Medidas da troika para 2012 agravam recessão

Cegueira neoliberal do Governo está a destruir o País

Eugénio Rosa

Alan Gre­enspan, ex-pre­si­dente da Re­serva Fe­deral Ame­ri­cana, o banco cen­tral dos EUA, ao depor, em 2008, pe­rante uma co­missão do Se­nado ame­ri­cano con­fessou que a sua ce­gueira ide­o­ló­gica ne­o­li­beral o tinha im­pe­dido de tomar me­didas que evi­tassem a crise ini­ciada em 2007. Pe­rante a per­gunta do pre­si­dente da co­missão que o con­frontou da se­guinte forma: «Por ou­tras pa­la­vras, des­co­briu que a sua visão do mundo, a sua ide­o­logia, não es­tava cor­recta, não re­sul­tava», res­pondeu: «Pre­ci­sa­mente. Foi pre­ci­sa­mente por isso que fi­quei cho­cado, porque – du­rante 40 anos ou mais – andei con­ven­cido de que re­sul­tava ex­cep­ci­o­nal­mente bem».

A aná­lise das me­didas pre­vistas para 2012 cons­tantes do Me­mo­rando re­visto sem co­nhe­ci­mento e au­to­ri­zação da As­sem­bleia da Re­pú­blica, se forem im­ple­men­tadas, de­ter­mi­narão o agra­va­mento da re­cessão eco­nó­mica e um grave re­tro­cesso so­cial

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Apesar da res­pon­sa­bi­li­dade da ide­o­logia ne­o­li­beral na crise ac­tual, em Por­tugal está-se a as­sistir ac­tu­al­mente a uma si­tu­ação muito pa­re­cida. O Go­verno do PSD/​CDS, e no­me­a­da­mente o seu mi­nistro das Fi­nanças, cegos pela ide­o­logia ne­o­li­beral que os do­mina e uma troika es­tran­geira, estão a apro­veitar o es­tado de choque pro­vo­cado pelo pe­dido de res­gate feito por Só­crates, com o apoio do PS/​PSD/​CDS, para impor as so­lu­ções ul­tra­li­be­rais do FMI.

Numa en­tre­vista dada ao Diário Eco­nó­mico de 22.12.2011, o ar­ro­gante bu­ro­crata do FMI, Poul Thomsen, de­clarou que o «FMI está de mente aberta para su­a­vizar os ob­jec­tivos or­ça­men­tais se a si­tu­ação eco­nó­mica na Eu­ropa pi­orar». Por­tanto, o do­ente tem de ficar antes to­tal­mente des­truído para de­pois o «grande se­nhor« pensar em su­a­vizar os sa­cri­fí­cios exi­gidos. É tí­pico dos bu­ro­cratas sem co­ração do FMI que ao longo dos tempos, apro­vei­tando-se do poder do di­nheiro e de si­tu­a­ções de choque pro­vo­cadas pelas crises que têm atin­gido muitos países, têm im­posto aos povos «so­lu­ções» que os deixam em pior si­tu­ação do que aquela em que antes se en­con­travam.

E tudo isto em Por­tugal tem sido fa­ci­li­tado, por um lado, pela ac­tu­ação dos prin­ci­pais media e dos co­men­ta­dores com acesso pri­vi­le­giado a eles, que têm pro­cu­rado di­fundir a ideia junto da opi­nião pú­blica de que não existe al­ter­na­tiva, que a única e me­lhor so­lução é cum­prir as im­po­si­ções, que todos os meses são agra­vadas e, por outro lado, por um Go­verno sub­misso, por medo ou por con­vicção ide­o­ló­gica, sem von­tade e pen­sa­mento pró­prio, que se trans­formou numa au­tên­tica ma­ri­o­neta sub­missa às im­po­si­ções da troika es­tran­geira.

