Financeirização da economia e «capitalismo de casino»

Ao serviço do lucro à custa de Portugal

Eugénio Rosa

Con­tra­ri­a­mente à ideia que muitas vezes existe, e à men­sagem que o Go­verno e os de­fen­sores do pen­sa­mento eco­nó­mico ul­tra­li­beral do­mi­nante pre­tendem fazer passar junto da opi­nião pú­blica, no­me­a­da­mente nos media, tanto o in­ves­ti­mento es­tran­geiro em Por­tugal, como o que os grupos eco­nó­micos a operar em Por­tugal fazem no es­tran­geiro, não é in­ves­ti­mento pro­du­tivo di­recto em em­presas, mas sim apli­ca­ções fi­nan­ceiras que visam a ob­tenção de ga­nhos ele­vados e ime­di­atos.

Os grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros con­tri­buem para a fi­nan­cei­ri­zação eco­nomia, e para o «ca­pi­ta­lismo de ca­sino»

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LUSA

O Quadro 1, cons­truído com dados di­vul­gados pelo Banco de Por­tugal re­la­ti­va­mente ao pe­ríodo 2000/​2011, mostra com cla­reza a es­tru­tura dos in­ves­ti­mentos re­a­li­zados tanto em Por­tugal como no es­tran­geiro.

No pe­ríodo 2000/​2011, o valor médio anual dos in­ves­ti­mentos no es­tran­geiro re­a­li­zados, na sua mai­oria, pelos grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros a operar em Por­tugal atingiu 236 145 mi­lhões de euros, sendo o in­ves­ti­mento di­recto em em­presas apenas 37 888 mi­lhões de euros, ou seja, 16% da­quele total; o res­tante, ou seja, 198 258 mi­lhões de euros (84%) foram apli­ca­ções fi­nan­ceiras (ac­ções, obri­ga­ções, tí­tulos da dí­vida pú­blica, etc.) cujo ob­jec­tivo é a ob­tenção de ga­nhos ele­vados e rá­pidos.

Si­tu­ação se­me­lhante se ve­ri­fica em re­lação ao in­ves­ti­mento es­tran­geiro em Por­tugal. No pe­ríodo 2000/​2011, o valor médio anual do in­ves­ti­mento es­tran­geiro em Por­tugal atingiu 370 218 mi­lhões de euros, sendo o in­ves­ti­mento di­recto em em­presas apenas 61 718 mi­lhões de euros, o que cor­res­ponde a so­mente a 16,7% do total; e o res­tante, ou seja, 308 500 mi­lhões de euros (83,3% do total) foram apli­ca­ções fi­nan­ceiras.

Se a aná­lise se li­mitar apenas ao ano de 2011, por­tanto um ano re­cente, as con­clu­sões an­te­ri­ores con­ti­nuam a ser vá­lidas. Assim, no fim de 2011, o in­ves­ti­mento re­a­li­zado no es­tran­geiro por grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros a operar em Por­tugal atingia 276 830 mi­lhões de euros, sendo o in­ves­ti­mento di­recto em em­presas apenas 52 594 mi­lhões de euros, ou seja, 19% do total, en­quanto 224 236 mi­lhões de euros (81% do total) eram apli­ca­ções fi­nan­ceiras. E in­ver­sa­mente, em 2011, o in­ves­ti­mento es­tran­geiro em Por­tugal atingia 468 806 mi­lhões de euros, sendo in­ves­ti­mento di­recto em em­presas apenas 61 718 mi­lhões de euros (18% do total); o res­tante, ou seja, 384 537 mi­lhões de euros eram apli­ca­ções fi­nan­ceiras com o ob­jec­tivo de obter ga­nhos ele­vados e ime­di­atos.

