Por um comércio externo ao serviço do crescimento e do progresso

Vaz de Carvalho

Se­gundo os dados do INE, ainda pro­vi­só­rios, re­fe­rentes aos pri­meiros cinco meses de 2012, ve­ri­fica-se em com­pa­ração com mesmo pe­ríodo em 2011, um au­mento das ex­por­ta­ções em 9 por cento (valor total de 18 919 mi­lhões de euros) e uma re­dução das im­por­ta­ções de 5,6 por cento (valor total de 23 610 mi­lhões de euros), tendo a taxa de co­ber­tura das im­por­ta­ções pelas ex­por­ta­ções pas­sado de 69,4 para 80,1 por cento.

 

Cada país deve ter o di­reito de de­finir os ca­mi­nhos que me­lhor lhe sirvam

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É ainda cedo para se poder de­finir o com­por­ta­mento até final do ano, nota-se porém uma de­sa­ce­le­ração das ex­por­ta­ções bem como uma acen­tuada re­dução das im­por­ta­ções, já que no 1.º tri­mestre de 2012 re­la­ti­va­mente ao mesmo pe­ríodo de 2011, as ex­por­ta­ções ti­nham cres­cido 11,6 por cento e as im­por­ta­ções de­cres­cido 3,3 por cento.

Em­bora a UE con­tinue a ser o prin­cipal des­tino das ex­por­ta­ções, o seu peso passa de 75,9 por cento em 2011 para 71,8 por cento em 2012 – isto sempre em re­lação aos pri­meiros cinco meses de cada ano. Por exemplo, as ex­por­ta­ções para Es­panha re­du­ziram-se 5,3 por cento, de­vido à si­tu­ação eco­nó­mica re­ces­siva neste país, si­tu­ação com­pen­sada pelo au­mento para ou­tros des­tinos como a Ho­landa e o Reino Unido. Assim, neste pe­ríodo, as ex­por­ta­ções para a UE cres­ceram três por cento, contra um sig­ni­fi­ca­tivo au­mento para ou­tros países de 27,9 por cento, com des­taque para An­gola (18,8 por cento destes des­tinos – 5,3 por cento do total) e EUA (res­pec­ti­va­mente 14,4 e 4 por cento do total).

Sa­li­enta-se um sig­ni­fi­ca­tivo au­mento na ex­por­tação de com­bus­tí­veis (ga­so­linas, fu­e­lóleo, jet fuel) (+42,7 por cento), apro­vei­tando a ca­pa­ci­dade dis­po­nível das re­fi­na­rias de­vido à re­dução da pro­cura in­terna; má­quinas, apa­re­lhos e ma­te­rial eléc­trico (+13,5 por cento); ferro e aço (+12,0 por cento); veí­culos au­to­mó­veis (+4,6 por cento). Os com­bus­tí­veis pas­saram a ser a se­gunda mais im­por­tante mer­ca­doria que se ex­porta. Note-se, no en­tanto, que apre­sentam um re­du­zido valor acres­cen­tado, de­vido ao custo das im­por­ta­ções da ma­téria-prima.

De re­ferir ainda a saída de ouro, pe­dras e ou­tros me­tais pre­ci­osos, que atingiu 356 mi­lhões de euros nestes pri­meiros cinco meses de 2012, mais 157 mi­lhões do que em igual pe­ríodo do ano pas­sado (+78,6 por cento), o que é sem dú­vida um em­po­bre­ci­mento do País. Note-se que o valor das ex­por­ta­ções destes bens em todo o ano de 2007 se li­mitou a 6,9 mi­lhões de euros.

Quanto às im­por­ta­ções, fazem-se sentir os efeitos da aus­te­ri­dade na quebra do con­sumo e do in­ves­ti­mento. Assim, di­mi­nuem as im­por­ta­ções de bens ali­men­tares e be­bidas (-6,1 por cento), bens de con­sumo não es­pe­ci­fi­cados (-5,1 por cento), bens para a in­dús­tria (-5,9 por cento), má­quinas e ou­tros bens de ca­pital (-8,2 por cento) ma­te­rial de trans­porte (-27,8 por cento). Apenas a im­por­tação de com­bus­tí­veis e lu­bri­fi­cantes cresceu neste pe­ríodo (+18 por cento).

As im­por­ta­ções pro­ve­ni­entes de países da UE ti­veram uma quebra de 8,2 por cento neste pe­ríodo, en­quanto as im­por­ta­ções dos países ex­tra­co­mu­ni­tá­rios se man­teve po­si­tiva, em­bora em forte de­sa­ce­le­ração (+1,6 por cento).