 

Uma po­lí­tica que só po­derá causar
uma des­truição ainda maior
da eco­nomia e da so­ci­e­dade por­tu­guesa

 

Entre 2010 e 2011, o Go­verno de Passos Co­elho e o trio es­tran­geiro FMI-BCE-CE pre­ten­diam re­duzir o dé­fice or­ça­mental de 16 863,5 mi­lhões de euros (9,8% do PIB) para 10 020,2 mi­lhões de euros (5,9% do PIB), ou seja, em 40% (6843,3 mi­lhões) num único ano. Apesar do País ter en­trado em re­cessão como con­sequência das me­didas de aus­te­ri­dade im­postas, aquele ob­jec­tivo não foi pos­sível de atingir, sendo o dé­fice or­ça­mental real no fim de 2011 de 12 737,8 mi­lhões de euros (7,5% do PIB). Para ocultar tal si­tu­ação, e para atin­girem fic­ti­ci­a­mente o dé­fice or­ça­mental de 5,9% uti­li­zaram in­de­vi­da­mente uma parte dos ac­tivos dos fundos de pen­sões dos ban­cá­rios. No en­tanto, apesar de 2011 ter mos­trado que uma po­lí­tica de re­dução do dé­fice com aquela di­mensão num único ano não é re­a­lista e está des­truir a eco­nomia e a so­ci­e­dade por­tu­guesas, mesmo assim o Go­verno e troika es­tran­geira ten­ci­onam in­sistir na mesma po­lí­tica em 2012.

Como consta do Me­mo­rando re­visto em De­zembro de 2011, à margem da As­sem­bleia da Re­pú­blica, em 2012 ten­ci­onam re­duzir o dé­fice or­ça­mental para 7556,9 mi­lhões de euros (4,5% do PIB) o que sig­ni­fica, em re­lação ao dé­fice real de 2011 (12 737,5 mi­lhões de euros), uma re­dução de 40,7%, ou seja, uma di­mi­nuição de 5180 mi­lhões de euros. É evi­dente que uma re­dução do dé­fice com esta di­mensão num único ano, de­pois da re­dução real ve­ri­fi­cada em 2011 de 4126 mi­lhões euros (2,3% do PIB), quando Por­tugal já se en­contra em plena re­cessão eco­nó­mica e os seus prin­ci­pais par­ceiros da União Eu­ro­peia já estão em pré-re­cessão, re­vela ou ce­gueira ide­o­ló­gica ou ir­res­pon­sa­bi­li­dade, ou então au­sência de qual­quer pre­o­cu­pação em re­lação à des­truição da eco­nomia e da so­ci­e­dade por­tu­guesas que isso ine­vi­ta­vel­mente cau­sará.

 

Me­didas para 2012 vão lançar o País
numa re­cessão ainda mais pro­funda

 

A aná­lise das me­didas pre­vistas para 2012 cons­tantes do Me­mo­rando re­visto sem co­nhe­ci­mento e au­to­ri­zação da As­sem­bleia da Re­pú­blica, no se­gredo dos ga­bi­netes, apenas pelo Go­verno e pelo trio es­tran­geiro FMI-BCE-CE, em De­zembro de 2011, re­vela que, se forem im­ple­men­tadas, de­ter­mi­narão o agra­va­mento da re­cessão eco­nó­mica e um grave re­tro­cesso so­cial.

A troika FMI-BCE-CE impôs, e o Go­verno de Passos Co­elho aceitou por con­vicção ou sub­missão, a re­dução dos sa­lá­rios do sector pú­blico em, pelo menos, 3000 mi­lhões de euros (ponto 1.8 do Me­mo­rando). Este corte, com esta di­mensão, vai de­ter­minar ine­vi­ta­vel­mente uma de­gra­dação dos ser­viços pú­blicos pres­tados à po­pu­lação (Edu­cação, Saúde, Se­gu­rança So­cial, etc.). Para além do corte nas re­mu­ne­ra­ções dos tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica, a troika es­tran­geira também impôs a re­dução das des­pesas com pen­sões em 1260 mi­lhões de euros (ponto 1.9 do Me­mo­rando) o que in­clui – para além da apro­pri­ação in­de­vida do sub­sídio de fé­rias e de Natal dos re­for­mados que, en­quanto tra­ba­lharam, des­con­taram para ter esse di­reito – também em 2012 o con­ge­la­mento das pen­sões de valor su­pe­rior a 485 euros (em 2011, todas as pen­sões foram con­ge­ladas). Se as­so­ci­armos a isto a re­dução para um terço das des­pesas de Saúde que po­derão ser des­con­tadas no IRS, o au­mento sig­ni­fi­ca­tivo das taxas mo­de­ra­doras, a re­dução dos isentos do pa­ga­mento dessas taxas, e a re­dução da de­dução es­pe­cí­fica no ren­di­mento que tem origem nas pen­sões para efeitos de IRS, ra­pi­da­mente con­clui-se que cen­tenas de mi­lhares de re­for­mados so­frerão em 2012 uma de­gra­dação acen­tuada nas suas con­di­ções de vida, que ati­rarão muitos para a po­breza.

