Os Relvas

Henrique Custódio

Sobre Mi­guel Relvas, os co­men­tistas de ser­viço não he­sitam: está po­li­ti­ca­mente li­qui­dado.

To­davia, não vale a pena re­fo­cilar nas tran­qui­bér­nias que res­va­laram Relvas para o abismo, seja a em­bru­lhada das «se­cretas», as pres­sões à jor­na­lista do Pú­blico ou a es­can­da­leira da sua pseudo-li­cen­ci­a­tura na Lu­só­fona. Para esse re­pol­tre­a­mento aí estão os seus an­tigos pro­pa­gan­distas que, como de uso, são agora os mais fu­ri­osos juízes. Já lá vai o tempo em que este mi­nistro ad­junto e dos As­suntos Par­la­man­tares era as­si­na­lado, em ir­re­pri­mí­veis en­có­mios, como «o ar­qui­tecto» da vi­tória pas­sista e «o cé­rebro» da sua go­ver­nação...

O que in­te­ressa é que Relvas se tornou pa­ra­digma do sar­casmo na­ci­onal no que se re­fere à apre­ci­ação po­pular dos «po­lí­ticos pro­fis­si­o­nais».

«São todos uns vi­ga­ristas», diz a vox po­puli, sem mais de­longas.

A vi­ga­rice «faz parte da ge­né­tica na­ci­onal», de­fendem os en­ten­didos na ma­téria, que ge­ral­mente acar­reiam ilus­tra­ções da ac­ti­vi­dade po­lí­tico-pri­vada da ac­tu­a­li­dade para as di­luir nesta «pecha an­ces­tral» da vi­ga­rice, cuja «fa­ta­li­dade» pa­rece, se não ino­centar toda a gente, pelo menos de­sa­gravar a ge­ne­ra­li­dade.

É assim que os Isal­tinos Mo­rais e as Fá­timas Fel­gueiras, os Jorges Co­elho e os Fer­reiras do Amaral, os Dias Lou­reiro e os Miras Amaral, os Carlos Me­lancia e os Ave­lino Torres, os José Só­crates e os Mi­guel Relvas deste País fatal (para só fa­larmos de pro­e­mi­nentes, que a lista seria in­ter­mi­nável) cir­culam por aí, im­po­lutos e inim­pu­tá­veis, de rosto er­guido e honra aca­ba­dinha de sair do banho, mas, so­bre­tudo, muito, mas muito me­lhor na vida do que no início das for­tu­nosas fun­ções pú­blicas.

Os que foram le­vados a tri­bunal viram sempre «fazer-se jus­tiça» a seu favor, os que tran­si­taram de­sa­ver­go­nha­da­mente de cargo ofi­cial para a di­recção de grandes em­presas pri­vadas por si pró­prios tu­te­ladas en­quanto go­ver­nantes - ou ta­chos afins -, afirmam, com alvar dis­pli­cência, que «estão de cons­ci­ência tran­quila» e os que até cursos tra­fi­caram, juram a pés juntos que «sempre cum­priram a lei».

Ob­vi­a­mente, são todos ci­da­dãos acima de sus­peita.

Mas o «caso Relvas» serve de epí­tome à cha­mada «classe po­lí­tica» que des­go­verna o País há 36 anos, toda ela re­cru­tada no PS, no PSD e, quando convém, no CDS.

Ao longo desse des­go­verno, os «Relvas» pro­li­fe­raram como ervas da­ni­nhas, en­quanto os par­tidos do fa­moso «arco do poder» iam cap­tu­rando o apa­relho de Es­tado através da apro­pri­ação do «jogo de­mo­crá­tico» bur­guês.

Foi assim que PS e PSD, al­ter­nando fra­ter­nal­mente no Go­verno, foram des­mon­tando as ala­vancas do poder ins­ti­tuído pela Re­vo­lução de Abril, para as e o de­volver ao grande ca­pital. Ba­si­ca­mente, como no fas­cismo.

Não é, de facto, por acaso que a vox po­puli chama vi­ga­ristas a esta gente.

Gente que não é «vi­ga­rista» por fa­ta­li­dade na­ci­onal, pois a vi­ga­rice não é «fa­ta­li­dade» de ne­nhum povo: é fruto di­recto das de­si­gual­dades so­ciais im­postas pela ex­plo­ração ca­pi­ta­lista.

Esta gente per­tence, sim­ples­mente, à li­nhagem dos «Relvas». 



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