Alojamento, restauração e similare

Os próximos a cair?

Anselmo Dias

Para onde foram os tra­ba­lha­dores ví­timas do aban­dono das terras, do abate da frota pes­queira e da de­sin­dus­tri­a­li­zação? Acres­cen­temos a esta per­gunta uma outra: e para onde foram os jo­vens que, en­tre­tanto, che­garam à idade ac­tiva?

As res­postas a tais per­guntas não po­derão deixar, entre ou­tras, de ser as se­guintes: por um lado, para o de­sem­prego, para as re­formas an­te­ci­padas e para a emi­gração. Por outro lado, para aqueles que con­se­guiram um em­prego, o des­tino cen­trou-se, pre­do­mi­nan­te­mente, na cons­trução civil e ser­viços, so­bre­tudo na área da con­sul­toria, ser­viço so­cial, co­mércio e alo­ja­mento, res­tau­ração e si­mi­lares.

 

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Em­bora não dis­po­nhamos de dados se­guros sobre todas essas va­riá­veis, sa­bemos através dos Qua­dros de Pes­soal que nos sec­tores com maior vo­lume de mão-de-obra houve, entre 1985 e 2009, au­mentos sig­ni­fi­ca­tivos do nú­mero de tra­ba­lha­dores por conta de ou­trem, na ordem dos 119% e 117%, res­pec­ti­va­mente na cons­trução civil e no co­mércio.

Con­tudo, o maior au­mento, cerca de 183%, coube ao alo­ja­mento, res­tau­ração e si­mi­lares (Nota: fa­lamos apenas de tra­ba­lha­dores por conta de ou­trem in­se­ridos na eco­nomia formal, pelo que fica de fora quer a eco­nomia pa­ra­lela, quer o em­prego exer­cido pelos em­pre­sá­rios e seus fa­mi­li­ares). De facto, entre 1985, pe­ríodo an­te­rior à en­trada de Por­tugal na CEE, e 2009 (data dos úl­timos dados dis­po­ní­veis) o sector do alo­ja­mento, res­tau­ração e si­mi­lares passou de 74.238 para 209.921 tra­ba­lha­dores por conta de ou­trem.

Tal au­mento foi trans­versal a todo o ter­ri­tório na­ci­onal, cons­ti­tuindo para muitos a al­ter­na­tiva dis­po­nível para um em­prego. Mas para um em­prego com uma média ho­rária su­pe­rior à média do país em cerca de 2,6%. E para um em­prego mal pago.

 

Um sector com um dos sa­lá­rios mais baixos do País

 

De acordo com a de­sa­gre­gação dos 42 items da clas­si­fi­cação CAE-REV.3 ve­ri­fica-se que, to­mando como re­fe­rência a re­mu­ne­ração base, acres­cida do tra­balho ex­tra­or­di­nário e sub­sí­dios, só há dois sec­tores com ven­ci­mentos in­fe­ri­ores aos pra­ti­cados no alo­ja­mento, res­tau­ração e si­mi­lares.

Esses sec­tores en­globam as se­guintes in­dús­trias:

  • têxtil, ves­tuário e cal­çado, com um ganho médio mensal de 658 euros;

mo­bi­liário e col­chões, com um ganho médio mensal de 685 euros.

Na mesma data o ganho médio mensal atri­buído ao alo­ja­mento, res­tau­ração e si­mi­lares cor­res­pondia a 697 euros. Este valor cor­res­ponde a uma média, pelo que es­conde quer os va­lores in­fe­ri­ores quer os va­lores su­pe­ri­ores.

Se de­sa­gre­garmos o ganho médio mensal pelos 18 dis­tritos do con­ti­nente a mo­déstia sa­la­rial é a se­guinte:

in­fe­rior a 600 euros: Bra­gança, Guarda, Cas­telo Branco, Braga, Vila Real, Viana do Cas­telo e Beja;

entre os 600 e 700 euros: Viseu, Aveiro, Leiria, Coimbra, San­tarém, Se­túbal, Por­ta­legre, Porto e Évora;

Des­tacam-se destes dis­tritos o de Lisboa, com uma média mensal de 736 euros, e o de Faro, com uma média mensal de 812 euros.

Estes va­lores agregam ho­téis, can­tinas, res­tau­rantes, cafés, bares, par­ques de cam­pismo, etc.

Se essa de­sa­gre­gação for feita ela evi­den­ciará que ha­verá, ainda, mé­dias mais baixas, de­sig­na­da­mente nos res­tau­rantes, cafés e si­mi­lares.