A troika es­tran­geira também impôs que o Go­verno re­duza, em 2012, em 1000 mi­lhões de euros as des­pesas com a Saúde dos por­tu­gueses. Obe­di­en­te­mente, o Go­verno já co­meçou a im­ple­mentar me­didas, al­gumas delas bas­tante gra­vosas para os utentes. Assim, re­duziu as com­par­ti­ci­pa­ções ou eli­minou-as em muitos me­di­ca­mentos o que obriga, a quem pre­cise deles, a ter de pagar a to­ta­li­dade do preço; au­mentou as taxas mo­de­ra­doras, sendo a su­bida de 122% nas con­sultas dos Cen­tros de Saúde (passa de 2,25 euros para 5euros); de 108% nas ur­gên­cias hos­pi­ta­lares (sobe de 9,6 euros para 20 euros); de 100% em média nos exames mé­dicos. No en­tanto, a re­dução da des­pesa pú­blica em Saúde em 1000 mi­lhões € num único ano, como pre­tende o Go­verno e a troika es­tran­geira, não se obtém apenas com estes au­mentos; para con­se­guir uma tal re­dução cer­ta­mente muitas uni­dades de Saúde terão de ser fe­chadas e ter-se-á de re­a­lizar muitos cortes na pres­tação de Saúde. E Por­tugal é já um dos países da UE onde é mais ele­vada a parte que os utentes têm de pagar do seu bolso (se­gundo a OCDE, 35% das des­pesas com Saúde já são pagas, em Por­tugal, di­rec­ta­mente pelos utentes, que é um dos va­lores mais altos em toda a União).

Mas existem ou­tras re­du­ções da des­pesa pú­blica im­postas pelo duo Go­verno/troika. Por exemplo, em re­lação à Edu­cação o corte sobe de 224 mi­lhõe, como cons­tava no OE-2012, para 380 mi­lhões de euros (ponto 1.12), o que vai ter efeitos ne­ga­tivos no fun­ci­o­na­mento das es­colas; também ten­ci­onam re­duzir em 200 mi­lhões de euros o in­ves­ti­mento pú­blico (ponto 1.13), o que con­tri­buirá para o au­mento do de­sem­prego; pre­tendem baixar em 100 mi­lhões euros as trans­fe­rên­cias do OE des­ti­nadas a fi­nan­ciar pres­ta­ções so­ciais (ponto 1.14), o que fará au­mentar a po­breza; re­duzir em 175 mi­lhões as trans­fe­rên­cias para as Au­tar­quias (ponto 1.15 do Me­mo­rando), o que di­mi­nuirá a ca­pa­ci­dade destas para re­solver pro­blemas das po­pu­la­ções; cortar mais de 130 mi­lhões nas des­pesas pú­blicas com a jus­ti­fi­cação de au­mento da efi­ci­ência (ponto 1.16), em­bora não se diga onde e como será al­can­çado; etc., etc.

