Gigantesca campanha de manipulação da opinião pública

A «surpresa» com a escalada do desemprego

Eugénio Rosa

Nos úl­timos dias, após a di­vul­gação pelo Eu­rostat dos dados sobre o de­sem­prego que re­ve­laram que, em Março de 2012, o de­sem­prego em Por­tugal tinha su­bido de novo sig­ni­fi­ca­ti­va­mente, o Go­verno e os seus «amigos» da troika, assim como os de­fen­sores do pen­sa­mento eco­nó­mico ne­o­li­beral do­mi­nante nos media, mul­ti­pli­caram-se em de­cla­ra­ções ma­ni­fes­tando a sua sur­presa pelo au­mento do de­sem­prego, como se isso não fosse o re­sul­tado ine­vi­tável da po­lí­tica de aus­te­ri­dade vi­o­lenta e de cortes bru­tais na des­pesa pú­blica que estão a impor ao País. Um au­tên­tico coro de «lá­grimas de cro­co­dilo» com o ob­jec­tivo de se des­res­pon­sa­bi­li­zarem e de en­ganar os por­tu­gueses. É mais um exemplo de uma cam­panha gi­gan­tesca de ma­ni­pu­lação da opi­nião pú­blica a que, in­fe­liz­mente, muitos jor­na­listas e os mai­ores media se pres­taram não di­vul­gando opi­niões con­trá­rias.

Ac­tu­al­mente, apenas 29 em cada 100 de­sem­pre­gados estão a re­ceber sub­sídio de de­sem­prego

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O Quadro 1, construído com dados oficiais, mostra a variação do desemprego oficial, do desemprego efectivo, e dos desempregados a receber subsídio de desemprego desde que a troika estrangeira impôs a Portugal a terapia de choque ultraliberal contida no Memorando.

Desde que Por­tugal as­sinou com a troika o «Me­mo­rando de en­ten­di­mento», e desde que a po­lí­tica

con­tida nesse Me­mo­rando co­meçou a ser apli­cada pelo Go­verno sub­misso do PSD/​CDS, e pelo seu mi­nistro das Fi­nanças que, como Sa­lazar, apenas vê o dé­fice, o de­sem­prego co­meçou a crescer a um ritmo ele­vado.

Em Março de 2012, o de­sem­prego ofi­cial atingiu já 842 495 e o de­sem­prego efec­tivo, que in­clui os «inac­tivos dis­po­ní­veis» e o «su­bem­prego vi­sível» (de­sem­pre­gados que não pro­cu­raram em­prego ou que fazem pe­quenos bis­cates para so­bre­viver e que, por isso, não são con­si­de­rados nos nú­meros ofi­ciais de de­sem­prego), atingiu 1 232 195 por­tu­gueses (a taxa efec­tiva de de­sem­prego já era 21,6%).

Desde De­zembro/​2011, a taxa de de­sem­prego tem au­men­tado a um ritmo de 0,43 pontos per­cen­tuais por mês o que de­ter­mi­nará, se tal ritmo se man­tiver, que no fim de 2012 o de­sem­prego ofi­cial atinja 19,8%, e o de­sem­prego efec­tivo 26,8%, o que cor­res­ponde a 1 530 000 de­sem­pre­gados, um valor in­sus­ten­tável para o País, mas a con­sequência ine­vi­tável da po­lí­tica de des­truição da eco­nomia e da so­ci­e­dade por­tu­guesa em curso.

Por outro lado, uti­li­zando os dados di­vul­gados pela Se­gu­rança So­cial re­la­ti­va­mente ao nú­mero de

de­sem­pre­gados a re­ceber o sub­sídio de de­sem­prego, con­clui-se que o nú­mero da­queles que não re­cebem tem au­men­tado de uma forma con­tínua atin­gindo, em Fe­ve­reiro de 2012, úl­timo mês de que a Se­gu­rança So­cial já dis­po­ni­bi­lizou dados, 853 969 (entre Março/​2011 e Março/​2012, o au­mento dos de­sem­pre­gados que não re­cebem sub­sídio de de­sem­prego fez-se a um ritmo 2,5 vezes su­pe­rior ao au­mento ve­ri­fi­cado dos que re­cebem).

Ac­tu­al­mente, apenas 29 em cada 100 de­sem­pre­gados estão a re­ceber sub­sídio de de­sem­prego. Os dados ofi­ciais re­velam que ao fim de um ano de po­lí­tica da troika/Go­verno PSD/​CDS, mais de 853 000 por­tu­gueses estão na po­breza ou mesmo na mi­séria só de­vido ao de­sem­prego. Esta si­tu­ação ten­derá a agravar-se muito não só porque o de­sem­prego vai con­ti­nuar a au­mentar mas também porque o Go­verno al­terou a lei do sub­sídio de de­sem­prego, o que de­ter­mi­nará que menos de­sem­pre­gados te­nham di­reito a re­ceber sub­sídio e du­rante menos tempo.