 

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Re­trato de um sector que PS e PSD con­si­deram es­tra­té­gico

 

A di­mensão dos sa­lá­rios de mi­séria pra­ti­cados neste sector jus­ti­fica uma re­flexão na me­dida em que, desde sempre, o bloco cen­tral in­cutiu a ideia de que o tu­rismo é um sector es­tra­té­gico para o de­sen­vol­vi­mento do país.

Es­tra­té­gico, se­gundo eles, na me­dida em que a par­cela desse sector li­gada a ser­viços pres­tados a es­tran­geiros po­tencia o valor das ex­por­ta­ções.

O au­mento das ex­por­ta­ções, sendo im­por­tante, deixa de o ser quando o mesmo está ali­cer­çado numa po­lí­tica de sa­lá­rios de mi­séria, si­tu­ação exem­plar­mente ti­pi­fi­cada nos têx­teis, ves­tuário, cal­çado e mo­bi­liário, bem como no alo­ja­mento, res­tau­ração e si­mi­lares.

O au­mento do em­prego ve­ri­fi­cado neste úl­timo sector cons­ti­tuiu, por um lado, uma res­posta à falta de al­ter­na­tivas no em­prego nos sec­tores pro­du­tivos de média e alta tec­no­logia e, por outro lado, ade­quou-se ao pro­jecto ide­o­ló­gico dos go­vernos do bloco cen­tral de va­lo­rizar a ter­ce­a­ri­zação como um pro­jecto de so­ci­e­dade para o nosso país.

Mas não só.

Cons­ti­tuiu, também, um meio eficaz de acu­mu­lação pela di­fe­rença entre o re­torno do ca­pital in­ves­tido e os baixos custos da mão-de -obra, com o ar­gu­mento de que as pro­fis­sões in­se­ridas neste sector são de fácil apren­di­zagem que não jus­ti­ficam uma ele­vada con­tra­par­tida sa­la­rial.

Con­ju­gando, pois, a con­fluência de vá­rios vec­tores com­pre­ende-se que após a en­trada de Por­tugal na CEE tenha ha­vido um au­mento ex­po­nen­cial no em­prego nos sec­tores do alo­ja­mento, res­tau­ração e si­mi­lares.

Esses au­mentos atin­giram, ofi­ci­al­mente, taxas de cres­ci­mento per­cen­tual su­pe­ri­ores, pasme-se, a 8000% (oito mil por cento).

Fa­lamos de Mon­ta­legre, no ex­tremo norte de Por­tugal, que passou de um tra­ba­lhador por conta de ou­trem em 1985 para 87 em 2009. No ex­tremo sul, Al­jezur passou de dois tra­ba­lha­dores para 178. (Nota: estes dados, em­bora ofi­ciais, podem não cor­res­ponder to­tal­mente à ver­dade. É pro­vável que em 1985 ti­vesse ha­vido mais tra­ba­lha­dores por conta de ou­trem mas cuja exis­tência foi ocul­tada, ou pela eco­nomia pa­ra­lela, ou pelo in­cum­pri­mento do pre­en­chi­mento e envio dos Qua­dros de Pes­soal ao MSSS).

Em 1985 havia 27 con­ce­lhos onde não havia se­quer um tra­ba­lhador por conta de ou­trem nos sec­tores em re­fe­rência. Na­quela mesma data havia 31 con­ce­lhos com menos de quatro tra­ba­lha­dores por conta de ou­trem. Pas­sados 24 anos a si­tu­ação mudou ra­di­cal­mente.

Com efeito, entre 1985 e 2009, houve 57 con­ce­lhos com taxas de cres­ci­mento su­pe­ri­ores a 1000% (mil por cento), abran­gendo, pre­do­mi­nan­te­mente, con­ce­lhos no in­te­rior do país.

Esta taxa de cres­ci­mento não tem nada a ver nem com o au­mento po­pu­la­ci­onal e, muito menos, com a taxa de cres­ci­mento da eco­nomia.

Trata-se de algo ir­ra­ci­onal, fo­men­tado por po­lí­ticas que vi­li­pen­diam a pla­ni­fi­cação eco­nó­mica e que es­ti­mu­laram uma cor­rida a uma pre­tensa ga­linha de ovos de ouro cujos efeitos, em 2012 e anos se­guintes, não dei­xarão de cons­ti­tuir ver­da­deiros amargos de boca.

