Desta vez, o «Prós e Contras» tinha um cartaz invulgarmente apelativo: o título da emissão era «A Voz dos Novos», e é claro que quem fala da voz dos novos fala de algum modo do futuro, para alguns uma espécie de Mar Tenebroso que nos ameaça com todos os naufrágios, para outros uma Terra Prometida que já tarda mas que pela própria natureza das coisas é de obtenção segura, tanto e de tal modo que já um dia pareceu estar «ao alcance da mão», como ficou registado numa belíssima canção injustamente esquecida. No palco do Teatro Armando Cortês, onde como se sabe o programa acontece ao vivo e em directo, estava a meia-dúzia de convidados, depressa se veria que divididos segundo as tendências dominantes das suas opiniões. Mais tarde se haveria de verificar que, daquela vez, as intervenções não se alargariam à assistência que enchia a sala, como muitas vezes acontece, e essa limitação revelar-se-ia lamentável. É que, como cedo foi perceptível, os «novos» em palco (incluindo um jovem gorducho, talvez um pouco flácido, já com cabelos brancos a prenunciarem a nostalgia por uma juventude quase perdida, mas porventura para ali convocado honoris causa por força dos seus méritos) eram todos ou quase todos empresários e/ou intelectuais, desse modo não podendo constituir uma fiel amostragem da actual juventude portuguesa por muito que saibamos que as qualificações universitárias das novas gerações puderam aumentar enormemente graças a Abril. Aconteceu mesmo que, num primeiro tempo, as intervenções havidas ameaçaram por vezes tornar-se um pouco confusas por força talvez da muita sabedoria, até que se tornou discernível, cada vez com mais clareza, a diferença entre os que veneravam as regras do passado, e por isso preconizam a sua reinstalação mais ou menos «pura e dura» tal como aliás está em curso por obra e graça do actual Governo, e os que persistem na necessidade, aliás urgente, de construir uma sociedade onde a infâmia social não esteja promovida a regra.
As ausências
Eram, pois, seis vozes, naturalmente que sem contar com a jornalista anfitriã, e tudo se passou entre elas, o que não significa que quanto ali se ouviu fosse inútil e fastidioso. Na verdade, foi interessante, ainda que por vezes até indignante, ouvir jovens que o são pelo menos segundo o bilhete de identidade a preconizarem modelos sociais que, como o passado já abundantemente demonstrou, implicam a reinstalação plena e triunfante de formas diversas da sobre-exploração dos mais vulneráveis, de pragas sociais, de autênticos crimes eventualmente legalizados por uma ordem jurídica de classe. Do lado dos admiradores do passado escorria, fétido, o ódio ao Estado, sempre suspeito de em princípio poder intervir no sentido de introduzir uma mínima equidade social, de promover alguma redistribuição da riqueza mediante um sistema tributário justo, de impor alguma partilha igualmente justa dos encargos decorrentes das grandes necessidades comuns. Houve momentos, ainda que não muito frequentes, em que um ou outro discurso tendia a coincidir com um pensamento criptofascista que teria perdido o pudor. Talvez tenha sido então que mais se sentiu ali uma ausência: a dos testemunhos de alguns dos milhares de jovens portugueses submetidos a um regime dito de emprego que lhes proíbe o futuro, a de muitos outros milhares condenados ao desemprego e por isso todos os dias obrigados a parasitarem a família quando não tacitamente convidados para a marginalidade e a delinquência. Revelava-se, óbvia, a grande fragilidade do programa: os jovens escolhidos para levarem «a voz dos novos» ao «Prós e Contras» eram afinal uma elite entre os jovens portugueses; havia por ali afinal um vago aroma de fraude, admite-se que não estrategicamente premeditada. Olhava-se a plateia do Teatro Armando Cortês inutilmente repleta porque afinal silenciosa e podia-se pensar em como ali teriam ficado bem, para ajudarem a contar a verdade da actual juventude portuguesa, alguns dos jovens desempregados, ou sobre-explorados, ou simplesmente impedidos de construírem as suas vidas. E deles quase nos ficava uma espécie de saudade frustrada.