O au­mento do de­sem­prego não é um fe­nó­meno que só se ve­ri­ficou em Março de 2012 como pre­tendem fazer crer o Go­verno e os seus de­fen­sores; ele tem-se re­gis­tado desde que a po­lí­tica con­tida no «Me­mo­rando da troika» é im­posta a Por­tugal, tendo-se agra­vado com a po­lí­tica de des­truição de em­prego na Função Pú­blica, o que tem con­tri­buído para o au­mento do de­sem­prego jovem, pois era a prin­cipal con­tra­tante.

Ma­ni­festar sur­presa, como se tem ve­ri­fi­cado re­cen­te­mente, só re­vela ou ig­no­rância ou a in­tenção de­li­be­rada de en­ganar a opi­nião pú­blica, pro­cu­rando fazer crer que as con­sequên­cias desta po­lí­tica de aus­te­ri­dade, que está a des­truir a eco­nomia e a so­ci­e­dade por­tu­guesas, po­diam ser ou­tras, e não aquelas que se estão re­al­mente a ve­ri­ficar.


De­sem­prego vai con­ti­nuar a au­mentar

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Go­verno, troika e Ca­vaco Silva pa­recem não co­nhecer a lei eco­nó­mica de Okun. A lei de Okun, do eco­no­mista norte-ame­ri­cano Arthur Okun, que foi membro do Co­mité de Con­se­lheiros eco­nó­micos da pre­si­dência ame­ri­cana, pro­cura es­ta­be­lecer uma re­lação (quan­ti­fi­cada e in­versa) entre o de­sem­prego e o PIB, ou seja, qual é o au­mento do PIB de­ter­mi­nado por uma des­cida da taxa de de­sem­prego e, in­ver­sa­mente, qual é a su­bida do PIB ne­ces­sária para que a taxa de de­sem­prego di­minua.

Jo­seph Sti­glitz, prémio Nobel da eco­nomia, na pág. 144 da tra­dução por­tu­guesa do seu livro «Os loucos anos 90», es­creveu o se­guinte: «His­to­ri­ca­mente, uma di­mi­nuição de 2% do de­sem­prego tra­duzia-se em dois a quatro por cento de au­mento da pro­dução (esta re­lação chama-se lei de Okun, numa re­fe­rência ao an­te­rior pro­fessor de Yale e pre­si­dente do Council of Eco­nomic Ad­vi­sers do tempo de Lyndon Johnson)».

Esta con­clusão do prémio Nobel da Eco­nomia dá bem uma ideia da di­mensão da des­truição da ri­queza em Por­tugal de­vido à ele­vada taxa ac­tual de de­sem­prego (tenha-se pre­sente que um au­mento de 1% no PIB por­tu­guês cor­res­ponde a mais 1 800 mi­lhões de euros de ri­queza pro­du­zida). Por outro lado, numa apli­cação da Lei de Okun a Por­tugal, feita na Fa­cul­dade de Eco­nomia da Uni­ver­si­dade de Coimbra em 2007 por João Sousa An­drade, levou «à con­clusão que a taxa de cres­ci­mento (anu­a­li­zada) que não cria de­sem­prego é 2,7%»; por­tanto, em Por­tugal, só com uma taxa de cres­ci­mento eco­nó­mico, me­dida pelo au­mento do PIB, su­pe­rior a 2,7% é que a taxa de de­sem­prego não au­menta.

Con­fron­temos estas con­clu­sões ti­radas com base na lei de Okun com o ve­ri­fi­cado em Por­tugal nos

úl­timos 16 anos, ou seja, no pe­ríodo 1996-2011. Para que essa aná­lise fosse pos­sível, cons­truímos o

Quadro 2 com os dados da va­ri­ação anual do PIB e da taxa de de­sem­prego do Eu­rostat.

Os dados da va­ri­ação do PIB e da taxa de de­sem­prego ve­ri­fi­cados no pe­ríodo 1996-2011 per­mitem tirar al­gumas con­clu­sões im­por­tantes, vá­lidas também para o fu­turo, as quais con­firmam a va­li­dade e as ca­rac­te­rís­ticas da lei Okun para Por­tugal.

