A 27 de Janeiro de 1945

Soviéticos libertaram «Fábrica da Morte»

As­si­nala-se amanhã 67 anos sobre a li­ber­tação de Aus­chwitz pelo Exér­cito Ver­melho, o mais co­nhe­cido dos campos de ex­ter­mínio cons­truídos pelos nazis. Hor­ro­ri­zados com o ce­nário que en­con­traram, os so­vié­ticos de­no­mi­naram o com­plexo de «Fá­brica da Morte».

Em Aus­chwitz chegou-se a ani­quilar 6 mil seres hu­manos por dia

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A li­ber­tação de Aus­chwitz pelos so­vié­ticos vindos da frente ucra­niana ocorreu na tarde do dia 27 de Ja­neiro de 1945. Sete a oito mil pri­si­o­neiros per­ma­ne­ciam no campo, os úl­timos de um total de pelo menos um mi­lhão e tre­zentos mil que, entre 1940 e 1945, ali foram as­sas­si­nados. Es­cassos foram os que so­bre­vi­veram às câ­maras de gás, aos fornos cre­ma­tó­rios, ao tra­balho es­cravo, às tor­turas, ao ar­bí­trio sá­dico dos bil­tres, à ina­nição, ao frio, às do­enças, às ex­pe­ri­ên­cias ma­crabas nas quais seres hu­manos eram usados como co­baias.

Sendo o maior entre uma ex­tensa rede de campos es­pa­lhados pela Eu­ropa, Aus­chwitz era um com­plexo de três campos.

No início da cam­panha mi­litar des­ti­nada a impor uma nova ordem mun­dial que per­du­rasse mil anos, as au­to­ri­dades do III Reich man­daram cons­truir Aus­chwitz I com o ob­jec­tivo de en­car­cerar opo­si­tores po­lí­ticos. Os pri­meiros ocu­pantes, em Maio de 1940, foram ale­mães e po­lacos trans­fe­ridos dos campos de con­cen­tração de Sa­ch­se­nhausen, na Ale­manha, e de Lodz, na Po­lónia.

Ju­deus, mi­li­tantes co­mu­nistas, sin­di­ca­listas e an­ti­fas­cistas, de­mo­cratas e in­te­lec­tuais, ho­mos­se­xuais, ci­ganos, de­fi­ci­entes, tes­te­mu­nhas de Jeová, do­entes psi­quiá­tricos e in­di­ví­duos com com­por­ta­mentos que fu­gissem ao ideal-tipo do homem ariano, eram todos ini­migos do re­gime cri­mi­noso li­de­rado por Adolf Hi­tler. Da­chau, Sa­che­nhausen ou Bu­chenwald foram dos pri­meiros campos cons­truídos pela ca­nalha nazi.

No início de 1942, co­meçou a fun­ci­onar Aus­chwitz II (Aus­chwitz-Bir­kenau), uma am­pli­ação do pri­meiro campo. Em Ou­tubro de 1942 en­trou em fun­ci­o­na­mento o Aus­chwitz III, que mais tarde seria re­no­meado de Mo­nowitz. Este úl­timo campo era vo­ca­ci­o­nado para a ex­plo­ração ex­trema da mão-de-obra es­crava.

 

«So­lução final»

 

Es­tra­te­gi­ca­mente co­lo­cado no centro da Eu­ropa, As­chwitz-Bir­kenau foi o campo que mais pri­si­o­neiros ex­ter­minou, so­bre­tudo ju­deus (quase um mi­lhão num total de 2,7 mi­lhões de se­mitas mortos em todos os campos de ex­ter­mínio, e num total de seis mi­lhões li­qui­dados pelos nazis).

O as­sas­sínio nas câ­maras de gás foi ins­ti­tuído no final de 1941. Os testes com Zy­klon-B, usado para com­bater pragas, foram efec­tu­ados com su­cesso em so­vié­ticos e po­lacos. A partir de então, em Aus­chwitz-Bir­kenau e nou­tros campos se­me­lhantes, aquele era o prin­cipal ins­tru­mento de ex­ter­mínio.