 

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A evo­lução re­cente do co­mércio ex­terno

 

Em 1995, o dé­fice da Ba­lança Co­mer­cial de Bens (BC) era de 8 038 mi­lhões de euros; em 2000 tinha pas­sado para 18 491 mi­lhões de euros, atin­gindo 20 291 mi­lhões de euros em 2010, re­du­zindo-se em 2011 para 15 404 mi­lhões de euros.

Os par­tidos da troika dis­putam os louros da me­lhoria de re­sul­tados em 2011 e nos pri­meiros meses de 2012. O Go­verno apre­senta-os como o bem su­ce­dido da sua po­lí­tica; o PS agita-se di­zendo que tal se deve a me­didas de sua res­pon­sa­bi­li­dade.

No en­tanto, como sempre dis­semos, a re­dução do dé­fice da BC é uma con­dição ne­ces­sária para o de­sen­vol­vi­mento do País. Pa­rece, por­tanto, que es­tamos no bom ca­minho. Er­rado. Não es­tamos.

A re­dução do dé­fice da BC está a ser feita da pior ma­neira pos­sível: à custa da re­dução do in­ves­ti­mento e do con­sumo, da re­dução drás­tica do valor dos sa­lá­rios e dos di­reitos la­bo­rais.

Desde 2008 que o in­ves­ti­mento di­minui, re­pre­sen­tando uma cons­tante de­gra­dação da es­tru­tura pro­du­tiva e um in­com­por­tável (e in­su­por­tável) de­sem­prego, pelo que estas po­lí­ticas não podem pros­se­guir. Se­gundo dados do Banco de Por­tugal, em 2012 o valor do in­ves­ti­mento será cerca de 36 por cento in­fe­rior ao de 2008. Por­tugal está a ficar cada vez menos pre­pa­rado para sa­tis­fazer um au­mento da pro­cura in­terna (in­ves­ti­mento e con­sumo).

Há ainda outro as­peto a sa­li­entar: o au­mento das ex­por­ta­ções está a pro­cessar-se com a di­mi­nuição das im­por­ta­ções. Des­ta­cadas fi­guras do grande ca­pital exultam com este bom re­sul­tado, em­bora não haja qual­quer po­lí­tica de au­mento da pro­dução na­ci­onal, e dizem – pe­rante o ar em­be­ve­cido do en­tre­vis­tador – que «os por­tu­gueses estão a aprender a con­sumir menos».

Claro que estão. Basta ver os nú­meros do de­sem­prego e os dados sobre a po­breza. Esta apa­rente con­tra­dição da BC é o re­sul­tado das po­lí­ticas dos PEC e do seu su­ce­dâneo agra­vado, o pacto de agressão da troika: con­su­mimos menos, ex­por­tamos mais. E não só bens e ser­viços. Os lu­cros e ou­tros ren­di­mentos saem do País sem cons­tran­gi­mentos. Se­gundo o Banco de Por­tugal, só no pe­ríodo 2008-2011 foram trans­fe­ridos para o ex­te­rior 74 942 mi­lhões de euros.

Não há in­ves­ti­mento, a eco­nomia re­gride, o exér­cito de re­serva do de­sem­prego e da pre­ca­ri­e­dade é cada vez maior, mas o Go­verno, a troika e o grande pa­tro­nato acham que es­tamos no bom ca­minho – apesar de que­rerem mais «re­formas es­tru­tu­rais».

As­so­ciado à aus­te­ri­dade, o «ex­portar mais» é uma das formas ex­pe­ditas que a po­lí­tica de di­reita tem para obter ex­ce­dente so­cial a ser en­ca­mi­nhado para a agi­o­tagem do ser­viço de dí­vida.

 

Po­lí­tica atual e con­sequên­cias

 

A au­sência de me­didas de pro­teção à pro­dução na­ci­onal e de uma po­lí­tica de subs­ti­tuição de im­por­ta­ções por pro­dução na­ci­onal con­duziu à si­tu­ação de en­di­vi­da­mento e de­sastre eco­nó­mico para o qual re­pe­ti­da­mente aler­támos. A so­lução apre­sen­tada pelos que nos le­varam a esta si­tu­ação é aus­te­ri­dade, venda de pa­tri­mónio ao es­tran­geiro e… ex­portar mais.

As drás­ticas con­di­ções que nos foram e são im­postas, pelos di­versos tra­tados da UE (Nice, Ma­as­trich, Lisboa, Me­ca­nismo Eu­ropeu de «Es­ta­bi­li­dade»), para os quais o povo não foi es­cla­re­cido e muito menos con­sul­tado, es­con­dendo-se o seu con­teúdo e as dra­má­ticas con­sequên­cias que hoje se fazem sentir, são in­com­pa­tí­veis com o de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico, a ele­vação do nível de vida, a su­pe­ração da crise. Desde 2000 e in­cluindo 2012, a média anual do cres­ci­mento eco­nó­mico foi in­fe­rior a 0,2 por cento – ab­so­luta es­tag­nação.