Mas se, em termos per­cen­tuais, foi o in­te­rior do País a zona mais be­ne­fi­ciada, foi, con­tudo, no li­toral onde houve os mai­ores au­mentos ab­so­lutos, mercê da pro­xi­mi­dade a es­tru­turas bal­ne­ares e a zonas com maior den­si­dade po­pu­la­ci­onal.

Com efeito, nesse pe­ríodo, coube, de longe, ao con­celho de Lisboa o maior au­mento no em­prego no alo­ja­mento, res­tau­ração e si­mi­lares, com 17025 tra­ba­lha­dores.

Se­guem-se se­quen­ci­al­mente au­mentos nos se­guintes con­ce­lhos:

entre 4000 e 6000 tra­ba­lha­dores: Al­bu­feira, Ma­to­si­nhos, Loulé e Oeiras;

entre 2000 e 4000 tra­ba­lha­dores: Cas­cais, Fun­chal, Sintra, Ama­dora, Porto, Vila Nova de Gaia, Al­mada, Loures e Coimbra;

entre 1000 e 2000 tra­ba­lha­dores: Braga, Maia, Ponta Del­gada, Lagoa, Leiria, Seixal, Lagos, Gui­ma­rães, Viseu, Faro, Ourém, Aveiro, Ta­vira, Gon­domar e Se­túbal.

Estes dados, em­bora não exaus­tivos, ajudam a es­cla­recer muita con­fusão re­la­ti­va­mente à lo­ca­li­zação da con­cen­tração do tra­balho por conta de ou­trem nos sec­tores atrás re­fe­ridos.

A ver­dade dos factos é esta: o dis­trito de Lisboa so­zinho detém cerca de 1/​3 de toda a mão-de-obra do país.

Con­tra­ri­a­mente a ideias feitas, a re­gião com o maior nú­mero de tra­ba­lha­dores no alo­ja­mento, res­tau­ração e si­mi­lares é aquela que cor­res­ponde aos con­ce­lhos de Lisboa, Oeiras e Cas­cais. Es­tamos a falar de cerca de 51000 tra­ba­lha­dores, valor que su­pera o Al­garve e a Ma­deira juntos.

O dis­trito do Porto, algo si­len­ciado, tem, com­pa­ra­ti­va­mente ao dis­trito de Faro, quase o mesmo nú­mero de tra­ba­lha­dores por conta de ou­trem nos sec­tores em apreço. Se­para-os uma di­fe­rença de cerca de 2200 tra­ba­lha­dores (Nota: convém notar que não fa­lamos de tra­balho sa­zonal, nem da eco­nomia pa­ra­lela, ele­mentos que pre­va­lecem mais em Faro do que em Lisboa e Porto).

Porque é que re­al­çamos estes dados? Fun­da­men­tal­mente por uma razão: a AH­RESP, a as­so­ci­ação pa­tronal, co­meçou por dizer que, em função do au­mento da taxa do IVA apli­cada ao sector, daí re­sul­taria o de­sem­prego de cerca de 30000 tra­ba­lha­dores.

Pos­te­ri­or­mente, em 28 de Junho, ri­go­ro­sa­mente no dia em que os tra­ba­lha­dores exi­giram au­mentos sa­la­riais em sede de re­visão do con­trato co­lec­tivo de tra­balho, aquela or­ga­ni­zação pa­tronal, pela voz do seu pre­si­dente, o Co­men­dador Mário Pe­reira Gon­çalves, um co­nhe­cido de­ma­gogo – e co­nhe­cedor dos in­cum­pri­mentos do seu sector à se­gu­rança so­cial –, al­terou aquela pre­visão, fi­xando, agora, em cerca de 64.000 o nú­mero de tra­ba­lha­dores do alo­ja­mento, res­tau­ração e si­mi­lares que po­derão en­grossar o de­sem­prego.

Em­bora a AH­RESP não tenha de­sa­gre­gado este de­sem­prego em função do vín­culo la­boral, a ser ver­dade tal ameaça a mesma terá efeitos dra­má­ticos em muitas fa­mí­lias e con­sequên­cias gra­vosas em vá­rias re­giões do país dada a am­pli­tude da­quele de­sem­prego, so­bre­tudo onde pre­va­lece a mo­no­ac­ti­viade eco­nó­mica.

Co­nhecer a lo­ca­li­zação dos tra­ba­lha­dores e prever as zonas mais afec­tadas com o de­sem­prego é uma ta­refa po­lí­tica no co­nhe­ci­mento das gra­vosas con­sequên­cias para quem vive (mal) da venda da sua força de tra­balho.