Se ana­li­sarmos os fluxos de ren­di­mentos pro­vo­cados por estes in­ves­ti­mentos, eles al­cançam va­lores ex­tre­ma­mente ele­vados e têm es­tru­tura se­me­lhante. Se­gundo dados di­vul­gados pelo Banco de Por­tugal, no pe­ríodo 2000/​2011 foram trans­fe­ridos para o es­tran­geiro ren­di­mentos que to­ta­li­zaram 165 190 mi­lhões de euros, e foram re­ce­bidos do es­tran­geiro ren­di­mentos que so­maram 99 104 mi­lhões de euros, ou seja, menos 66 086 mi­lhões de euros do que o trans­fe­rido para o ex­te­rior. Por outro lado, dos 165 190 mi­lhões de euros trans­fe­ridos para o es­tran­geiro no pe­ríodo 2000/​2011, apenas 44 788 mi­lhões de euros (27,1% do total) ti­veram como origem in­ves­ti­mento di­recto em em­presas em Por­tugal; os res­tantes 116 708 mi­lhões de euros (70,6%) re­sul­taram de apli­ca­ções fi­nan­ceiras.

Se a mesma aná­lise for feita em re­lação aos 99 104 mi­lhões de euros de ren­di­mentos re­ce­bidos do es­tran­geiro, du­rante o mesmo pe­ríodo, con­clui-se que apenas 24,1% (23 838 mi­lhões de euros) ti­veram como origem in­ves­ti­mento di­recto em em­presas no es­tran­geiro, en­quanto 73,6%, ou seja, 72 969 mi­lhões de euros re­sul­taram de apli­ca­ções fi­nan­ceiras feitas no es­tran­geiro.

Tanto num caso como no outro, a pre­fe­rência dos grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros é por in­ves­ti­mentos fi­nan­ceiros, muitos deles es­pe­cu­la­tivos, com ob­jec­tivo de obter ga­nhos ele­vados e ime­di­atos, em pre­juízo do in­ves­ti­mento pro­du­tivo. Desta forma, os grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros con­tri­buem para a fi­nan­cei­ri­zação da eco­nomia, e para o «ca­pi­ta­lismo de ca­sino», apro­pri­ando-se de uma parte sig­ni­fi­ca­tiva do valor criado pelas em­presas pro­du­tivas e por aquele que o Es­tado ar­re­cada às fa­mí­lias e de­mais con­tri­buintes. Se­gundo o Re­la­tório do Or­ça­mento do Es­tado para 2012 que foi apro­vado, o Es­tado vai des­pender com juros e ou­tros en­cargos fi­nan­ceiros 8013 mi­lhões de euros, mais do que vai gastar com o Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, que é 7498 mi­lhões de euros, ou que vai trans­ferir para a Se­gu­rança So­cial, que é 6457 mi­lhões de euros.

A quase to­ta­li­dade dos 165 190 mi­lhões de euros de ren­di­mentos trans­fe­ridos para o es­tran­geiro no pe­ríodo 2000/​2012 não pagou qual­quer im­posto em Por­tugal. Se fosse apli­cada a estes ren­di­mentos a mesma taxa de IRS que é apli­cada quando se trata de con­tri­buintes in­di­vi­duais – 20% sobre mais va­lias, e 21,5% em 2012; 25% sobre juros e ou­tros ren­di­mentos e, em 2012, 26,5% –, e 10% sobre os di­vi­dendos dis­tri­buídos, para de­sin­cen­tivar o seu le­van­ta­mento e, con­se­quente, des­ca­pi­ta­li­zação das em­presas, e pro­mover o in­ves­ti­mento pro­du­tivo e a cri­ação de em­prego, o Es­tado teria ob­tido uma re­ceita fiscal adi­ci­onal que es­ti­mamos em 32 423 mi­lhões de euros, ou seja, em média 3245 mi­lhões de euros por ano. E não re­fe­rimos os 99 104 mi­lhões de euros re­ce­bidos do es­tran­geiro du­rante este mesmo pe­ríodo.

Quando se exige tantos sa­cri­fí­cios aos tra­ba­lha­dores e pen­si­o­nistas por­tu­gueses, exigir que estes grupos pa­gassem o mesmo valor de IRS que é exi­gido à mai­oria dos por­tu­gueses, o que cer­ta­mente con­tri­buiria para ali­viar a carga fiscal brutal que in­cide sobre os por­tu­gueses e para re­duzir as di­fi­cul­dades do Es­tado, seria cer­ta­mente mais do que justo. Só a in­sen­si­bi­li­dade so­cial e hu­mana total deste Go­verno e a ce­gueira mo­ti­vada por ra­zões de classe, ori­en­tada em de­fender os in­te­resses dos grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros, é que o po­derá im­pedir de ver as de­si­gual­dades e o so­fri­mento que está a pro­vocar.



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