Agressão imperialista à Líbia

Relatório não iliba NATO

Num texto car­re­gado de am­bi­gui­dades, a Co­missão In­ter­na­ci­onal de In­ves­ti­gação sobre a Líbia con­si­dera que a Ali­ança Atlân­tica não co­meteu crimes de­li­be­rados du­rante a agressão im­pe­ri­a­lista, mas sa­li­enta a in­cer­teza sobre os factos e su­blinha a ne­ces­si­dade de os con­ti­nuar a apurar.

«A Ali­ança Atlân­tica não per­mite que se tire con­clu­sões»

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No se­gundo re­la­tório da co­missão das Na­ções Unidas, di­vul­gado no final da se­mana pas­sada, os in­ves­ti­ga­dores pro­curam des­res­pon­sa­bi­lizar a Ali­ança Atlân­tica pela morte de civis du­rante os bom­bar­de­a­mentos re­cu­pe­rando a lenga-lenga dos «danos co­la­te­rais», usada pelos im­pe­ri­a­listas para mi­ni­mi­zarem os crimes co­me­tidos du­rante as agres­sões mi­li­tares que têm le­vado a cabo desde o ataque à Ju­gos­lávia, em 1999.

No texto que amanhã de­verá ser apre­sen­tado ao Con­selho dos Di­reitos Hu­manos da ONU, em Ge­nebra, os re­la­tores dizem que, nos casos de bom­bar­de­a­mentos que com­pro­va­da­mente vi­ti­maram civis (cerca de 60 mortos e 55 fe­ridos, dizem com uma mui­tís­simo sur­pre­en­dente pre­cisão), a NATO não matou «de forma de­li­be­rada», con­cluindo mesmo que a Ali­ança Atlân­tica «exe­cutou uma cam­panha muito di­rec­ci­o­nada e com uma no­tável de­ter­mi­nação em evitar perdas civis» (AFP).

Estas afir­ma­ções foram ime­di­a­ta­mente apro­vei­tadas pelo se­cre­tário-geral da NATO, An­ders Fog Ras­mussen, para rei­terar que o bloco po­lí­tico-mi­litar atacou «ob­jec­tivos mi­li­tares le­gí­timos» e que «todas as pre­cau­ções foram to­madas para evitar baixas civis» (EFE e Eu­ro­pa­Press).

Di­li­gente na cons­trução da versão que os cri­mi­nosos pre­tendem que passe para os li­vros de his­tória, Ras­mussen adi­antou ainda que a Ali­ança Atlân­tica re­a­lizou uma ope­ração que «res­peitou ple­na­mente o man­dato da ONU e o Di­reito In­ter­na­ci­onal», e ga­rantiu que a NATO co­la­borou «ple­na­mente» com a co­missão de in­ves­ti­gação da ONU, a qual, no seu en­tender, foi «exaus­tiva» na in­ves­ti­gação dos ale­gados danos civis, re­cor­rendo in­clu­si­va­mente a do­cu­men­tação que «teve de ser des­clas­si­fi­cada» (EFE e Eu­ro­pa­Press).

 

Factos des­mentem con­clu­sões

 

Mas se, por um lado, o re­la­tório tenta ilibar a NATO das con­sequên­cias da sua agressão, por outro deixa es­capar al­gumas con­si­de­ra­ções que co­locam em causa, e de que ma­neira, tal con­clusão.

Con­tra­ri­a­mente ao que disse Ras­mussen, apro­vei­tando a pre­ci­pi­tação ten­den­ciosa dos re­la­tores, o texto ela­bo­rado pela co­missão ad­mite que, nos casos em que os bom­bar­de­a­mentos da NATO ma­taram po­pu­lares lí­bios, «não se pode de­ter­minar se, ao atacar, a or­ga­ni­zação teve em conta o ob­jec­tivo de evitar mortes civis e se tomou todas as me­didas nesse sen­tido», e que a «NATO não per­mitiu que se tire con­clu­sões ra­ci­o­nais sobre as cir­cuns­tân­cias dos mesmos» (EFE, Eu­ro­pa­Press).

De acordo com as agen­cias no­ti­ci­osas já ci­tadas, o do­cu­mento sobre a Líbia deixa es­capar também que a co­missão não pôde con­firmar o uso mi­litar de al­gumas das ins­ta­la­ções lí­bias bom­bar­de­adas pela Ali­ança Atlân­tica, e que a NATO não for­neceu in­for­mação su­fi­ci­ente sobre a ma­téria, pelo que «se re­co­menda um apu­ra­mento ul­te­rior» mais ri­go­roso.

Já de acordo com a AFP, que diz ba­sear-se numa versão do texto por di­fundir pu­bli­ca­mente, a co­missão exa­minou apenas 20 bom­bar­de­a­mentos da NATO. Em cinco destes mor­reram os tais 60 civis e ou­tros 55 fi­caram fe­ridos.

Im­porta, pois, per­guntar: o que su­cedeu nas de­mais 17 900 ope­ra­ções aé­reas efec­tu­adas pelas forças im­pe­ri­a­listas?