Em Ja­neiro de 1942, du­rante a Con­fe­rência de Wannsee, os lí­deres nazis dis­cu­tiram em de­talhe a «Ope­ração Rei­nhardt» ou «so­lução final» da questão ju­daica, como di­ziam. Adolf Ei­ch­mann ad­mi­nis­trou o ho­lo­causto or­ga­ni­zado com mi­núcia. Rei­nhardt Hey­drich res­pondia pela co­or­de­nação geral.

A Aus­chwitz-Bir­kenau che­gava uma linha de com­boio cuja cir­cu­lação era inin­ter­rupta. Va­gões api­nhados des­car­re­gavam ví­timas a toda a hora e de todos os pontos da Eu­ropa ocu­pada e das ra­mi­fi­ca­ções nazis nos re­gimes vas­salos e ali­ados. Na Croácia fas­cista fun­ci­o­nava um outro campo de ex­ter­mínio, em Ja­se­novac.

Entre a che­gada a Aus­chwitz-Bir­kenau e a en­trada nas câ­maras de gás, após se­lecção dos aptos e inaptos para o tra­balho es­cravo, po­diam passar apenas duas horas.

A «Fá­brica da Morte» chegou a ani­quilar seis mil seres hu­manos por dia. Quando os fornos cre­ma­tó­rios não car­bo­ni­zavam os mi­lhares de ca­dá­veres com ce­le­ri­dade, os corpos eram em­pi­lhados e quei­mados ao ar livre.

 

Horror mul­ti­pli­cado

 

Nos úl­timos meses de 1944, face ao im­pa­rável avanço do Exér­cito Ver­melho, os nazis man­daram des­truir as câ­maras de gás e cre­ma­tó­rios de Aus­chwitz-Bir­kenau. A ocul­tação das provas dos crimes co­me­tidos não co­nheceu li­mites, e em Ja­neiro de 1945 tudo servia para matar pri­si­o­neiros.

A 17 desse mesmo mês foi dada ordem de eva­cu­ação dos três campos de Aus­chwitz. Mais de 60 mil pri­si­o­neiros foram obri­gados a mar­char dia e noite. Mi­lhares su­cum­biram pelo ca­minho ou foram aba­tidos. Nou­tros campos de con­cen­tração, tra­balho e ex­ter­mínio eva­cu­ados antes da che­gada das tropas ali­adas, cen­tenas de mi­lhares de pri­si­o­neiros foram igual­mente obri­gados a per­correr qui­ló­me­tros nas fa­mosas «Mar­chas da Morte».

Para além de Aus­chwitz-Bir­kenau, a Ale­manha nazi ins­talou ou­tros seis campos de­di­cados quase ex­clu­si­va­mente ou de­fi­ni­ti­va­mente ao ge­no­cídio. Em Chelmo, Maly Tros­te­nets, Maj­danek, Tre­blinka, Bełżec ou So­bibór exe­cutou-se mi­lhões de ini­migos do III Reich.

  

Ex­pe­ri­ên­cias cruéis e bi­zarras

 

Tal como nou­tros campos de con­cen­tração e ex­ter­mínio, também em Aus­chwitz-Bir­kenau o poder nazi or­denou ex­pe­ri­ên­cias cruéis e bi­zarras em seres hu­manos. No Bloco 10 do campo, Jo­seph Men­gele, res­pon­sável pela tri­agem dos pri­si­o­neiros en­vi­ados para ex­ter­mínio ou para tra­balho es­cravo, ficou co­nhe­cido como o «anjo da morte».

Usando seres hu­manos como co­baias, Men­gele testou a es­te­ri­li­zação em mu­lheres, in­jectou subs­tân­cias para mudar a cor dos olhos a cri­anças e bebés, am­putou e feriu para apurar mé­todos de es­tan­ca­mento de he­mor­ra­gias, co­lec­ci­onou mi­lhares de ór­gãos após ci­rur­gias vi­o­lentas e vi­vis­se­ca­ções, uniu gé­meos para tentar criar si­a­meses, in­jectou subs­tân­cias vá­rias para «tratar» o na­nismo, o sín­droma de Down ou a ho­mo­se­xu­a­li­dade.

Nos campos de Da­chau, Sa­ch­se­nhausen e Bu­chenwald, ho­mens eram mer­gu­lhados em tan­ques de água para testar os efeitos da hi­po­termia ou su­jeitos a com­pressão e des­com­pressão, ago­ni­zando en­quanto os car­rascos ti­ravam notas. Eram in­fec­tados com tifo, peste, lepra, có­lera, ou su­jeitos a ina­lação de pro­dutos tó­xicos.