Em Por­tugal, em termos ten­den­ciais e con­ti­nu­ados, no pe­ríodo 1996/​2011, a taxa de de­sem­prego só

di­mi­nuiu quando a taxa de cres­ci­mento do PIB foi igual ou su­pe­rior a 3%, o que só acon­teceu no

sub­pe­ríodo 1996/​2000, em que se ve­ri­ficou uma re­dução con­ti­nuada da taxa de de­sem­prego. Logo que a taxa de cres­ci­mento do PIB desceu para 2% em 2001, a taxa de de­sem­prego co­meçou a au­mentar, tendo-se acen­tuado a su­bida da taxa de de­sem­prego com a queda con­ti­nuada do PIB e, no­me­a­da­mente, com o cres­ci­mento ne­ga­tivo do PIB, ou seja, com a re­cessão eco­nó­mica. In­te­ressa re­cordar que desde que Por­tugal en­trou para a Zona Euro em 2002, pra­ti­ca­mente a taxa de de­sem­prego nunca mais parou de crescer, com ex­cepção de uma pe­quena in­ter­rupção em 2008.

No Do­cu­mento de Es­tra­tégia Or­ça­mental para o pe­ríodo 2012-2016, que o Go­verno acabou de apre­sentar na As­sem­bleia da Re­pú­blica, prevê-se as se­guintes taxas de va­ri­ação do PIB: 2012: -3%; 2013: 0,6%; 2014: 2%; 2015: 2,4%; e 2016: 2,8%.

Em­bora estas pre­vi­sões es­tejam so­bres­ti­madas pois ba­seiam-se em va­lores pouco con­sis­tentes, como iremos mos­trar num outro es­tudo, per­gunta-se: com taxas de cres­ci­mento do PIB tão re­du­zidas, como é que se pode dizer, como fi­zeram Passos Co­elho e Ca­vaco Silva, que a partir de 2013 (in­clu­sive), se ve­ri­fi­cará em Por­tugal uma in­versão no de­sem­prego? O ob­jec­tivo evi­dente de tais afir­ma­ções só pode ser o de en­ganar a opi­nião pú­blica vi­sando tornar a po­lí­tica de des­truição da troika mais acei­tável para os por­tu­gueses.


A «sur­presa» em di­fe­rido

«Grécia, Por­tugal e Es­panha re­pre­sentam 95% do au­mento no de­sem­prego [na Unio Eu­ro­peia] desde o final de 2010»

(Co­missão Eu­ro­peia, 23.02.12)


«[Estou] um pouco sur­pre­en­dido com o nível de 14% de de­sem­prego e de 35% de de­sem­prego nos jo­vens»

(Ca­vaco Silva, du­rante o Ro­teiro para a Ju­ven­tude, 24.02.12)


«O Go­verno viu as suas pre­vi­sões con­tidas no Or­ça­mento do Es­tado para 2012 ul­tra­pas­sadas re­la­ti­va­mente à ma­téria do de­sem­prego»

(Passos Co­elho, Par­la­mento, 30.02.12)


«Não será, por isso, in­fe­liz­mente, no­vi­dade que as­sis­ti­remos ainda ao agra­va­mento do de­sem­prego em Por­tugal este ano»

(Idem, ibidem)


«Tem ha­vido uma ten­dência de cres­ci­mento [do de­sem­prego] nos úl­timos dez anos»

( Álvaro Santos Pe­reira em con­fe­rência de im­prensa, 01.03.12)


«Ve­ri­ficou-se um agra­va­mento do de­sem­prego sig­ni­fi­ca­ti­va­mente su­pe­rior ao es­pe­rado»

(Vítor Gaspar, As­sem­bleia da Re­pú­blica, 14.03.12)


«Nós não ar­ran­jamos des­culpas, ao con­trário de ou­tros. Se há cir­cuns­tância que nos tira o sono ver­da­dei­ra­mente, são os nú­meros alar­mantes do de­sem­prego»

(Mi­guel Relvas, em de­cla­ra­ções à im­prensa, 25.03.12)

  

«A Co­missão apre­sentou hoje um re­la­tório sobre a ter­ceira re­visão do pro­grama da troika, onde des­creve o ajus­ta­mento or­ça­mental por­tu­guês entre 2011 e 2012 como "no­tável a todos os ní­veis". No en­tanto, sub­sistem "riscos im­por­tantes" que põem em causa a con­cre­ti­zação do pro­grama. Entre eles está o "abrupto au­mento" do de­sem­prego que, se­gundo nú­meros do Eu­rostat, atingiu uma taxa de 15 por cento em fe­ve­reiro»

(Lusa, 03.04.12)


«A evo­lução do de­sem­prego é uma grande pre­o­cu­pação e tem re­ve­lado pa­drões de com­por­ta­mento di­fe­rentes do que seria su­ge­rido pela ex­pe­ri­ência his­tó­rica»

(Vítor Gaspar, As­sem­bleia da Re­pú­blica, 09.05.12)



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