 

Aná­lise api­men­tada

 

No re­la­tório também se sa­li­enta os crimes de guerra e os crimes contra a hu­ma­ni­dade co­me­tidos du­rante o con­flito na Líbia. Neste as­pecto, as forças ar­madas lí­bias e os cha­mados re­beldes são co­lo­cados quase no mesmo pa­tamar. Quase, porque quanto aos pri­meiros fala-se em «evi­dên­cias» de exe­cu­ções e tor­turas co­me­tidas contra mi­lhares de pes­soas, en­quanto que re­la­ti­va­mente aos se­gundos pa­recem só terem sido en­con­trados «in­dí­cios» de ma­tanças in­dis­cri­mi­nadas, e nem se­quer se adi­anta qual­quer es­ti­ma­tiva ou ordem de gran­deza.

Não obs­tante, e de acordo com as in­for­ma­ções di­vul­gadas pelas fontes acima re­fe­ridas, a co­missão de­nuncia o uso in­dis­cri­mi­nado de armas du­rante a ofen­siva dos de­no­mi­nados thuwar (com­ba­tentes da li­ber­dade). Exemplo disso mesmo foi o cerco e a ofen­siva contra Sirte, terra natal de Mu­ammar Kha­dafi e bas­tião da re­sis­tência à agressão im­pe­ri­a­lista. Na ci­dade, diz-se, «quase todos os edi­fí­cios foram da­ni­fi­cados» por mu­ni­ções de ele­vado ca­libre em re­sul­tado do as­sédio inin­ter­rupto dos re­beldes.

No texto des­mente-se ainda que Kha­dafi tenha com­prado mer­ce­ná­rios, men­tira re­pe­tida até à agonia du­rante a agressão im­pe­ri­a­lista. É pra­ti­ca­mente ga­ran­tido que um grupo de su­da­neses com­bateu ao lado do exér­cito de Tri­poli, e que ou­tros es­tran­geiros, re­si­dentes na Líbia, também o fi­zeram, mas a co­missão apurou que a ne­nhum terá sido pro­me­tida uma com­pen­sação su­pe­rior ao sa­lário au­fe­rido pelos mi­li­tares do país. Logo, não podem ser con­si­de­rados sol­dados da for­tuna.

A co­roar a am­bi­gui­dade ten­den­ciosa do re­la­tório, con­clui-se não ser pos­sível de­ter­minar se Mu­ammar Kha­dafi e um dos seus fi­lhos, Mu­tassim, foram exe­cu­tados su­ma­ri­a­mente. Apesar de di­versos ví­deos pos­tados na In­ternet, feitos pelos pró­prios cap­tores de Mu­ammar Kha­dafi, de­mons­trarem que o ex-líder líbio foi de­tido com vida, mal­tra­tado e exe­cu­tado por uma turba de fa­ná­ticos, os re­la­tores das Na­ções Unidas alegam que não ti­veram acesso… ao re­la­tório da au­topsia.

 

País a saque

 

Na Líbia con­ti­nuam a tor­tura, as exe­cu­ções su­má­rias, as per­se­gui­ções contra su­postos kha­da­fistas e mi­no­rias ét­nicas, tais como os ne­gros oriundos da África Sub­sa­a­riana – que para mais são ve­xados por grupos de ins­pi­ração ra­cista, como é pos­sível com­provar em http://​www.you­tube.com/​watch?v=PTIh0­TRLpww. Estas «in­frac­ções aos di­reitos hu­manos pros­se­guem num clima de im­pu­ni­dade», adi­anta o re­la­tório das Na­ções Unidas.

O apa­relho de se­gu­rança é con­tro­lado por bri­gadas que de­fendem com fe­ro­ci­dade feudos de in­fluência. O apa­relho ju­di­cial foi des­man­te­lado com vi­o­lência. Ainda na pas­sada sexta-feira, em Benghazi, a po­pu­lação exigiu aos re­beldes que de­so­cupem o tri­bunal e per­mitam a re­po­sição da le­ga­li­dade e da ordem (Prensa La­tina).

De ca­beça per­dida, o pri­meiro-mi­nistro de­sig­nado pelo Con­selho Na­ci­onal de Tran­sição, Abdel Rahim al-Kib, diz que «com­pete à mai­oria si­len­ciosa pro­teger as ins­ti­tui­ções, com­bater o caos e a usur­pação, pro­teger o Es­tado dos pseudo-re­vo­lu­ci­o­ná­rios» (Lusa).

No fun­da­mental, o di­nheiro e as armas de­ter­minam quem manda na de­no­mi­nada nova Líbia, como con­firmam os dados re­ve­lados na sua pá­gina pes­soal pelo jor­na­lista Abdel Bari Atwan.

Em ar­tigo di­fun­dido pelo Re­be­lion, Atwan sus­tenta que um dos ho­mens que con­tro­lavam os fundos so­be­ranos da Líbia antes da in­sur­reição ar­mada, Bashir Salih, foi res­ga­tado por ordem de Ni­colas Sar­kozy. O pre­si­dente gaulês mandou mesmo um avião à ca­pital da Tu­nísia para buscar Salih, o homem que terá a chave dos mi­lhões in­ves­tidos pelo an­te­rior re­gime na Eu­ropa e África.

A partir da ca­pital fran­cesa, Salih já ini­ciou uma nova car­reira po­lí­tica, co­me­çando por criar um par­tido que tem por base a bri­gada Al Zatan, a mesma que o cap­turou acu­sando-o de ser um em­pe­der­nido kha­da­fista, e pos­te­ri­or­mente o li­bertou para, às or­dens dos novos se­nhores, sa­quear a Líbia e o seu povo.



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