As prá­ticas não eram mar­gi­nais ou ini­ci­a­tiva de um pu­nhado de sá­dicos, mas fi­nan­ci­adas e acom­pa­nhadas com in­te­resse e fas­cínio pelos má­ximos res­pon­sá­veis do III Reich. Foram pu­bli­cados ar­tigos e cri­ados ins­ti­tutos. As os­sadas de ju­deus, ci­ganos, mes­tiços ou de­fi­ci­entes eram en­vi­adas para Berlim para de­mons­tração da su­pe­ri­o­ri­dade da raça ariana. Em­presas sus­ten­tá­culo do poder nazi, como a IG Farben (Bayer), com­pravam seres hu­manos para os usar nos la­bo­ra­tó­rios.

  

Grande ca­pital lu­crou

 

No com­plexo de Aus­chwitz, o campo de Mo­nowitz fun­ci­o­nava fun­da­men­tal­mente como pólo de tra­balho for­çado. Deutsche- Ausrüs­tungs-Werk – DAW (em­presa de ar­ma­mento das SS), IG Farben-Bayer (que era também a for­ne­ce­dora do gás Zi­klon-B) ou Krupp foram al­gumas das em­presas que ali ins­ta­laram uni­dades ali­men­tadas pela mão-de-obra es­crava. A abun­dância col­ma­tava a ex­clusão se­manal dos inaptos e do­entes, ime­di­a­ta­mente sen­ten­ci­ados à morte. A es­pe­rança média de vida dos pri­si­o­neiros su­jeitos a jor­nadas bru­tais em con­di­ções inu­manas ron­dava os três meses.

Em Aus­chwitz-Bir­kenau foram fun­dados quase 40 sub­campos onde mi­lhares de pes­soas pro­du­ziam pro­dutos agrí­colas e in­dus­triais; eram en­vi­ados para a ex­tracção de carvão ou pedra. Em Da­chau, que ad­mi­nis­trava mais de 30 ou­tros grandes campos de tra­balho, em Bu­chenwald, que ad­mi­nis­trava mais de 80 es­tru­turas, ou em Sa­ch­se­nhausen, donde eram ge­ridos 60 campos de tra­balho es­pa­lhados por toda a Ale­manha, a con­signa era igual­mente fazer lu­crar o ca­pital à custa da es­cra­va­tura.

Nos la­ti­fún­dios ger­mâ­nicos e nas casas dos se­nhores do III Reich e mi­li­tantes nazis, mi­lhares de es­lavos foram ex­plo­rados até à exaustão. Quando mor­riam, com­pravam-se ou­tros es­cravos.

  

Cúm­plices na im­pu­ni­dade

 

Der­ro­tada a besta, muitos dos cri­mi­nosos foram cap­tu­rados, jul­gados e sen­ten­ci­ados. Muitos mais fur­taram-se à jus­tiça. Não poucos es­ca­param porque, ani­qui­lado o im­pe­ri­a­lismo alemão, o alvo vol­tava a ser a URSS.

Contra o pri­meiro Es­tado de ope­rá­rios e cam­po­neses, a re­acção mun­dial havia ati­çado as hordas nazi-fas­cistas, que foram der­ro­tadas e em­pur­radas até ao seu covil, em Berlim, pelos he­róicos so­vié­ticos que sa­biam estar a de­fender a pá­tria de todo o pro­le­ta­riado.

Logo após a ca­pi­tu­lação do re­gime hi­tle­riano, os EUA, através da «Ope­ração Pa­per­clip», em­pe­nharam-se na caça dos es­pe­ci­a­listas nazis, par­ti­cu­lar­mente os en­vol­vidos na má­quina mi­litar e de in­te­li­gência.

O res­pon­sável pelo pro­grama de fo­guetes da Ale­manha hi­tle­riana e membro do Par­tido Nazi, Wer­nher von Braun, é um dos quase dois mil ci­en­tistas e téc­nicos res­ga­tados. A pos­te­rior car­reira de su­cesso de von Braun no pro­grama es­pa­cial norte-ame­ri­cano não é caso iso­lado.

