Jovens no combate por trabalho com direitos

Futuro incerto altera-se com a luta

Hugo Janeiro (texto)
Jorge Caria (fotos)

Cen­tenas de jo­vens par­ti­ci­param no sá­bado, 14, no 2.º pi­que­nique contra a pre­ca­ri­e­dade e o de­sem­prego. A ini­ci­a­tiva pro­mo­vida pela In­ter­jovem/CGTP-IN e pela As­so­ci­ação de Bol­seiros de In­ves­ti­gação Ci­en­tí­fica (ABIC) ter­minou com uma marcha pela Baixa de Lisboa que con­firmou que a ju­ven­tude é a força mo­tora na con­quista de um fu­turo de tra­balho com di­reitos.

Não somos uma ge­ração con­for­mada

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À hora do al­moço, os par­ti­ci­pantes vindos de todo o país já en­chiam o Mi­ra­douro de São Pedro de Al­cân­tara, mas o prato forte do pi­que­nique, onde não faltou a ani­mação mu­sical es­ti­mu­lando a razão e os sen­tidos para a acção, es­tava re­ser­vado para o início da tarde.

No de­bate que su­cedeu ao con­vívio gas­tro­nó­mico, Ana­bela La­ran­jeira, co­or­de­na­dora da In­ter­jovem, e Ana Te­resa Pe­reira, pre­si­dente da ABIC, su­bli­nharam os in­gre­di­entes com os quais su­ces­sivos go­vernos, in­cluindo o ac­tual, têm co­zi­nhado o pre­sente amargo dos jo­vens tra­ba­lha­dores e um fu­turo que já deixa adi­vi­nhar um sabor a in­cer­teza.

No caso dos bol­seiros de in­ves­ti­gação ci­en­tí­fica, o es­ta­tuto apro­vado em 2004 está longe de cor­res­ponder não apenas às pre­ten­sões dos mi­lhares de jo­vens que de­dicam o me­lhor da sua energia à pro­dução de co­nhe­ci­mento, mas, também, às fun­ções de que de facto estes se ocupam nos cen­tros de in­ves­ti­gação.

«É um es­ta­tuto de­sac­tu­a­li­zado face à re­a­li­dade vi­vida pelos bol­seiros, que não são re­co­nhe­cidos como tra­ba­lha­dores», e, por isso, não pos­suem um vín­culo la­boral, não usu­fruem de di­reitos bá­sicos como fé­rias, li­cença de ma­ter­ni­dade/​pa­ter­ni­dade ou do­ença, sub­sídio de de­sem­prego ou qual­quer outra pres­tação so­cial.

«Somos mão-de-obra ba­rata e pre­cária [o valor das bolsas não é ac­tu­a­li­zado desde 2002], o elo mais fraco da ca­deia a quem vedam igual­mente o di­reito de con­tri­buir para o de­sen­vol­vi­mento do País», uma vez que «o in­ves­ti­mento feito na nossa for­mação é em muitos casos apro­vei­tado no es­tran­geiro», onde os bol­seiros, em­pur­rados para a emi­gração, «con­tri­buem para a cri­ação de mais-va­lias», sin­te­tizou Ana Te­resa Pe­reira.

Opi­nião se­me­lhante ma­ni­festou pos­te­ri­or­mente Tiago Lapa, dou­to­rando e membro da ABIC. «Somos qua­dros al­ta­mente qua­li­fi­cados que pre­en­chem ne­ces­si­dades per­ma­nentes das ins­ti­tui­ções, que passam de pro­jecto para pro­jecto, muitas vezes tra­ba­lhando de graça até que seja apro­vado o seu fi­nan­ci­a­mento. Se a bolsa não é re­no­vada, fi­camos sem qual­quer ren­di­mento. Vi­vemos numa in­cer­teza per­ma­nente.»

Com­bate ga­ran­tido 

A si­tu­ação dos bol­seiros de in­ves­ti­gação ci­en­tí­fica en­quadra-se no con­texto geral de um País mas­ti­gado pela po­lí­tica de di­reita, no qual os jo­vens são tra­tados como ma­téria des­car­tável.

Na di­gestão das con­sequên­cias de quase quatro dé­cadas de contra-re­vo­lução, so­bres­saem os 36 por cento de jo­vens com idade igual ou in­fe­rior a 25 anos que se en­con­tram de­sem­pre­gados; os 71 por cento de jo­vens de­sem­pre­gados sem acesso a sub­sídio de de­sem­prego, fruto do aperto das re­gras de atri­buição e da im­po­sição da pre­ca­ri­e­dade, já que, na mai­oria dos casos, não tra­ba­lham tempo su­fi­ci­ente para que lhes seja con­ce­dido tal di­reito; as cen­tenas de mi­lhares de jo­vens tra­ba­lha­dores abaixo do li­miar da po­breza, for­çados a per­ma­necer em casa dos pais, ora porque não con­se­guem em­prego, ora porque o sa­lário au­fe­rido ronda os 435 euros lí­quidos do Sa­lário Mí­nimo Na­ci­onal, ou ainda menos que isso, sa­li­entou, por seu lado Ana­bela La­ran­jeira.

«Esta é a ge­ração mais qua­li­fi­cada de sempre», mas, si­mul­ta­ne­a­mente, aquela que se vê im­pe­dida de cons­ti­tuir uma vida in­de­pen­dente e digna, acres­centou.