Na re­a­li­dade, como era re­co­nhe­cido pela ge­ne­ra­li­dade dos eco­no­mistas antes da vaga ne­o­li­beral, o mer­cado livre só pode ser be­né­fico entre re­giões com ní­veis de de­sen­vol­vi­mento com­pa­rá­veis, caso con­trário con­tribui para o au­mento das de­si­gual­dades. Se a isto as­so­ci­armos o facto de es­tarmos li­gados a uma moeda so­bre­va­lo­ri­zada re­la­ti­va­mente às con­di­ções eco­nó­micas do nosso país, então en­con­tra­remos uma das prin­ci­pais ra­zões para a si­tu­ação de Por­tugal e das eco­no­mias mais frá­geis da UE.

Nestas con­di­ções, a po­lí­tica de di­reita apre­senta como so­lução o ex­portar mais, com mais de­sem­prego e mais aus­te­ri­dade. Assim, apesar do au­mento das ex­por­ta­ções, todos os ou­tros in­di­ca­dores estão numa si­tu­ação de co­lapso. Mas con­tinua a afirmar-se que «as ex­por­ta­ções são a so­lução». Mas so­lução de quê?

Sempre de­fen­demos a re­dução do dé­fice da BC, porém de forma eco­nó­mica e so­ci­al­mente eficaz, in­te­grada numa es­tra­tégia de cres­ci­mento. As im­por­ta­ções di­mi­nuem não porque a pro­dução na­ci­onal au­mente, não porque se ve­ri­fique uma subs­ti­tuição de im­por­ta­ções por pro­dução na­ci­onal e in­ves­ti­mento pro­du­tivo, mas porque o in­ves­ti­mento e o con­sumo das em­presas e fa­mí­lias di­minui de forma dra­má­tica.

O rumo atual não é uma es­tra­tégia, é a au­sência de es­tra­tégia. É de­sistir de de­finir o que mais in­te­ressa ao País e co­locá-lo nas mãos de in­te­resses es­tran­geiros. Tanto o cres­ci­mento das ex­por­ta­ções como o in­ves­ti­mento es­tran­geiro devem en­qua­drar-se numa es­tra­tégia global de de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico e sa­tis­fação das ne­ces­si­dades so­ciais do nosso povo.

A es­tra­tégia «ex­portar mais» omi­tindo a pro­dução na­ci­onal de pro­dutos im­por­tados tem es­pe­cial in­te­resse para a po­lí­tica de di­reita: na re­a­li­dade ao sector ex­por­tador é in­di­fe­rente o poder de compra dos tra­ba­lha­dores. Con­tudo, como é evi­dente, se todos os países se­guirem o mesmo cri­tério, com os sa­lá­rios es­tag­nados nos di­versos países, o re­sul­tado será a re­cessão, a es­tag­nação eco­nó­mica geral, enfim, a crise.

As po­lí­ticas im­postas se­gundo os cri­té­rios da Or­ga­ni­zação Mun­dial do Co­mércio (OMC) pro­vo­caram o agra­va­mento das de­si­gual­dades entre países e no in­te­rior de cada país.

Não que­remos deixar de re­ferir que na UE países com graves di­fi­cul­dades eco­nó­micas e fi­nan­ceiras, como a Bél­gica, a Re­pu­blica Checa, a Es­tónia, a Li­tuânia, a Ir­landa, a Hun­gria, a Po­lónia ou a Itália, têm ou ti­veram BC po­si­tivas ou muito pró­ximas do equi­lí­brio, o que pre­ci­sa­mente não abona nada sobre as pre­tensas van­ta­gens do de­sig­nado co­mércio livre.

O mundo está cheio de exem­plos de países com ele­vado nível de ex­por­ta­ções onde o povo vive em con­di­ções de po­breza, sub­de­sen­vol­vi­mento, fome e do­enças, para além da des­truição do meio am­bi­ente.

Com este sis­tema, a ten­ta­tiva de equi­li­brar as contas na­ci­o­nais recai na so­bre­ex­plo­ração dos tra­ba­lha­dores, na des­truição das ati­vi­dades pro­du­tivas con­si­de­radas não com­pe­ti­tivas, in­de­pen­den­te­mente das con­sequên­cias eco­nó­micas e so­ciais, na eli­mi­nação de di­reitos dos tra­ba­lha­dores – tudo em nome da com­pe­ti­ti­vi­dade.

