Comentário

Reflexões breves

João Ferreira

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1. A luta so­cial que ir­rompe por essa Eu­ropa fora de­sen­volve-se a par de uma in­tensa e per­sis­tente luta ide­o­ló­gica. Ambas são ex­pressão (nem sempre evi­dente) dos an­ta­go­nismos de classe que per­correm a so­ci­e­dade ca­pi­ta­lista.

2. Neste con­fronto, a União Eu­ro­peia não é mero ce­nário ou pano de fundo sobre o qual se de­sen­rola a luta. Ela é parte do con­fronto. Me­lhor di­zendo, é um ins­tru­mento ao ser­viço de um dos lados em con­fronto: o ca­pital fi­nan­ceiro trans­na­ci­onal, apá­trida (os cha­mados «mer­cados»), e o grande ca­pital na­ci­onal nos vá­rios es­tados-mem­bros, também apá­trida mas con­tando com os go­vernos e a bu­ro­cracia po­lí­tica na­ci­o­nais (e eu­ro­peia) como de­fen­sores e ges­tores dos seus ne­gó­cios. Contra os tra­ba­lha­dores, os seus di­reitos e o seu nível de vida.

Porque um pro­cesso de in­te­gração nunca é neutro. E este é um pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista.

3. Esta ca­rac­te­ri­zação, sim­ples (ou mesmo sim­plista), não ig­nora a com­ple­xi­dade do pro­cesso de in­te­gração, as suas múl­ti­plas di­men­sões e con­tra­di­ções. Mas as­si­nala, acima de tudo, as suas ca­rac­te­rís­ticas ma­tri­ciais, a sua ori­en­tação e os seus ob­jec­tivos nu­cle­ares. Que, no es­sen­cial (sa­cuda-se a pro­pa­ganda e a de­ma­gogia), per­sistem desde o fun­dador tra­tado de Roma até ao ac­tual tra­tado de Lisboa: as­se­gurar as con­di­ções para o de­sen­vol­vi­mento do ca­pi­ta­lismo na Eu­ropa (chamem-lhe eco­nomia de mer­cado ou o que qui­serem), forçar a acu­mu­lação ca­pi­ta­lista, con­tendo ou es­ma­gando (con­so­ante o per­mita a cor­re­lação de forças em cada mo­mento) as con­quistas do mo­vi­mento ope­rário, na Eu­ropa e em cada um dos seus países.

4. Às gran­di­lo­quentes e al­tis­so­nantes pro­cla­ma­ções, de agora e de sempre, so­brepõe-se a letra e o es­pí­rito dos tra­tados, a acção das ins­ti­tui­ções, as po­lí­ticas con­cretas postas em marcha. São estes os ali­cerces sobre os quais as­senta a UE. Por esta razão, di­zemos que a crise do ca­pi­ta­lismo, na UE, é a crise da pró­pria UE. Por esta razão, di­zemos que esta UE não é re­for­mável. E que será sobre as suas ruínas que se con­cre­ti­zará es­soutro ob­jec­tivo pelo qual lu­tamos: a Eu­ropa dos tra­ba­lha­dores e dos povos.

5. Diz assim o Pro­grama do PCP: «A in­ter­na­ci­o­na­li­zação da eco­nomia, a pro­funda di­visão in­ter­na­ci­onal do tra­balho, a cres­cente co­o­pe­ração entre es­tados e os pro­cessos de in­te­gração cor­res­pondem (...) a re­a­li­dades e ten­dên­cias de evo­lução não ex­clu­sivas do ca­pi­ta­lismo. Em função da sua ori­en­tação, ca­rac­te­rís­ticas e ob­jec­tivos, tais pro­cessos podem servir os mo­no­pó­lios e as trans­na­ci­o­nais, ou podem servir os povos».

6. O dis­curso do­mi­nante (assim dito, porque fruto da ide­o­logia do­mi­nante e ao ser­viço dos ob­jec­tivos da classe do­mi­nante), pre­sente também na re­tó­rica de uma certa, auto-in­ti­tu­lada, «es­querda eu­ro­peísta», tem-se cen­trado no falso di­lema «mais in­te­gração» ou «de­sa­gre­gação» (sendo esta úl­tima in­va­ri­a­vel­mente iden­ti­fi­cada como a ca­la­mi­dade certa). O «mais Eu­ropa para en­frentar a crise» cons­titui uma va­ri­ante comum deste dis­curso. Mais in­te­gração e mais Eu­ropa querem dizer mais trans­fe­rência de poder para a UE e para as ins­ti­tui­ções eu­ro­peias, nova ca­val­gada sobre a so­be­rania dos povos e maior es­va­zi­a­mento das es­tru­turas de poder que lhes são pró­ximas e que (me­lhor) con­trolam.

7. A trans­fe­rência de poder ora é de­fen­dida aber­ta­mente, ora en­volta na de­fesa da ne­ces­si­dade de uma me­lhor co­or­de­nação. A co­or­de­nação é com frequência apre­sen­tada como um fim em si mesma. O es­sen­cial passa para um plano se­cun­dário: co­or­de­nação em quê e para quê? Em torno de que po­lí­ticas? É assim que as causas da crise são atri­buídas à «falta de co­or­de­nação», ob­nu­bi­lando-se o facto de re­si­direm sim, antes de mais, nas po­lí­ticas se­guidas.

8. A questão es­sen­cial é: a quem serve esta co­or­de­nação? Na­tu­ral­mente, aos mesmos a quem serve a União Eco­nó­mica e Mo­ne­tária, o Pacto de Es­ta­bi­li­dade e Cres­ci­mento, a cha­mada go­ver­nação eco­nó­mica ou o Pacto para o Euro Mais. Pensar ou afirmar o con­trário será pura ilusão ou al­dra­bice in­ten­ci­onal.

9. Cada perda de so­be­rania na­ci­onal – nos planos mo­ne­tário, or­ça­mental, fiscal ou co­mer­cial, para re­ferir al­guns dos exem­plos mais elu­ci­da­tivos – tem re­pre­sen­tado um avanço para o ca­pital (na­ci­onal e trans­na­ci­onal) e um recuo para os tra­ba­lha­dores, no plano dos di­reitos e das con­di­ções de vida. As ten­ta­tivas de sub­missão na­ci­onal em curso na UE (bem evi­dentes no pro­grama de agressão FMI-UE em Por­tugal, como na Grécia) re­pre­sentam, assim, in­dis­cu­ti­vel­mente, uma forma de opressão de classe que vem sendo exer­cida sobre os tra­ba­lha­dores e os povos.



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