Comentário

A estratégia da aranha

Ilda Figueiredo

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Mul­ti­plicam-se as in­ge­rên­cias do di­rec­tório eu­ropeu – so­bre­tudo da Ale­manha em re­pre­sen­tação dos in­te­resses do grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros – na vida dos es­tados que estão em si­tu­ação mais frágil, como a Grécia, Itália ou Por­tugal, onde se mantêm em re­gime per­ma­nente os tec­no­cratas de Bru­xelas e do FMI. Através deste pro­cesso, a di­reita mais ra­dical está a chegar aos go­vernos, como na Grécia e em Por­tugal, im­pondo as po­lí­ticas mais re­tró­gradas e cri­ando as con­di­ções para um re­forço da acu­mu­lação ca­pi­ta­lista sem pre­ce­dentes na era de­mo­crá­tica dos res­pec­tivos países.

Em toda esta es­tra­tégia do ca­pi­ta­lismo eu­ropeu, que tem uti­li­zado a União Eu­ro­peia como um seu ins­tru­mento fun­da­mental, está hoje mais vi­sível o seu papel, com as suas su­ces­sivas po­lí­ticas e prá­ticas. Foi, assim, apro­fun­dado o mo­delo de in­te­gração ca­pi­ta­lista, cada vez mais ne­o­li­beral, acom­pa­nhado da con­cen­tração e cen­tra­li­zação dos po­deres eco­nó­mico e po­lí­tico, des­va­lo­ri­zando a área so­cial, sa­cri­fi­cando a de­mo­cracia par­ti­ci­pa­tiva, a so­be­rania po­pular e o prin­cípio de es­tados so­be­ranos e iguais em di­reitos.

Uti­li­zando uma au­tên­tica es­tra­tégia da aranha, o ca­pital eu­ropeu foi cons­truindo a sua teia, en­vol­vendo cada vez mais os go­vernos e par­tidos sub­ser­vi­entes, da di­reita con­ser­va­dora e da so­cial de­mo­cracia, até apa­nhar as suas presas na teia de dí­vidas e com­pro­missos, o que lhe per­mite, agora, apo­derar-se do pa­tri­mónio e da ri­queza dos países de eco­no­mias mais frá­geis, trans­for­mados em au­tên­ticas co­ló­nias dos es­tados po­de­rosos, de­sig­na­da­mente da Ale­manha e dos seus grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros.

Sa­bemos bem como, hoje, grande parte dos pro­blemas que es­tamos a viver re­sultam da im­po­sição e da apli­cação de po­lí­ticas co­mu­ni­tá­rias que não ti­veram em conta as es­pe­ci­fi­ci­dades da eco­nomia por­tu­guesa, com des­taque para as po­lí­ticas co­muns nas áreas da agri­cul­tura, pescas e mo­ne­tária – a PAC, a PCP e o PEC –, a po­lí­tica co­mer­cial co­mu­ni­tária, as di­rec­tivas sobre o mer­cado único, im­pli­cando as li­be­ra­li­za­ções de sec­tores fun­da­men­tais, como os sec­tores fi­nan­ceiro e ener­gé­tico, os trans­portes, as te­le­co­mu­ni­ca­ções e os cor­reios. A isto acrescem as di­rec­tivas e ori­en­ta­ções ne­o­li­be­rais in­se­ridas na cha­mada Es­tra­tégia de Lisboa, in­cluindo a di­rec­tiva de ser­viços e a fle­xi­bi­li­dade la­boral, agora pros­se­guidas na «Es­tra­tégia Eu­ropa 2020».

Com a adesão ao euro, foi o im­pe­di­mento da uti­li­zação de al­guns ins­tru­mentos da nossa so­be­rania mo­ne­tária (como a po­lí­tica cam­bial e a taxa de juro), o que im­plicou que fi­cás­semos su­jeitos às po­lí­ticas mo­ne­tá­rias e aos cri­té­rios ir­ra­ci­o­nais de con­ver­gência no­minal do Pacto de Es­ta­bi­li­dade e Cres­ci­mento (PEC), obri­gando o país a con­vergir no­mi­nal­mente, sem que hou­vesse qual­quer pre­o­cu­pação com a eco­nomia real e o grau de de­sen­vol­vi­mento so­cial.

Estão aí as con­sequên­cias no agra­va­mento dos dé­fices agro-ali­mentar e tec­no­ló­gico, da ba­lança co­mer­cial, da pró­pria ba­lança de pa­ga­mentos e, é evi­dente, das dí­vidas pri­vada e pú­blica e da dí­vida ex­terna, além da au­tên­tica tra­gédia so­cial que está em marcha, com o de­sem­prego, a po­breza e o tra­balho pre­cário e mal pago, a re­gressão ci­vi­li­za­ci­onal nos di­reitos so­ciais e la­bo­rais, ao ar­repio da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa.

Para isso, também con­tri­buíram as su­ces­sivas po­si­ções de sub­ser­vi­ência dos go­vernos por­tu­gueses e das forças po­lí­ticas apoi­antes (PS, PSD e CDS) deste pro­cesso de des­truição das con­quistas da re­vo­lução de 25 de Abril de 1974, com as pri­va­ti­za­ções e a res­pec­tiva saída de di­vi­dendos para os grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros es­tran­geiros, que se apo­de­raram de partes sig­ni­fi­ca­tivas dos sec­tores bá­sicos da nossa eco­nomia.

Tudo isto pro­vocou o agra­va­mento das di­ver­gên­cias entre as eco­no­mias a nível da União Eu­ro­peia, com as mais fortes a impor-se às mais frá­geis, o que de­monstra bem como Por­tugal não de­veria ter en­trado para a zona euro. O grau de de­sen­vol­vi­mento da eco­nomia por­tu­guesa era muito di­fe­rente das eco­no­mias dos países mai­ores e mais prós­peros. A su­jeição à mesma po­lí­tica mo­ne­tária im­plicou uma ele­vada perda de com­pe­ti­ti­vi­dade. Mas agora o pro­blema não se re­solve com a mera saída do euro. A rup­tura e a mu­dança têm de ser muito mais pro­fundas, para apostar no au­mento da pro­dução, no con­trolo pú­blico dos sec­tores es­tra­té­gicos, na de­fesa e pro­moção dos ser­viços pú­blicos, na cri­ação de em­prego es­tável, numa re­par­tição e par­tilha justas dos ren­di­mentos e no pro­gresso so­cial.

Só uma ver­da­deira rup­tura per­mite criar as con­di­ções para uma mu­dança pro­funda nos mais di­versos as­pectos – ob­jec­tivos po­lí­ticos, pro­cessos ins­ti­tu­ci­o­nais, modo de fun­ci­o­na­mento, po­lí­ticas e par­ti­ci­pação po­pular.

Com as lutas em de­sen­vol­vi­mento, em Por­tugal e nos ou­tros países da União Eu­ro­peia, será pos­sível des­truir esta au­tên­tica es­tra­tégia da aranha que é a in­te­gração ca­pi­ta­lista da União Eu­ro­peia.



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