O Prémio Nobel Gary Becker afir­mava que «o di­reito ao tra­balho e a pro­teção do am­bi­ente tor­naram-se ex­ces­sivos na maior parte dos países de­sen­vol­vidos. O co­mércio livre vai re­primir al­guns destes ex­cessos, obri­gando cada um a tornar-se com­pe­ti­tivo»1. Eis a fi­lo­sofia que pre­side ao «ex­portar mais» pela qual se guia a po­lí­tica de di­reita.

Trata-se de um sis­tema so­ci­al­mente per­verso, pondo os tra­ba­lha­dores dos di­versos países em con­cor­rência uns com os ou­tros, sob o lema da com­pe­ti­ti­vi­dade: as únicas en­ti­dades a lu­crar são as trans­na­ci­o­nais. Re­cor­demos que «o pro­le­ta­riado li­berta-se su­pri­mindo a con­cor­rência2». (2)

 

Por um co­mércio ex­terno ao ser­viço do cres­ci­mento eco­nó­mico e do pro­gresso

 

A questão por­tanto é: em que me­dida o co­mércio ex­terno con­tribui para o de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico ou faz parte de um pro­cesso es­tag­nante, como se tem ve­ri­fi­cado entre nós e em muitos ou­tros países? Es­tará o co­mércio ex­terno ao ser­viço dos in­te­resses dos povos e do seu pro­gresso ou do ca­pital trans­na­ci­onal e do do­mínio dos países mais po­de­rosos?

Os factos mos­tram que se não forem se­guidas po­lí­ticas de de­sen­vol­vi­mento e de­fesa da so­be­rania na­ci­onal, o «co­mércio livre» torna-se numa forma de do­mínio dos países mais ricos sobre as eco­no­mias mais frá­geis para sa­tis­fazer as am­bi­ções das trans­na­ci­o­nais, re­sul­tando no de­sa­pa­re­ci­mento da pro­dução local, no au­mento do de­sem­prego, no em­po­bre­ci­mento dos tra­ba­lha­dores e dos pe­quenos e mé­dios pro­du­tores da agri­cul­tura, da pesca, da in­dús­tria, enfim, das ati­vi­dades pro­du­tivas.

A al­ter­na­tiva ao sis­tema de «co­mércio livre» é a gestão do co­mércio ex­terno de acordo com os in­te­resses na­ci­o­nais e do de­sen­vol­vi­mento do seu sis­tema pro­du­tivo. Isto nada tem que ver com «pro­te­ci­o­nismo», como acusa o ne­o­li­be­ra­lismo. Muito pelo con­trário, tem que ver, sim, com pla­ne­a­mento eco­nó­mico.

O co­mércio ex­terno é parte fun­da­mental do de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico e tem por­tanto de ser in­te­grado numa ade­quada es­tra­tégia de de­sen­vol­vi­mento. Cada país deve ter o di­reito so­be­rano de de­finir e pro­curar se­guir os ca­mi­nhos que per­mitam a má­xima sa­tis­fação das ne­ces­si­dades co­lec­tivas. Assim:

O co­mércio ex­terno, deve ser co­or­de­nado de forma a res­peitar os in­te­resses do de­sen­vol­vi­mento na­ci­onal não li­mi­tando a ca­pa­ci­dade do País de­finir e pôr em prá­tica po­lí­ticas na­ci­o­nais a nível dos bens ali­men­tares, da in­dús­tria e dos ser­viços, sa­li­en­tando-se muito em par­ti­cular no que diz res­peito a Por­tugal, à sua gestão dos re­cursos ma­ri­nhos – ao con­trário do que re­sulta das ce­dên­cias à UE;

As po­lí­ticas de co­mércio ex­terno não podem alhear-se ou opor-se às po­lí­ticas de em­prego;

A co­o­pe­ração eco­nó­mica entre países deve subs­ti­tuir a con­cor­rência pela de­flação sa­la­rial – a re­dução dos «custos sa­la­riais»;

Deve ser es­ta­be­le­cido um efe­tivo con­trolo sobre o mo­vi­mento de ca­pi­tais, des­lo­ca­li­za­ções e trans­fe­rência de lu­cros para pa­raísos fis­cais;

Estes cri­té­rios devem, no in­te­resse do País, so­brepor-se às fa­mi­ge­radas teses da «van­tagem com­pa­rada», que jus­ti­fica a troca de­si­gual no co­mércio ex­terno. A «van­tagem com­pa­rada» cor­res­ponde a «uma di­visão de tra­balho es­tag­nante sem ter em conta as es­tru­turas eco­nó­micas e as ra­zões de troca, in­di­ca­dores de de­pen­dência e não de in­ter­de­pen­dência»3. (3)

É isto que de­sig­namos por troca de­si­gual. É isto que se está a passar no nosso País.