Em suma, o Me­mo­rando re­visto em De­zembro de 2011, à margem da As­sem­bleia da Re­pú­blica, é um gi­gan­tesco pacto de re­dução dos ser­viços pú­blicos es­sen­ciais à po­pu­lação vi­sando obrigar, quem pre­cisar deles, a pagá-los. E isto é feito si­mul­ta­ne­a­mente com um au­mento brutal dos im­postos em 3040 mi­lhões de euros, sendo 2040 mi­lhões de IVA (ponto 1.19); 265 mi­lhões de IRS (1.20); 180 mi­lhões em im­postos de con­sumo (1.22); 50 mi­lhões de euros de IMI (1.23); etc., a apro­pri­ação in­de­vida do sub­sí­dios de fé­rias e de Natal dos re­for­mados e apo­sen­tados e dos tra­ba­lha­dores do sector pú­blico, in­cluindo os das em­presas pú­blicas, o que pro­vo­cará uma re­dução acen­tuada dos ren­di­mentos no­mi­nais dos por­tu­gueses. Em suma, au­menta-se bru­tal­mente os im­postos e reduz-se sig­ni­fi­ca­ti­va­mente os ser­viços de Saúde e de Edu­cação pres­tados à po­pu­lação, as pres­ta­ções so­ciais des­ti­nadas a com­bater a po­breza e a fome, assim como os ren­di­mentos de todos os por­tu­gueses. É um au­tên­tico pro­grama de des­truição da so­ci­e­dade por­tu­guesa.

 

Agra­va­mento da crise pro­vo­cada pelo ca­pi­ta­lismo
para ga­rantir o pa­ga­mento aos cre­dores

 

A po­lí­tica de aus­te­ri­dade im­posta pela troika es­tran­geira FMI-BCE-CE, e exe­cu­tada pelo Go­verno PSD/​CDS, é uma po­lí­tica de classe que visa ga­rantir o pa­ga­mento aos cre­dores, que são os grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros, mesmo que isso seja à custa da des­truição da eco­nomia e da so­ci­e­dade por­tu­guesa, e de enormes sa­cri­fí­cios para a grande mai­oria dos por­tu­gueses. Em Por­tugal, a po­lí­tica de aus­te­ri­dade visa: (a) Uma re­dução sig­ni­fi­ca­tiva da des­pesa pú­blica, no­me­a­da­mente com as fun­ções so­ciais do Es­tado (Edu­cação, Saúde, Se­gu­rança So­cial, apoio aos de­sem­pre­gados, com­bate à po­breza) e com o in­ves­ti­mento pú­blico; (b) Um au­mento brutal dos im­postos e a apro­pri­ação, pelo Go­verno, do sub­sídio de fé­rias e do Natal que tem como ob­jec­tivo re­duzir o ren­di­mento no­minal dos tra­ba­lha­dores e pen­si­o­nistas; (c) Um im­posto pago aos pa­trões através da im­po­sição de tra­balho gra­tuito (cor­veia); (d) Uma re­dução drás­tica do cré­dito às em­presas e às fa­mí­lias através da re­dução do «rácio de trans­for­mação» e do au­mento do «rácio de ca­pital» (Tier I). Como con­sequência o agra­va­mento da re­cessão eco­nó­mica é ine­vi­tável, sendo o Go­verno obri­gado a cor­rigir para pior e con­ti­nu­a­mente as suas pre­vi­sões.

Assim, a va­ri­ação do PIB em 2012 se­gundo as pre­vi­sões do Go­verno tem sido a se­guinte: Em Set.2011: -1,8%; em Out.2011: -2,8%; e em Dez.2011: -3%. E cer­ta­mente a re­cessão eco­nó­mica será muito pior do que as pre­vi­sões do Go­verno.



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As des­pesas mi­li­tares dos Es­tados Unidos da Amé­rica são as mais altas do mundo1. Em 2011 terão ul­tra­pas­sado os 700 mil mi­lhões de dó­lares2. Entre 2001 e 2011 mais do que du­pli­caram, a preços cons­tantes. Em per­cen­tagem do PIB su­biram de cerca de 3% para mais de 5%. A China, com uma po­pu­lação cerca de quatro vezes maior, apre­senta a se­gunda maior des­pesa mi­litar mas a grande dis­tância dos EUA (cerca de um sexto)3.