- Nº 1978 (2011/10/27)
Dura luta em condições adversas

Direitos ameaçados nos seguros

Temas

Apelando à luta sectorial para impedir a caducidade do Contrato Colectivo de Trabalho e em plena fase negocial, o Sindicato Nacional dos Profissionais de Seguros e Afins (Sinapsa) trava uma dura luta, enquanto sindicato independente, num sector marcado por uma progressiva perda de direitos e aumento da precariedade.

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Explicando os obstáculos que têm sido ultrapassados, num paciente e insistente trabalho sindical de esclarecimento sobre as graves consequências dos acordos patronais com os sindicatos da UGT, e apresentando propostas para inverter os acentuados retrocessos, no plano dos direitos laborais, daí decorrente, os dirigentes do Sinapsa José Martins, Luís Matias e José Manuel Jorge explicaram ao Avante! como enfrentam as dificuldades no trabalho quotidiano junto dos trabalhadores.

 

Desde Julho, já tiveram sete reuniões negociais com o patronato sobre a revisão do Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) num sector sob forte influência dos sindicatos da UGT. Nos seus mais recentes documentos, o Sinapsa alerta para o perigo de patronato, STAS e Sisep virem a acordar a caducidade. Que direitos estão ameaçados e que consequências para os trabalhadores teria a destruição do CCT?

José Manuel Jorge (JMJ): Consideramos fundamental que o actual CCT só deixe de estar em vigor quando for acordado o que está em negociação. Estamos confrontados com a atitude da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), que requereu a caducidade do CCT e apresentou aos sindicatos uma proposta onde pouco restaria do actual clausulado. É uma estratégia e um jogo completamente viciado. As confederações patronais reivindicam a destruição de direitos laborais a tal ponto que estamos perante um ajuste de contas com tudo o que foi conquistado com o 25 de Abril de 1974.

A introdução do banco de horas e da mobilidade geográfica, o fim das promoções obrigatórias, dos prémios de antiguidade e da vigência do CCT são intenções da APS que nós rejeitamos em absoluto, pois toda esta lógica de revisão do CCT assenta no objectivo de desvalorizar o trabalho.

Jorge Martins (JM): Foi neste contexto que os sindicatos da UGT aceitaram trocar a aceitação do banco de horas por uma actualização da tabela salarial. O Sinapsa sempre recusará qualquer revisão de contrato que comprometa direitos adquiridos, mais ainda tratando-se da regulação dos horários de trabalho.

Fomos para o terreno e explicámos aos trabalhadores o que estava a acontecer, quais eram as intenções da UGT. Não aceitamos nem o banco de horas nem cortes nos suplementos, nem no prémio de antiguidade. É um prémio que existe desde 1938 e que a APS pretende alterar. Quem cumpre dez anos de serviço, inicia a compensação em dez por cento, somando mais um ponto percentual, a cada ano que passe. É um direito ao qual não têm acesso os novos trabalhadores, num sector que tem tido um grande rejuvenescimento.

JMJ: A associação patronal propõe, em sua substituição, um Plano Poupança Reforma, individual, e um prémio de permanência. É uma batota. O trabalhador receberia mais, a cada quinquénio, mas isso ficaria dependente de uma avaliação de desempenho que teria de ser positiva durante o mesmo período. Também apresentam, como suposta compensação, um aumento no desconto nos seguros dos trabalhadores.

 

Em que consiste esse plano individual de reforma que substituiria o prémio de antiguidade, em vigor, e quais seriam as suas consequências?

JM: Segundo dados do próprio patronato, o plano resultaria numa poupança, para as seguradoras, na ordem dos 5,8 milhões de euros anuais, num sector que declarou 420 milhões de euros de resultados de exploração, em 2010. Para os trabalhadores, trata-se de dinheiro que deixa de estar, como até aqui, disponível na remuneração mensal.

JMJ: As entidades patronais descontariam 3,27 por cento das remunerações para esse plano, e o trabalhador, se chegar à reforma, terá direito àquele dinheiro. Além de se tratar de uma retenção forçada, o trabalhador deixaria de poder contar, mensalmente, com esse valor, além de perder o prémio de antiguidade, com uma contradição de fundo que é o actual agravamento da precariedade dos vínculos laborais.

