BCE amplia reciclagem de lixo…financeiro

Vaz de Carvalho

Se­gundo no­ti­ciado, em apenas um dia, em 16 de ja­neiro neste caso, bancos eu­ro­peus de­po­si­taram no BCE 491 mil mi­lhões de euros. De­pois irão buscar mais, pois o sr. Mário Draghi, atual pre­si­dente do BCE, ga­rantiu cré­dito ili­mi­tado à banca eu­ro­peia a 1% du­rante três meses.

Eis como fun­ciona a re­ci­clagem do lixo fi­nan­ceiro nesta UE:o BCEem­presta com juros de 1% à banca. Esta em­presta a juros usu­rá­rios a go­vernos que aban­do­naram os mais ele­men­tares de­veres so­ciais para pro­teger uma classe ren­tista fa­vo­re­cida pelos im­postos para ex­trair juros, rendas e preços de mo­no­pólio.

A banca que não fi­nancia o con­sumo nem as MPME, com o que vai ex­tor­quindo a toda a so­ci­e­dade pelas mais va­ri­adas formas de aus­te­ri­dade e res­pe­tivas «mu­danças es­tru­tu­rais», juros usu­rá­rios e es­pe­cu­lação, de­po­sita os ex­ce­dentes no BCE…que volta a em­prestar a 1%!

Esta gente pensa ter des­co­berto o mo­vi­mento per­pétuo na fi­nança! As­sumem «ca­pital fic­tício» (visto que não tem origem em tra­balho pro­du­tivo) como valor real e con­si­deram os ga­nhos es­pe­cu­la­tivos como «cri­ação de ri­queza».

Tudo isto pode pa­recer um pa­raíso para os ban­queiros, porém a si­tu­ação dos bancos na UE é de ex­trema fra­gi­li­dade atu­lhados de dí­vidas im­pa­gá­veis e ca­pital fic­tício – mercê do es­quema atrás des­crito.

A ide­o­logia ca­pi­ta­lista vive no campo das fór­mulas alheias à ex­pe­ri­ência e ao co­nhe­ci­mento. É um re­tro­cesso po­lí­tico e so­cial, apesar dos avanços tec­no­ló­gicos, a tudo o que os tra­ba­lha­dores e os mo­vi­mentos pro­gres­sistas con­quis­taram ao longo de quase dois sé­culos.

Ne­nhuma das atuais me­didas seria apro­vada numa vo­tação de­mo­crá­tica. Os bu­ro­cratas da UE – a mai­oria dos atuais go­ver­nantes não passa disto – já não ar­risca sub­meter o con­teúdo dos seus de­sa­cre­di­tados planos ao voto. Contam com os pro­pa­gan­distas ofi­ciais e se­mi­o­fi­ciais para se­mear ilu­sões.

As re­gras para aplicar pe­na­li­dades a países já fra­gi­li­zados por an­te­ri­ores po­lí­ticas eco­nó­micas terão como con­sequência o apro­fundar da crise até que pro­va­vel­mente a UE e a zona euro atinjam um ponto de ru­tura.

O re­sul­tado só pode ser de­sem­prego, im­pos­si­bi­li­dade de pagar dí­vidas e fa­lên­cias. São as mesmas po­lí­ticas que o FMI aplicou desde os anos 60 de sé­culo pas­sado aos países do então cha­mado Ter­ceiro Mundo, com as de­vas­ta­doras con­sequên­cias eco­nó­micas e so­ciais que se co­nhecem. São os cha­mados «pro­gramas es­tru­tu­rais de ajus­ta­mento», que porém com mais pro­pri­e­dade têm sido de­sig­nados por «pro­gramas es­tru­tu­rais de em­po­bre­ci­mento». Chamam a isto «honrar as dí­vidas»

Os ban­queiros e os oli­go­po­listas dirão (dizem…) que só estão a de­fender os in­te­resses dos seus aci­o­nistas o me­lhor pos­sível. À custa de toda a so­ci­e­dade, po­diam os srs. co­men­ta­dores acres­centar ao tal ouvir, mas não se atrevem. Porém, sem re­gu­lação, num am­bi­ente de com­pe­tição des­tru­tiva, com ins­ti­tui­ções que fo­mentam a es­pe­cu­lação e a re­cessão eco­nó­mica, se­guem o que lhes dita a sua na­tu­reza ca­pi­ta­lista.

