Um negócio das Arábias!

Jorge Messias

«As ini­ci­a­tivas in­se­ridas na Bolsa de Va­lores So­ciais serão ob­jecto de se­lecção e es­cru­tínio, tal como as em­presas co­tadas em Bolsa e su­jeitas a cri­té­rios de trans­pa­rência, como numa bolsa fi­nan­ceira» (Mi­guel Ataíde Mar­ques, pre­si­dente da Eu­ronex, 2006).

«O pri­meiro sector é o go­verno, que é res­pon­sável pelas ques­tões so­ciais. O se­gundo sector é o pri­vado, res­pon­sável pelas ques­tões in­di­vi­duais. Com a fa­lência do Es­tado, o sector pri­vado co­meçou a in­tervir nas ques­tões so­ciais, através das inú­meras ins­ti­tui­ções que com­põem o cha­mado ter­ceiro sector. Ou seja: o ter­ceiro sector, for­mado por ins­ti­tui­ções sem fins lu­cra­tivos, tem como ob­jec­tivo gerar ser­viços pú­blicos. In­fe­liz­mente, muitas en­ti­dades sem fins lu­cra­tivos são, na ver­dade, lu­cra­tivas ou atendem ex­clu­si­va­mente os in­te­resses dos pró­prios as­so­ci­ados. (Stephen Ka­nitz, “O que é o ter­ceiro sector?”).

«A ins­ti­tuição que no Brasil co­manda o “ter­ceiro sector” é o GIFE (Grupo de Ins­ti­tutos, Fun­da­ções e Em­presas). Os seus prin­ci­pais fi­nan­ci­a­dores são re­cru­tados entre Fun­da­ções, Fi­lan­tró­picas, Fundos Co­mu­ni­tá­rios, Igrejas e en­ti­dades sem fins lu­cra­tivos, ONG, banca mun­dial, em­presas com res­pon­sa­bi­li­dades so­ciais, elites hu­ma­ni­tá­rias, con­tri­buintes even­tuais, cen­trais sin­di­cais e pa­tro­nais, redes de ór­gãos da co­mu­ni­cação so­cial, etc.

(“Que é o GIFE?”, Mo­zilla Fi­refox).

Uma após outra, todas as ba­te­rias do poder abrem fogo contra o Es­tado So­cial e contra as con­quistas de Abril. Jogos de troika, cortes nos sa­lá­rios e nas pen­sões, fa­ci­li­dades bru­tais nos des­pe­di­mentos, au­mentos cons­tantes do custo de vida e das con­tri­bui­ções, es­cân­dalos pagos pelo povo… tudo es­maga os mais po­bres. Mas… co­ragem e pa­ci­ência, dizem os ex­plo­ra­dores aos ex­plo­rados. É assim que se ganha o céu…

O tempo passa e em cada dia mais se de­grada a si­tu­ação dos por­tu­gueses. Mas a hi­e­rar­quia da Igreja não perde a oca­sião para ex­primir com­pre­ensão ou mesmo louvor às po­lí­ticas do ac­tual Go­verno. E o car­deal-pa­tri­arca vê mesmo coisas que nin­guém mais vê!

Ainda há poucas se­manas, numa de­cla­ração pú­blica in­crível, de pri­meira pá­gina, D. José Po­li­carpo per­mitiu-se afirmar que a Igreja por­tu­guesa acei­tava apoiar as cha­madas «me­didas de aus­te­ri­dade» do go­verno da troika porque elas atin­giam, «por igual» todas as ca­madas so­ciais da po­pu­lação!... In­correu no ri­dí­culo da sua afir­mação e nada mais disse, tal como al­guns ca­tó­licos mais in­gé­nuos es­pe­ra­riam que fi­zesse. Por exemplo, o epis­co­pado por­tu­guês que diz sentir na carne as afli­ções dos po­bres, bem po­deria su­gerir ao Va­ti­cano que sus­pen­desse a Con­cor­data ou usasse o pa­tri­mónio fi­nan­ceiro acu­mu­lado pelo clero para so­correr os por­tu­gueses que em tur­bi­lhão são pre­ci­pi­tados no abismo.

É bem outra a si­tu­ação real.

A hi­e­rar­quia tem, de facto, um es­quema de in­ter­venção muito bem mon­tado, o qual se apoia em gi­gan­tescas redes mul­ti­na­ci­o­nais, es­pe­ci­a­li­zadas nas áreas da po­lí­tica, da eco­nomia e das fi­nanças, da so­ci­e­dade civil, das ac­ti­vi­dades sócio-ca­ri­ta­tivas, da co­mu­ni­cação so­cial e, enfim, numa imensa área de fun­ções so­ciais vi­tais a que o clero, por evi­dentes ne­ces­si­dades de ar­ru­mação, de­cidiu chamar «ter­ceiro sector». Todo este fan­tás­tico uni­verso, como bem se en­tende, não é de «es­querda» nem visa re­vo­lu­ci­onar sis­temas. Não pre­tende, se­quer, aflorar os pro­blemas so­ciais de fundo. Bem pelo con­trário. Per­ma­nece an­co­rado nos sau­do­sismos da Igreja de sempre. E pro­cura au­mentar in­ces­san­te­mente a in­fluência ca­tó­lica tra­di­ci­onal na so­ci­e­dade, de forma a dar tempo ao ca­pi­ta­lismo para do­minar esta in­do­mável crise geral.

Um dos pro­blemas que se co­locam ao Va­ti­cano é a de saber se é ou não capaz de gerir esta força co­lossal e des­go­ver­nada e a fazer obe­decer a um só go­verno. Outro grande pro­blema é a de es­tancar a fuga de ca­tó­licos mi­li­tantes. Os crentes, tal como os não crentes, caem no de­sem­prego, vêem falir as suas pe­quenas em­presas, de­volvem aos bancos as casas que não podem pagar, são obri­gados a de­sistir dos seus cursos, morrem à míngua com pen­sões mi­se­rá­veis, passam pela hu­mi­lhação de es­mo­larem um naco de pão a uma IPSS qual­quer.

Temos ma­téria para as pró­ximas se­manas. Ten­ta­remos ver mais claro em tudo isto que se passa à nossa volta. De modo a po­dermos reunir al­guns dados mais sobre este si­nistro im­bró­glio.



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