No rol de co­la­bo­ra­dores das fugas de cri­mi­nosos nazis, des­taca-se ainda a neu­tral Suíça, a Ar­gen­tina e o Va­ti­cano do papa Pio XII (que en­quanto car­deal obrigou os bispos ca­tó­licos ale­mães a jurar fi­de­li­dade a Hi­tler).

Através de um com­plexo pro­cesso de re­cri­ação de iden­ti­dades e emissão de pas­sa­portes, cen­tenas de nazis deram o salto para as pampas sul-ame­ri­canas do fas­cista Juan Perón, e daí para ou­tros ter­ri­tó­rios da Amé­rica La­tina. Jo­seph Men­gele, o «anjo da morte de Aus­chwitz» foi um deles.

  

Re­voltas e re­sis­tência

 

Em Aus­chwitz, à se­me­lhança do que acon­tecia nou­tros campos de con­cen­tração e de ex­ter­mínio, fun­ci­o­navam or­ques­tras com­postas por pri­si­o­neiros, cuja fi­na­li­dade era não deixar en­te­diar os al­gozes e pa­ci­ficar as mul­ti­dões que che­gavam nos com­boios com ter­minal na morte ou os pri­si­o­neiros en­vi­ados em cacho para o tra­balho es­cravo.

Mas face ao horror nazi, não havia pa­ci­fi­cação pos­sível, e apesar da brutal re­pressão e da morte certa, e não raras vezes, eclo­diram re­voltas nos campos.

Em Aus­chwitz cen­tenas de pri­si­o­neiros ter-se-ão re­be­lado em 1944. Ma­taram guardas e fi­zeram ex­plodir um dos edi­fí­cios onde fun­ci­o­navam as câ­maras de gás e os fornos cre­ma­tó­rios, usando gra­nadas tra­zidas de uma fá­brica de ar­ma­mento onde tra­ba­lhavam.

Cal­cula-se que cerca de 700 pri­si­o­neiros te­nham ten­tado fugir de Aus­chwitz. Menos de me­tade terão tido êxito.

Um dos casos de re­sis­tência e re­volta passou-se no campo de Bu­chenwald e chegou até nós es­crito por Bruno Apitz, co­mu­nista alemão que transpôs no ro­mance «Nu entre Lobos», edi­tado re­cen­te­mente pela Avante!, a ex­pe­ri­ência vi­vida por si e por muitos dos seus ca­ma­radas.

Em Bu­chenwald foi as­sas­si­nado Ernst Tha­el­mann, pre­si­dente do Par­tido Co­mu­nista Alemão, re­vo­lu­ci­o­nário tenaz que os nazis nunca con­se­guiram que­brar du­rante os 11 anos pas­sados nos cár­ceres do III Reich, a exemplo de mi­lhares de ou­tros que re­sis­tiram à bar­bárie nas con­di­ções mais ex­tremas e pe­rante os mai­ores obs­tá­culos, con­ser­vando a cen­telha de vida e es­pe­rança donde ger­mina o fu­turo.

 

Tar­rafal


Iden­ti­fi­cando-se com os mé­todos, par­ti­lhando a ide­o­logia e ser­vindo os mesmos in­te­resses de classe do re­gime nazi, a di­ta­dura fas­cista de Sa­lazar criou o Campo de Con­cen­tração do Tar­rafal. A 29 de Ou­tubro de 1936 che­garam ao «Campo da Morte Lenta», ins­pi­rado nos con­gé­neres nazis, os pri­meiros 152 de um total de 340 an­ti­fas­cistas que ao longo dos anos para lá foram de­por­tados (co­mu­nistas, so­bre­tudo).

No total, os presos do Tar­rafal cum­priram mais de dois mil anos de pena, a mai­oria sem ter com­pa­re­cido a qual­quer jul­ga­mento.

Tal como nos campos nazis, também no Tar­rafal quem che­gava vinha «para morrer», como dizia o seu di­rector, Ma­nuel dos Reis. 32 mor­reram mesmo, su­cum­bindo aos maus-tratos, aos tra­ba­lhos for­çados, à bi­liosa, entre os quais o se­cre­tário-geral do PCP, Bento Gol­çalves.



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