O BCE tornou-se no prin­cipal pro­ta­go­nista (passe o ple­o­nasmo) destas po­lí­ticas iní­quas, numa UE que vive em acen­tuada crise, com su­ces­sivos pe­ríodos de re­cessão e es­tag­nação, cres­cente de­sem­prego, dí­vidas pú­blicas e pri­vadas im­pa­gá­veis.

Este sis­tema tornou-se numa arma contra os povos, vi­sando a de­pre­ci­ação dos sa­lá­rios, ou seja, do preço da força de tra­balho.

Como é que tal foi con­se­guido? De uma forma muito sim­ples: im­pondo um sis­tema fiscal em que a grande ri­queza é pra­ti­ca­mente isenta por via da livre cir­cu­lação de ca­pi­tais; tor­nando inócua uma re­gu­lação fi­nan­ceira que é feita no in­te­resse dos com­por­ta­mentos que devia re­gular; acresce todo um pro­cesso de pri­va­ti­za­ções, ne­go­ci­atas – como as PPP – cor­rupção, ne­po­tismo. A partir daqui o Es­tado é cha­mado a pagar os des­mandos dos es­pe­cu­la­dores, cul­pando as pes­soas por usu­fruírem de­ma­si­ados di­reitos e usa-se a dí­vida para ar­re­cadar mais lu­cros com juros es­pe­cu­la­tivos em be­ne­fício do ca­pital fi­nan­ceiro, do qual se des­tacam os bancos fran­ceses e ale­mães. O que se de­signa hi­po­cri­ta­mente «res­gate» ou «ajuda» não passa de uma guerra de classe au­men­tando im­postos, re­du­zindo pres­ta­ções so­ciais e ven­dendo bens pú­blicos.

Que fu­turo po­derá ter uma UE que se co­loca nas mãos da «con­fi­ança dos mer­cados», con­fi­ança que dizem va­cilar porque ocorre uma greve ou ma­ni­fes­tação (ouçam-se as pre­o­cu­pa­ções dos srs. co­men­ta­dores nestas al­turas). Uma UE que vive da per­ma­nente men­tira elei­toral, da cres­cente abs­tenção, do des­cré­dito de go­ver­nantes, da fuga ao es­cru­tínio das de­ci­sões dos que a mantêm na re­cessão e na aus­te­ri­dade, que fu­turo po­derá ter?

Dizia D. Merkel que o que era bom para a Eu­ropa era bom para a Ale­manha, dito por quem é – e vistos os factos – o que quer dizer é: o que é bom para a Ale­manha tem de ser bom – ou mau, tanto faz – para a Eu­ropa. Um facto es­cla­re­cedor do que se passa ocorreu, por exemplo, no dia 9 de ja­neiro: a Ale­manha emitiu então 4 mil mi­lhões de euros de dí­vida com um juro de 0,01%. Sem juros, por­tanto! Re­fira-se a pro­pó­sito que en­quanto o pri­meiro-mi­nistro pe­ro­rava na AR sobre os êxitos ob­tidos na «con­ci­li­ação so­cial», os «mer­cados» a quem querem agradar riam-se sa­tis­feitos e au­men­tavam os juros acima dos 19% a 5 anos…

Assim vai a UE, cada vez menos União: uma jan­gada à de­riva, ao sabor dos ventos e marés das agên­cias de no­tação fi­nan­ceira e dos in­te­resses que de­fendem.

E há quem diga que os pro­blemas atuais se re­solvem com «Mais Eu­ropa»! Mas qual Eu­ropa?!

Até quando ao povos vão con­ti­nuar a ser ilu­didos com falsas pro­messas e chan­ta­ge­ados com ine­vi­ta­bi­li­dades?



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