Esplendor social

Anabela Fino

Entre 2011 e 2012, se­gundo dados do INE, a per­cen­tagem de tra­ba­lha­dores com sa­lá­rios lí­quidos in­fe­ri­ores a 310 euros (tre­zentos e dez!) por mês au­mentou de 3,7 por cento para quatro por cento; entre 310 e 600 euros subiu de 31,1 para 31,5 por cento, e entre 600 e 900 euros passou de 26,8 para 27,9 por cento. Sig­ni­fica isto que, no pe­ríodo em causa, o total dos três es­ca­lões passou de 61,6 por cento para 63,5 por cento. Numa pa­lavra, num ano de go­ver­nação das troikas Por­tugal passou de país de muito baixos sa­lá­rios para país de ainda mais baixos sa­lá­rios.

Mas não é tudo. Con­si­de­rando que a taxa de in­flação em 2011 foi de 3,8 por cento, que o IRS vai re­gistar um au­mento subs­tan­cial de­vido aos cortes nas de­du­ções que ti­nham os ren­di­mentos do tra­balho, e que as Pre­vi­sões da Pri­ma­vera da Co­missão Eu­ro­peia apontam para uma des­cida dos sa­lá­rios no­mi­nais de 3,1 por cento este ano, temos que os por­tu­gueses, ac­tu­al­mente com sa­lá­rios cada vez mais baixos, vão ainda em­po­brecer mais.

Mas ainda não é tudo. No mesmo re­la­tório, a Co­missão Eu­ro­peia es­tima que o em­prego em Por­tugal se re­duza em 3,3 por cento este ano, o que sig­ni­fica a des­truição de mais 153,8 mil postos de tra­balho, a somar aos mais de um mi­lhão e 200 mil de por­tu­gueses que já hoje en­grossam as fi­leiras do de­sem­prego real no País, dos quais apenas 359 mil têm acesso ao sub­sídio de de­sem­prego. Es­ti­ma­tivas que levam a OCDE a prever uma re­cessão de 3,2%, uma re­dução do con­sumo pri­vado de 6,8% em Por­tugal no ano em curso e mais me­didas de aus­te­ri­dade.

Mas ainda não é tudo. O Or­ça­mento do Es­tado para 2012 prevê um corte de 2843 mi­lhões euros nas des­pesas com as fun­ções so­ciais do Es­tado (saúde, edu­cação, se­gu­rança so­cial), que acresce ao corte 1562 mi­lhões euros efec­tuado entre 2010 e 2011, o que terá efeitos de­vas­ta­dores na vida dos por­tu­gueses.

Pois foi neste con­texto que João Pro­ença, da UGT, propôs ao Go­verno que a dis­cussão sobre o au­mento do Sa­lário Mí­nimo Na­ci­onal fosse re­me­tida para Se­tembro, o que é uma forma de in­vi­a­bi­lizar qual­quer ac­tu­a­li­zação ainda este ano. Sen­si­bi­li­zado, o Exe­cu­tivo aceitou. Os pa­trões agra­de­ceram e já vão di­zendo que quanto a 2013 logo se vê. É o «acordo so­cial» em todo o seu es­plendor.



Mais artigos de: Opinião

Sobre uma dita esquerda livre

Com o habitual eco na comunicação social foi tornado público um dito manifesto por uma «esquerda livre». Estamos habituados a uma certa apropriação da palavra liberdade. O capitalismo é mestre nesse ofício: «mercado livre»; «liberdade de...

Lima, o branqueamento e a <i>troika</i>

No capítulo d'O Capital em que trata a «acumulação original», Marx desmonta o processo de transformação das relações sociais de produção até ao capitalismo e explica a acumulação primitiva do capital –«na...

As brisas

No nosso País, é tão evidente que a política de austeridade desenfreada não conduz a nada de bom e só agrava as coisas más, que os comentadores do reino já semeiam remoques contra a situação. Aqui ou ali, falam mesmo em...

Indignação: espontaneidade e manipulação

O silenciamento pela imprensa diária da grande manifestação do PCP contra o pacto de agressão no dia 12 de Maio no Porto, ao mesmo tempo que a uma acção dita de «indignados» eram dedicadas páginas inteiras, é um caso particularmente grave de...