A acrescer a tal ca­la­mi­dade no seio dos tra­ba­lha­dores há que atender, também, à si­tu­ação dos pe­quenos em­pre­sá­rios. Este sector tem uma ele­va­dís­sima con­cen­tração de em­presas. De acordo com o INE, havia, em 2010, 85.205 em­presas de­di­cadas ao alo­ja­mento, res­tau­ração e si­mi­lares, o que cor­res­ponde a uma em­presa por 125 ha­bi­tantes, re­lação per­fei­ta­mente ir­ra­ci­onal num país com uma su­per­fície de 91.118 km2 e com cerca de 10 637.000 ha­bi­tantes.

Con­tudo, o valor es­ti­mado pelo INE su­pera o nú­mero de em­presas re­fe­ren­ci­adas pelo Mi­nis­tério da So­li­da­ri­e­dade e Se­gu­rança So­cial. Ente um e outro nú­mero havia, em 2009, uma di­fe­rença de 41847 uni­dades. Como se ex­plica tal di­fe­rença?

Cer­ta­mente a maior parte dessa di­fe­rença ex­plica-se pela exis­tência de micro em­presas cujo em­prego cir­cuns­creve-se ao pró­prio em­pre­sário e aos fa­mi­li­ares que o au­xi­liam na gestão e no aten­di­mento aos cli­entes, re­a­li­dade es­ta­tís­tica que não é trans­mi­tida através dos Qua­dros de Pes­soal ao MSSS.

Jun­tando uma coisa e outra, o de­sem­prego pre­visto pela AH­RESP tanto vai atingir quem tra­balha por conta pró­pria, como quem tra­balha por conta de ou­trem. O de­sastre pre­visto bate à porta de uns e ou­tros, em­bora mais do­lo­ro­sa­mente para estes úl­timos.

 

Uma re­flexão a fazer

 

Re­cu­pe­ra­remos a frase ini­cial deste ar­tigo quando alu­díamos ao aban­dono da terra, ao abate da frota pes­queira e à de­sin­dus­tri­a­li­zação. A al­ter­na­tiva foi, pois, a ter­ce­a­ri­zação da eco­nomia, em vá­rias com­po­nentes: a es­pe­cu­lação fi­nan­ceira, o de­sen­vol­vi­mento das em­presas de con­sul­toria, al­gumas das quais ver­da­deiros ni­chos de em­prego e de ne­gó­cios para ex-mi­nis­tros que aí drenam toda a in­for­mação si­gi­losa do Es­tado; e o sector de ser­viços li­gado so­bre­tudo a ser­viços pes­soais, à lim­peza, à vi­gi­lância e trans­porte de va­lores, ao apoio so­cial, ao co­mércio e ao alo­ja­mento e res­tau­ração.

Os micro, pe­quenos e mé­dios em­pre­sá­rios foram, pois, em­pur­rados para uma ter­ce­a­ri­zação onde não abunda o co­nhe­ci­mento, a tec­no­logia , a gestão e, na­tu­ral­mente, ade­quados ca­pi­tais pró­prios ca­pazes de amor­te­ce­derem o efeito no­civo da crise criada pelo sis­tema vi­gente.

Che­gados a 2012 vão ser estes, como no pas­sado foram os sec­tores pro­du­tivos, os alvos das fa­lên­cias, dos en­cer­ra­mentos e do de­sem­prego.

Há poucos dias foi tor­nado pú­blico um de­sa­bafo de um alen­te­jano, emi­grado no Al­garve, que la­pi­dar­mente re­feriu o se­guinte:«As­sisti, no pas­sado, ao de­sa­pa­re­ci­mento das se­aras. Agora as­sisto ao des­man­te­la­mento das gruas». Re­feria-se con­cre­ta­mente à des­truição da Re­forma Agrária no Alen­tejo e ao de­sastre que, ac­tu­al­mente, se abate na cons­trução civil no Al­garve.

Ou­tros ha­verá que, con­cre­ta­mente, dirão: «As­sis­timos no pas­sado à des­truição da cons­trução e re­pa­ração naval. Agora as­sis­timos ao en­cer­ra­mento ma­ciço de cafés e res­tau­rantes».

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Fontes:

  • Qua­dros de Pes­soal, MSSS, Ou­tubro de 2011;

Em­presas em Por­tugal, INE, Junho de 2012