Impostos USA

Correia da Fonseca

Dir-se-á que a nós, eu­ro­peus pe­que­ninos tra­tados como en­te­ados pela Mamã Eu­ropa que tanto pa­receu pro­meter-nos em tempos, pouco ou nada in­te­ressa o de­bate agora em curso nos Es­tados Unidos, porque em ano elei­toral, acerca de im­postos. Não é tanto assim. Antes do mais porque o que ocorre por lá, no outro lado do Atlân­tico, re­per­cute-se do lado de cá em con­sequên­cias me­lhores ou pi­ores. Ge­ral­mente pi­ores. Também porque nos convém en­tender o que vai acon­te­cendo em casa dos que con­ti­nuam a ser os nossos pa­trões, pelo menos por en­quanto, até porque bem sa­bemos que acaba por nos caber também a nós o pa­ga­mento de parte das fac­turas que Washington inin­ter­rup­ta­mente vai dis­tri­buindo, de uma forma ou de outra, pelos quatro cantos do pla­neta. Ora, quis o acaso, ou quase, que na manhã da pas­sada se­gunda-feira eu sur­pre­en­desse na quase mí­tica CNN um de­bate acerca do fu­turo dos im­postos nos Es­tados Unidos de­pois das já re­la­ti­va­mente pró­ximas elei­ções pre­si­den­ciais de No­vembro. Àquela hora ainda es­tava dis­tante o Prós e Con­tras que à noite de­ba­teria as even­tuais, mais pro­va­vel­mente su­postas, con­sequên­cias be­né­ficas para a Eu­ropa da re­cente eleição de Fran­çois Hol­lande, e na ver­dade o tema a abordar então, mais o elenco dos in­ter­ve­ni­entes anun­ci­ados, não me pro­metia um enorme in­te­resse. De­cidi por isso ficar-me pela CNN a tentar aprender al­guma coisa de novo acerca do tema em dis­cussão ou, na al­ter­na­tiva, a co­lher ra­zões que con­fir­massem as ideias, acer­tadas ou não, que já tinha sobre a ma­téria. Em ver­dade, ter­mi­nado o pro­grama tive de con­cluir que não apren­dera grande coisa. Mas não se tra­tara de tempo per­dido, pois a con­fir­mação de sa­benças já ob­tidas não é ganho que se possa deitar fora ou des­prezar.

 

Por dentro das coisas

 

Lá como cá, as re­gras ge­rais mantêm-se, o que não sur­pre­ende: os mais ricos odeiam os im­postos que em prin­cípio oneram os ren­di­mentos mais vul­tosos, os que surgem como por­ta­dores de po­lí­ticas que ali­viem as si­tu­a­ções mais ne­gras dos sec­tores mais des­pro­te­gidos avançam com pro­jectos de ale­gada pro­tecção so­cial a pagar pelo Es­tado. Estes úl­timos serão ou não mais vir­tu­osos, mais sen­sí­veis a vagos im­pe­ra­tivos de jus­tiça so­cial mí­nima, mas há quem faça outra lei­tura da sua apa­rente ge­ne­ro­si­dade: talvez o que mais lhes im­porte seja a ate­nu­ação das si­tu­a­ções de ver­da­deira tra­gédia que, como bem sabe quem o queira saber, as­solam vastas áreas da po­pu­lação norte-ame­ri­cana, tanto e de tal modo que já não podem ser ocul­tados os pro­testos e uma cres­cente con­tes­tação do sa­cros­santo ca­pi­ta­lismo. De qual­quer modo, é ine­vi­tável que essas me­didas que visam mi­norar o de­sam­paro em que os mais dé­beis têm sido man­tidos te­nham de ser fi­nan­ci­adas me­di­ante o au­mento de im­postos e isso, urra a di­reita pura e dura, «é o co­mu­nismo!», dis­pa­rate que aliás cons­titui um in­vo­lun­tário cum­pri­mento ao pro­jecto co­mu­nista de so­ci­e­dades justas. Porém, como por vezes se diz, «por dentro das coisas é que as coisas são», e o caso é que a ale­gada ne­ces­si­dade de au­mentar im­postos para en­frentar pro­jec­tados custos de ca­rácter so­cial não re­sulta de pe­núria dos ac­tuais meios fi­nan­ceiros do Es­tado, mas sim da sua ac­tual apli­cação: a ma­nu­tenção de cus­tosas guerras no ex­te­rior (Iraque, Afe­ga­nistão) ale­ga­da­mente para «de­fesa dos in­te­resses dos Es­tados Unidos», de facto para sempre maior pro­veito de grandes grupos pri­vados. A questão é que nem mesmo na Grande Amé­rica o di­nheiro chega para tudo: ou se fazem as guerras ou os mi­lhões de po­bres que por lá há po­derão talvez deixar de morrer sem as­sis­tência mé­dica ou de su­ba­li­men­tação quando de­sem­pre­gados. E a Grande Nação desde há muito que fez a sua es­colha: faz as guerras. A con­fir­mação desta ver­dade nada sur­pre­en­dente foi o grande re­sul­tado que re­colhi do de­bate a que por acaso as­sisti na CNN. Não foi tempo mal­ba­ra­tado. E teve um efeito acres­cido: aper­cebi-me de que, em muito re­du­zida es­cala, boa parte da lição ali con­tida é útil para a com­pre­ensão do que se passa no meu País: também por cá há muito são feitas es­co­lhas, até temos des­pesas mi­li­tares para «honrar com­pro­missos» de apoio a ne­o­co­lo­ni­a­lismos alheios. Deve ser a eu­ro­de­mo­cracia atlân­tica. É uma des­graça.



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