Breve memória de Alves Redol

José Casanova

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Co­nheci-o pes­so­al­mente no ano de 1965.

Eu tinha saído do Forte de Pe­niche e, por in­ter­médio de Redol e de um outro ca­ma­rada, Fran­cisco Louro, fui tra­ba­lhar para uma agência de pu­bli­ci­dade – Êxito – da qual o pri­meiro era di­rector ar­tís­tico e o se­gundo, di­rector ad­mi­nis­tra­tivo.

Ali tra­ba­lhavam ou­tras fi­guras des­ta­cadas da in­te­lec­tu­a­li­dade por­tu­guesa, por sinal também mi­li­tantes co­mu­nistas: Au­gusto da Costa Dias, que es­cre­vera pouco antes o seu no­tável en­saio «A crise da Cons­ci­ência Pe­queno-Bur­guesa – o na­ci­o­na­lismo li­te­rário da ge­ração de 90»; Al­berto Fer­reira, então en­tregue à ta­refa de pre­parar o seu tra­balho «Bom Senso e Bom Gosto – Questão Coimbrã» e Ale­xandre Ca­bral, que avan­çava na sua longa marcha ca­mi­liana.

Para mim, então um jovem de 25 anos, foi um des­lum­bra­mento co­nhecer tão re­le­vantes per­so­na­li­dades da nossa vida cul­tural, es­pe­ci­al­mente ver ao vivo e falar de viva voz com o autor de tantos li­vros que tanto ti­nham mar­cado a minha ado­les­cência e a minha ju­ven­tude: Gai­béus, Fanga, Avi­eiros, Marés, A Barca dos Sete Lemes, Bar­ranco de Cegos, Cons­tan­tino, Guar­dador de Vacas e de So­nhos…

Pode dizer-se que havia ali gente su­fi­ci­ente para cons­ti­tuir uma cé­lula do Par­tido… To­davia as coisas não fun­ci­o­navam exac­ta­mente como hoje fun­ci­onam: a vi­gi­lância pi­desca e a de­fesa do Par­tido im­pu­nham rí­gidas com­par­ti­men­ta­ções or­gâ­nicas e obri­gavam a mil cui­dados cons­pi­ra­tivos.

Coube-me a mim, por feliz cir­cuns­tância, a ta­refa – hon­rosa ta­refa – de es­ta­be­lecer e as­se­gurar o con­tacto par­ti­dário com Redol, de lhe fazer a en­trega re­gular da im­prensa do Par­tido; de re­ceber as suas quo­ti­za­ções e ou­tras con­tri­bui­ções fi­nan­ceiras…

Por aquela al­tura, a PIDE co­me­çara a exigir cau­ções, em regra de dez mil es­cudos, aos presos que ter­mi­navam o cum­pri­mento do seu tempo de pena: ou pa­gavam a caução ou per­ma­ne­ciam na prisão… e a Êxito, pela com­po­sição do seu quadro de pes­soal – para além dos mi­li­tantes co­mu­nistas, os que já re­feri e mais uns tantos, havia vá­rios amigos do Par­tido – era um es­paço pri­vi­le­giado para con­se­guir o di­nheiro ne­ces­sário para essas cau­ções.

Guardo na me­mória, como re­cor­dação im­pe­re­cível, esse tempo de mi­li­tância: as «reu­niões» que, então, fa­zíamos no ga­bi­nete de Redol: o di­rector e o em­pre­gado su­bal­terno, ali na con­dição comum aos dois de mi­li­tantes co­mu­nistas; ali dis­cu­tindo o Avante!, o Mi­li­tante ou ou­tros ma­te­riais do Par­tido que lhe en­tre­gara dias antes; ali de­ba­tendo a si­tu­ação que se vivia no País e no mundo; ali fa­lando de li­te­ra­tura; ali ci­men­tando uma ami­zade que só a morte do grande es­critor in­ter­rom­peria.

Vi Alves Redol, pela úl­tima vez, no Hos­pital de Santa Maria. Quase não con­ver­sámos porque o seu es­tado de saúde já não lho per­mitia.

Des­pedi-me dele no ce­mi­tério de Vila Franca de Xira – entre cargas das forças po­li­ciais e a re­sis­tência da enorme mul­tidão que ali se des­lo­cara.

E com um imenso adeus de ca­ma­ra­dagem, de ad­mi­ração, de ami­zade.



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