Luís Miguel Matias (LML): Tendo em conta a precariedade a aumentar, trata-se de um fundo de despedimento, consubstanciado neste plano individual de reforma. No fundo, estão a antecipar-se ao que as confederação patronais pretendem obter na concertação social.

 

Que consequências teria o fim das promoções obrigatórias?

JMJ: Resultaria em graves injustiças remuneratórias. Os trabalhadores ficariam longos anos retidos no mesmo escalão remuneratório. Decorre da lógica patronal, nesta revisão, que é meramente a redução do valor do factor trabalho.

 

Ouvimos falar muito no regime da «mobilidade especial» que o Governo pretende impor na Administração Pública. Terá semelhanças com esta proposta patronal de mobilidade geográfica?

JM: Algumas. Neste sector, até agora, um trabalhador não pode ser deslocado para postos de trabalho localizados a mais de cinquenta quilómetros da sua área de residência, sendo compensado com um subsídio de transporte. Pretendem substituir essa distância pela noção de «área metropolitana» que, como sabemos, em Lisboa e no Porto tem uma extensão de cem quilómetros. Além dos transtornos para a vida familiar, significaria mais um encargo mensal para os trabalhadores e acrescidas dificuldades e tempo perdido nessas longas distâncias, diariamente. Os sindicatos da UGT aceitaram esta nova cláusula.

 

O que significariam, em termos de cortes remuneratórios e de direitos, estas intenções patronais, face aos salários praticados no sector?

LMM: Há um factor fundamental a ter em conta nesta proposta. A precariedade tem aumentado muito na actividade, principalmente nas seguradoras de seguros de Saúde e nas empresas de assistência, para onde tem sido canalizado o trabalho que era da regularização e tratamento de sinistros. Actualmente, as quatro empresas de assistência envolvem cerca de 1300 trabalhadores. Além disso, cada seguradora tem os seus call-centers. Só o de Évora, do Grupo Caixa-Seguros, tem 43 trabalhadores. Todo o trabalho administrativo, como a emissão de apólices de seguros ou a abertura de processos por sinistro está a ser canalizado para serviços com trabalho precário. Nas empresas de assistência que reconhecem o CCT, a média salarial ronda os 700 euros. Mas já não é assim nas regularizadoras da Saúde. Cada regularização de um seguro de Saúde tem um processo de sinistro. As empresas de Saúde que gerem esses processos não cumprem o CCT, e os trabalhadores têm salários de 500 euros.

JM: Se entrasse em vigor o contrato do patronato e dos sindicatos da UGT, do actual CCT restariam oito cláusulas: direito de férias; dispensas no Natal e na Páscoa; subsídio de refeição; complemento de subsídio de doença; prémio de permanência; seguros de Saúde e vida; o plano individual de reforma; e os efeitos das promoções. Tudo o resto seria eliminado. E ainda pretendem permitir alterações ao CCT, sempre que ocorram alterações legislativas, permitindo uma aplicação imediata de tudo o que em sede de concertação social seja aprovado, deslegitimando a credibilidade das negociações sectoriais e os seus resultados.

 

Como é que essas posições dos sindicatos maioritários têm inflienciado as negociações com a APS?

JMJ: À terceira reunião, a APS pressionou-nos, avisando que havia um consenso com os sindicatos da UGT. O Sinapsa poderia propor, discutir, mas sabendo, de antemão, que o consenso existente é que ia vingar. Sempre que invocámos que a forma de condução dos trabalhos estava a ser manipulada, impuseram-nos as mesmas opções: ou assinamos o que pretendem, ou verão, depois de acordarem com os sindicatos da UGT, se reúnem ou não, à parte, com o Sinapsa.

Por duas vezes convidámos o STAS e o Sisep a reunirem connosco, para procurarmos conseguir alguma unidade nas propostas, mas os convites foram logo recusados. Ao fim da 5.ª reunião, voltámos a formular o pedido, tendo em conta as evidentes perdas que estão em causa com a actual revisão do contrato, e o convite voltou a ser declinado.

