran­geiro em Por­tugal que, na úl­tima dé­cada, é «cla­ra­mente ne­ga­tivo». Uma das ra­zões desta ava­li­ação é pre­ci­sa­mente o facto de o saldo entre as en­tradas e as saídas de ca­pital ter sido sempre ne­ga­tivo para o País.

José Lou­renço, do mesmo or­ga­nismo, re­feriu-se ao «in­ves­ti­mento di­recto por­tu­guês no es­tran­geiro», que em muitos casos não é mais do que apli­ca­ções fi­nan­ceiras em off-shores – tanto nos menos co­nhe­cidos, como as Ba­amas, as Ber­mudas, as Ilhas Caimão ou a ilha Jersey, como na Ho­landa, Ir­landa, Lu­xem­burgo ou Suíça.

Ilda Fi­guei­redo, do Co­mité Cen­tral e de­pu­tada ao Par­la­mento Eu­ropeu, acusou a União Eu­ro­peia de ser um ins­tru­mento do ca­pi­ta­lismo e de usar da hi­po­crisia «para ci­dadão eu­ropeu ver». Já inú­meras vezes foram de­ba­tidos e apro­vados re­la­tó­rios sobre fuga de ca­pi­tais, cor­rupção e off-shores, sem que nada de con­creto tenha daí saído.

Par­ti­ci­param ainda no de­bate, entre ou­tros, Ri­cardo Oli­veira, Carlos Car­va­lhas, Oc­távio Tei­xeira, Vaz de Car­valho e Eu­génio Rosa. Sérgio Ri­beiro, au­sente do País, en­viou a sua re­flexão.


 

O roubo em nú­meros

 

  • Desde o início do ano saíram do País para off-shores 6,6 mi­lhões de euros por dia;

  • Em fi­nais de 2009, en­ti­dades por­tu­guesas ti­nham in­ves­tidos em off-shores (in­cluindo-se aqui Ho­landa, Ir­landa, Lu­xem­burgo e Suíça) pelo menos 65 mil mi­lhões de euros;
  • Das 20 em­presas do PSI-20, 19 têm a sua sede fiscal na Ho­landa. São os casos, entre ou­tros, da GALP, da PT ou da EDP;
  • Nos úl­timos 15 anos, Por­tugal trans­feriu para o ex­te­rior, em di­vi­dendos, juros e ou­tros ren­di­mentos, 51 mil mi­lhões de euros;
  • Entre 1996 e 2010 só dois por cento do in­ves­ti­mento es­tran­geiro foi afecto à cri­ação de novos pro­jectos ou em­presas.

 

Lu­cros mi­li­o­ná­rios não pagam im­posto

O caso exem­plar da Vivo


Coube a Vasco Car­doso, da Co­missão Po­lí­tica, abrir o de­bate com a re­cor­dação de «um dos mai­ores ne­gó­cios de que há me­mória no sector das te­le­co­mu­ni­ca­ções»: a venda há pouco mais de um ano da par­ti­ci­pação da PT na Vivo à Te­le­fo­nica es­pa­nhola. A ope­ração fez-se pela «as­tro­nó­mica quantia de 7,5 mil mi­lhões de euros», sendo que a PT tinha ad­qui­rido essa par­ti­ci­pação 12 anos antes por cerca de mil mi­lhões.

Este «lucro fa­bu­loso» de seis mil mi­lhões de euros «não pagou um cên­timo se­quer de im­posto», de­nun­ciou o di­ri­gente do PCP. Como? Sim­ples: a par­ti­ci­pação da PT na Vivo era de­tida por uma em­presa com do­mi­cílio fiscal na Ho­landa, a Bra­sicel BV, per­ten­cente à PT,SGPS. Essa em­presa, que forma com a PT uma só uni­dade em­pre­sa­rial, ficou isenta, na Ho­landa, de pagar im­posto sobre as mais-va­lias de­cor­rentes da venda da Vivo e, numa fase pos­te­rior, esses lu­cros foram trans­fe­ridos da su­cursal ho­lan­desa para a em­presa-mãe «sempre sem pagar um cên­timo de im­posto sobre lu­cros».

Mas o es­cân­dalo não ter­minou aqui. A rede «mon­tada para isentar de tri­bu­tação este tipo de ren­di­mentos pros­se­guiu até à dis­tri­buição efec­tiva dos lu­cros, isto é, dos di­vi­dendos das em­presas-mãe pelos seus ac­ci­o­nistas», pros­se­guiu Vasco Car­doso. Dos 6 mil mi­lhões de euros, a PT dis­tri­buiu cerca de 1,5 mil mi­lhões pelos seus ac­ci­o­nistas, como o BES, a CGD, a On­going, o Grupo Vi­sa­beira ou a Con­tro­lin­veste. Tra­tando-se de lu­cros de so­ci­e­dades ges­toras de par­ti­ci­pa­ções so­ciais (SGPS), con­ti­nu­aram isentos de tri­bu­tação.

A an­te­ci­pação da dis­tri­buição destes di­vi­dendos (tendo sido a PT se­guida por vá­rios ou­tros grandes grupos eco­nó­micos na­ci­o­nais) para uma vez mais es­ca­parem sem tri­bu­tação foi o ca­pí­tulo final deste epi­sódio. Tudo isto se passou num mo­mento em que o Es­tado por­tu­guês era de­tentor das cha­madas golden shares e podia usar os seus po­deres es­pe­ciais para evitar este roubo de mi­lhões de euros ao País.

Como sa­li­entou Vasco Car­doso, este caso, não sendo único, é exem­plar das con­sequên­cias das pri­va­ti­za­ções para o País, da in­jus­tiça fiscal que reina em Por­tugal e do papel que as­sumem hoje os off-shores, na Ho­landa como na Ma­deira.