Comentário

Orçamento da UE: Que papel, que objectivos?

João Ferreira

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O or­ça­mento co­mu­ni­tário, para o bem e para o mal, é sem dú­vida um im­por­tante ins­tru­mento do pro­cesso de in­te­gração que é a União Eu­ro­peia.

Os «fundos co­mu­ni­tá­rios» foram e são, no nosso país, uma das faces mais vi­sí­veis da CEE/​UE, seja pela quan­ti­dade de in­ves­ti­mentos e de infra-es­tru­turas que aju­daram a fi­nan­ciar, al­gumas de in­dis­cu­tível im­por­tância, seja pela pro­pa­ganda que sempre lhes es­teve as­so­ciada. En­tre­tanto, as ou­tras faces, cres­cen­te­mente vi­sí­veis, do pro­cesso de in­te­gração – como os cró­nicos e cres­centes dé­fices pro­du­tivos, a de­sar­ti­cu­lação e des­man­te­la­mento do apa­relho pro­du­tivo na agri­cul­tura, nas pescas, na in­dús­tria, a par de ou­tras al­te­ra­ções de peso na eco­nomia na­ci­onal – ajudam-nos a re­la­ti­vizar a im­por­tância dos fundos co­mu­ni­tá­rios e a per­ceber me­lhor o seu papel.

A in­te­gração eco­nó­mica de tipo ca­pi­ta­lista, em que eco­no­mias de di­mensão e grau de de­sen­vol­vi­mento muito di­versos en­tram em con­fronto di­recto num «mer­cado único» livre e des­re­gu­lado, leva ten­den­ci­al­mente à di­ver­gência dessas eco­no­mias. Ou seja, as fortes ficam mais fortes e as fracas ficam mais fracas.

«Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, é a li­ber­dade que oprime e a lei que li­berta», dizia o frade do­mi­ni­cano La­cor­daire (1802-1861), uma má­xima que bem pode sin­te­tizar o ca­minho se­guido pela CEE/​UE, in­dis­so­ciável da sua na­tu­reza (de classe) e dos seus ob­jec­tivos: alargar e con­so­lidar as re­la­ções de pro­dução ca­pi­ta­listas na Eu­ropa; alargar mer­cados para os grupos eco­nó­micos das prin­ci­pais po­tên­cias; pôr em com­pe­tição a força de tra­balho de di­fe­rentes pro­ve­ni­ên­cias, vi­sando a sua des­va­lo­ri­zação geral.

Ou­tros ob­jec­tivos e prin­cí­pios que, ao longo do tempo, foram sendo rei­vin­di­cados pela CEE/​UE e mesmo ins­critos nos seus tra­tados – como o ob­jec­tivo da co­esão eco­nó­mica e so­cial – sempre foram su­bor­di­nados ao sa­cros­santo prin­cípio da «livre con­cor­rência no mer­cado único» e se­cun­da­ri­zados, quer nos meios que lhe foram atri­buídos, quer pelas po­lí­ticas que cri­aram um quadro ma­cro­e­co­nó­mico pro­fun­da­mente des­fa­vo­rável à efec­ti­vação dessa mesma co­esão. O ar­tigo 174.° do Tra­tado de Fun­ci­o­na­mento da UE (re­la­tivo à co­esão eco­nó­mica, so­cial e ter­ri­to­rial), afirma que a UE «pro­cu­rará re­duzir a dis­pa­ri­dade entre os ní­veis de de­sen­vol­vi­mento das di­versas re­giões e o atraso das re­giões menos fa­vo­re­cidas». Mas as cres­centes as­si­me­trias no seio da UE, seja entre países seja dentro de cada país, aí estão, fa­zendo da pro­pa­lada «co­esão» não mais do que letra morta nos tra­tados.

O or­ça­mento co­mu­ni­tário de­veria, à par­tida, ser um dos ins­tru­mentos de pro­moção da con­ver­gência no seio da UE. Ou, no mí­nimo, um ins­tru­mento que tra­vasse uma di­ver­gência maior das eco­no­mias, no quadro da in­te­gração ca­pi­ta­lista des­crita. Ba­seado numa con­tri­buição pro­por­ci­onal de cada Es­tado-membro, con­so­ante a sua ri­queza, de­veria as­se­gurar uma re­dis­tri­buição da ri­queza entre es­tados-mem­bros, alo­cando mais re­cursos aos mais ne­ces­si­tados e di­ri­gindo esses re­cursos, pre­fe­ren­ci­al­mente, para o apoio ao res­pec­tivo sis­tema pro­du­tivo, à sua mo­der­ni­zação e de­sen­vol­vi­mento re­la­tivo.

Mas não apenas o or­ça­mento tem sido muito in­su­fi­ci­ente (não ul­tra­pas­sando 1% do Ren­di­mento Na­ci­onal Bruto co­mu­ni­tário), como as suas pri­o­ri­dades estão longe, muito longe, de as­se­gu­rarem a pro­me­tida co­esão. É pa­ra­dig­má­tico que após o alar­ga­mento a 12 novos países (em 2004 e 2007), com ní­veis de de­sen­vol­vi­mento re­la­tivo abaixo da média da UE, os fundos es­tru­tu­rais – por ex­ce­lência, a parte do or­ça­mento des­ti­nada à con­ver­gência – te­nham pas­sado de 0,41 por cento para 0,37 por cento do RNB co­mu­ni­tário. Ou seja, em termos re­la­tivos, foram cor­tados quando mais ne­ces­sá­rios eram. Por outro lado, o or­ça­mento sempre foi con­di­ci­o­nado à im­ple­men­tação das agendas ne­o­li­be­rais da UE (dos pa­cotes De­lors à Es­tra­tégia UE 2020, pas­sando pela Agenda 2000 e pela Es­tra­tégia de Lisboa), agendas onde pon­ti­ficam as li­be­ra­li­za­ções e des­re­gu­la­ções dos mer­cados (in­cluindo do mer­cado de tra­balho) e a pri­va­ti­zação de di­versos sec­tores eco­nó­micos, assim li­mi­tando os es­tados-mem­bros na apli­cação dos fundos e con­so­li­dando a di­nâ­mica de di­ver­gência que sempre acabou por pre­va­lecer.

Esta di­nâ­mica re­flecte-se também no facto de uma parte im­por­tante dos fundos co­mu­ni­tá­rios que en­traram em Por­tugal ter aca­bado por sair para ou­tros países, sob a forma de im­por­tação de bens e ser­viços no «mer­cado único».

Sobre este pano de fundo, en­contra-se ac­tu­al­mente em dis­cussão o pa­cote fi­nan­ceiro que irá de­ter­minar os or­ça­mentos da UE entre 2014 e 2020. Vol­ta­remos, por isso, a este as­sunto.



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