JM: Este sector tem obtido centenas de milhões de euros em lucros, os gestores de topo estão remunerados ao nível das grandes empresas europeias, mas os trabalhadores estão muito abaixo do que ganham os seus congéneres europeus. O Sinapsa não está disposto a vender os direitos dos trabalhadores em troca de qualquer migalha salarial.

LMM: Desde que o actual CCT entrou em vigor, em 1995, os sindicatos da UGT têm trocado direitos por migalhas salariais. Naquele ano, venderam um complemento de reforma que era completado pela entidade patronal para todos, havendo agora trabalhadores, com contratos precários, sem direito a esse complemento.

 

Há casos de repressão patronal a associados ou dirigentes do Sinapsa?

LMM: Temos um caso recente, na francesa Macif, antiga Sagres. Por ter difundido, através de e-mail, um dos nossos comunicados, sofreu um processo disciplinar, sem nota de culpa, foi punido com suspensão por dois dias, mudou de funções e perdeu o prémio de antiguidade. Reclamámos junto da inspecção do trabalho e a ACT foi ao local, há duas semanas, tendo levantado um auto à empresa.

  

Crescer intervindo

Num contexto de tanta adversidade, como intervém o Sinapsa para aumentar a sua influência e força?

LMM: Podemos afirmar que o Sinapsa é o único sindicato com uma intervenção quotidiana nos locais de trabalho. Obviamente que os outros dois sindicatos não querem mostrar aos trabalhadores o que propõem nas negociações. Uma vez por semana, desde que iniciámos estas negociações, emitimos um documento que é distribuído pelos delegados sindicais, nos locais de trabalho, secretária a secretária. É complementado com o envio electrónico para as moradas que temos, mas nada substitui o contacto pessoal com os trabalhadores e o esclarecimento. Depois de termos emitido os três primeiros documentos, os trabalhadores começaram a despertar para os problemas e agora já nos interpelam e pedem esclarecimentos. Assim temos conseguido mais sindicalizações.

Temos delegados em todas as maiores empresas do ramo e são muitos os trabalhadores e membros de comissões de trabalhadores que colaboram com os nossos representantes, divulgando as nossas propostas, dando um contributo muito importante para o aumento da nossa influência.

Os outros sindicatos, mesmo quando têm delegados sindicais, são desconhecidos dos trabalhadores por não trabalharem no terreno. Tentamos demonstrar aos associados daqueles sindicatos que estão a alimentar quem pretende destruir-lhes os direitos, e é esse o trabalho que continuaremos a desenvolver, chamando a atenção para o que podem perder e apelando para que se unam no Sinapsa. Temos aumentado os sócios entre as novas gerações, que vão tomando consciência do ataque aos seus direitos, vítimas da precariedade laboral e dos baixos salários. Esse é o grosso da sindicalização no nosso sindicato.

JMJ: A intensificação da divulgação das nossas posições, entregando os comunicados em mão, tem contribuído deveras para um maior esclarecimento dos trabalhadores. No dia 18, numa assembleia de delegados com a presença de membros de comissões de trabalhadores, decidimos marcar plenários, com concentrações diante das grandes e médias empresas do sector, em datas a anunciar brevemente.

Continuaremos este combate que, com a degradação das condições de vida e de trabalho da generalidade dos trabalhadores, vai sendo cada vez mais apoiado e compreendido.

JM: Quem luta pode não ganhar mas quem não luta perde sempre. Esta é a mensagem central que tentamos transmitir, num ambiente difícil, onde os ritmos de trabalho e as metas de produtividade impostas são brutais e impossíveis de cumprir; onde a avaliação de desempenho é um colete de forças e onde os trabalhadores sentem ter muito pouco tempo e condições para reflectirem sobre a importância de conhecerem os seus direitos e intervirem em sua defesa. Mas não têm alternativa que não seja a luta em unidade. Para isso, poderão sempre contar com o Sinapsa.

Luís Gomes (texto)
Inês Seixas (fotos)