As al­te­ra­ções à le­gis­lação la­boral re­cen­te­mente apro­vadas, alertou ainda a co­or­de­na­dora da In­ter­jovem , só agravam a si­tu­ação. Ge­ne­ra­li­zação dos con­tratos in­di­vi­duais e dos falsos re­cibos verdes com efeitos evi­dentes na de­gra­dação do con­teúdo e no tempo de vi­gência dos vín­culos la­bo­rais entre tra­ba­lha­dores e pa­tro­nato; des­re­gu­lação dos ho­rá­rios de tra­balho; fa­ci­li­tação dos des­pe­di­mentos através do re­co­nhe­ci­mento da justa causa por in­cum­pri­mento dos ob­jec­tivos fi­xados… pelo pa­trão; em­ba­ra­te­ci­mento dos des­pe­di­mentos, são al­guns dos re­tro­cessos in­tro­du­zidos.

«Na prá­tica, ver­teram em lei o que há muito pro­cu­ravam impor no ter­reno», disse ainda Ana­bela La­ran­jeira, mas que tem me­re­cido o firme com­bate do mo­vi­mento sin­dical uni­tário, de­mo­crá­tico e de classe.

«Estas al­te­ra­ções não são para aceitar, mas para com­bater», apelou antes de in­sistir na ne­ces­si­dade de re­sistir e lutar, desde logo a partir dos lo­cais de tra­balho mas também nas ruas, e mos­trar que, «ao con­trário do que querem fazer crer, não somos uma ge­ração con­for­mada».

O apelo não caiu em saco roto, e de­pois do de­bate os jo­vens des­fi­laram pela Baixa de Lisboa ga­ran­tindo que «a luta con­tinua nas em­presas e na rua». Ficou claro que con­fron­tados com esta po­lí­tica, ser­vida para ban­que­tear o grande ca­pital, os jo­vens não estão mais dis­postos a comer e calar.

 

Vale a pena re­sistir 

 

Du­rante o de­bate, muitos foram os re­latos de per­cursos pro­fis­si­o­nais longos mar­cados por sa­lá­rios de mi­séria e es­tá­gios pro­fis­si­o­nais não re­mu­ne­rados, pre­ca­ri­e­dade per­ma­nente, de­sam­paro em si­tu­ação de de­sem­prego e falta de pers­pec­tiva de em­prego. Mas do mi­cro­fone aberto ou­viram-se ainda tes­te­mu­nhos sobre a im­por­tância de re­sistir e os re­sul­tados que, por vezes, con­quista quem luta.

«A Cons­ti­tuição do meu País está a ser vi­o­lada. Estou de­sem­pre­gado, não sei se vou ter em­prego, mas re­cuso-me a baixar os braços», disse Al­cides Santos.

«Nem tudo é negro. Temos con­se­guido al­cançar vi­tó­rias», des­tacou, por seu lado, Isabel, en­fer­meira. Exemplo disso foram as vi­tó­rias al­can­çadas na Ma­ter­ni­dade Al­fredo da Costa com a in­te­gração no quadro dos pro­fis­si­o­nais con­tra­tados a termo, apesar de ocu­parem postos de tra­balho per­ma­nentes, ou o recuo no en­cer­ra­mento do Ins­ti­tuto Gama Pinto, per­mi­tindo manter não apenas os postos de tra­balho mas também uma im­por­tante uni­dade do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde.

A mesma opi­nião ex­pres­saram Joana Dias, do CESP de Aveiro, e um jovem tra­ba­lhador do dis­trito de Leiria, que lem­braram os casos de um tra­ba­lhador da ca­deia Le­clerc rein­te­grado após pro­cesso de des­pe­di­mento ilegal, de res­ti­tuição de va­lores re­ti­rados abu­si­va­mente aos tra­ba­lha­dores de um posto da BP após in­ter­venção do sin­di­cato, ou do pa­ga­mento dos sa­lá­rios de­vidos a tra­ba­lha­dores de uma em­presa de plás­ticos da Ma­rinha Grande, en­vol­vida num pro­cesso de fa­lência tru­cu­lento.

 

Com a força da ju­ven­tude 

 

No pi­que­nique contra o de­sem­prego e a pre­ca­ri­e­dade, Li­bério Do­min­gues, em nome da Co­missão Exe­cu­tiva da CGTP-IN, saudou a ini­ci­a­tiva e re­levou a sua im­por­tância para a luta dos tra­ba­lha­dores. Para o di­ri­gente, «o que estão a fazer ao nosso País e aos jo­vens é um crime que não po­demos per­mitir que pros­siga», por isso «vamos lutar todos os dias, com todas as nossas forças pela mu­dança», com­pro­meteu-se antes de lem­brar o em­penho da cen­tral na «cri­ação de con­di­ções para que os jo­vens ex­pressem a sua ca­pa­ci­dade rei­vin­di­ca­tiva».

O que os jo­vens pre­cisam é de es­ta­bi­li­dade la­boral» e va­lo­ri­zação da sua «ca­pa­ci­dade ino­va­dora, cri­a­tiva e re­a­li­za­dora.

«Dizem-vos que a fle­xi­bi­li­dade la­boral é mo­derna, que é o fu­turo. Não é assim. É um ins­tru­mento tão velho como a ex­plo­ração ca­pi­ta­lista. Dizem-nos que os di­reitos que de­fen­demos foram con­quis­tados pelos mais ve­lhos. É falso. Foram con­quis­tados na força da ju­ven­tude. E é ela que também hoje vai vencer», con­cluiu o co­or­de­nador da União de Sin­di­catos de Lisboa.