Os fidalgos

Henrique Custódio

Mi­guel Relvas do­mina a ac­tu­a­li­dade do burgo lu­si­tano, não ha­vendo cha­fa­rica no­ti­ciosa, das con­fi­den­ciais às «de re­fe­rência», que não abra no­ti­ciá­rios ou ocupe pri­meiras pá­ginas com a per­so­nagem.

Sur­gindo no poder co­lado ao pri­meiro-mi­nistro Passos Co­elho e as­su­mindo-se porta-voz go­ver­na­mental de tudo e mais um par de botas, Relvas cedo co­me­çaria a ser visto como um es­pé­cime ras­pu­ti­niano por trás do trono Passos troikês.

Con­tudo, tal ma­jo­ração não lhe acar­re­taria nada de ma­lé­volo ou in­ju­rioso, para além da cha­cota pú­blica, anó­nima e si­bi­lante que a ad­jec­ti­vação con­voca.

O pior foi o resto – e o resto co­meçou a de­se­no­velar-se há dias, quando o jornal Pú­blico de­nun­ciou pres­sões e ame­aças pes­soais ale­ga­da­mente feitas pelo mi­nistro Relvas sobre uma jor­na­lista, para im­pedir a pu­bli­cação de um tra­balho que o re­la­ci­o­nava com o «ex-es­pião» do Ser­viço de In­for­ma­ções e Se­gu­rança (SIED), Jorge Silva Car­valho, por seu lado há largos meses en­vol­vido em es­cân­dalos su­ces­sivos sobre ale­gada uti­li­zação das suas fun­ções (ou in­fluência) de di­recção no SIED para con­tra­ban­dear in­for­ma­ções se­cretas a favor de in­te­resses pri­vados, no­me­a­da­mente os da sua fu­tura «em­pre­ga­dora», a em­presa On­going.

A partir daqui o no­velo de­sen­rolou-se, pri­meiro com o mi­nistro Mi­guel Relvas a ga­rantir, pe­rante uma co­missão par­la­mentar, que só co­nhecia Silva Car­valho de dois ou três «en­con­tros so­ciais» e, de­pois, com uma sequência ver­ti­gi­nosa de tra­pa­lhadas: es­pi­o­na­gens à vida pri­vada de Pinto Bal­semão, de­missão de um ad­junto de José Relvas por li­ga­ções a Silva Car­valho e um sem fim de co­ne­xões e in­trigas gra­vi­tando à volta do ex-es­pião, mas tudo con­fluindo na cres­cente sus­peição das de­cla­ra­ções feitas por José Relvas sobre o as­sunto, com a gra­vi­dade de terem sido pro­fe­ridas sob ju­ra­mento, em sede par­la­mentar.

Neste quadro, pa­rece di­fícil que Mi­guel Relvas se aguente no Go­verno – e, se tal acon­tecer, es­tará «meio morto», como va­ti­cina o seu cor­re­li­gi­o­nário Re­belo de Sousa.

To­davia, Relvas está longe de ser o so­li­tário bode ex­pi­a­tório da si­tu­ação. Como «nú­mero dois» do Go­verno, a po­li­va­lência e pre­pon­de­rância po­lí­tica da função atinge também (talvez «de morte»?) todo o Exe­cu­tivo, desde Passos Co­elho ao re­banho de se­cre­tá­rios de Es­tado. Isto porque um «nú­mero dois», por de­fi­nição, é o ele­mento go­ver­na­tivo da con­fi­ança do pri­meiro-mi­nistro e, por isso mesmo, a per­so­nagem a quem é con­fiado o acom­pa­nha­mento mi­nu­cioso da go­ver­nação e de­le­gado um con­junto de po­deres, de que presta contas apenas ao chefe do Exe­cu­tivo.

Por isso, é inad­mis­sível que todas as tran­qui­bér­nias atri­buídas a Mi­guel Relvas te­nham ocor­rido sem co­nhe­ci­mento e apro­vação do pri­meiro-mi­nistro, o que o co­loca – e ao Go­verno que chefia – no olho deste fu­racão.

O que faz do Go­verno de Passos Co­elho um or­ga­nismo es­púrio no re­gime de­mo­crá­tico, tra­ve­jado a ex­pe­di­entes sem freio nem me­dida e ac­tu­ando no País como fi­dalgos numa cou­tada.



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