TEMPO DE FÉRIAS, TEMPO DE LUTA

José Casanova

«São cada vez mais os que pensam que lu­tando, vamos lá»

Milhões de por­tu­gueses – tra­ba­lha­dores da Ad­mi­nis­tração Pú­blica, re­for­mados e pen­si­o­nistas – en­traram de fé­rias sem re­ceber o res­pec­tivo sub­sídio a que têm di­reito, e que lhes foi rou­bado a pre­texto da «crise», da «aus­te­ri­dade que toca a todos», do «in­te­resse na­ci­onal» e de ou­tras ba­lelas em nome das quais o Go­verno PSD/​CDS vai afun­dando o País, no ab­so­luto des­prezo pela Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, pelos prin­cí­pios de­mo­crá­ticos, pelo in­te­resse na­ci­onal – que é, como se sabe, o in­te­resse dos tra­ba­lha­dores, do povo e do País.

Trata-se de mais um grave roubo per­pe­trado pelo go­verno das troikas, a juntar a muitos ou­tros igual­mente graves, como é o caso do roubo do abono de fa­mília a cerca de um mi­lhão de cri­anças, e os roubos no di­reito à Saúde e à Edu­cação, e os roubos de ser­viços pú­blicos es­sen­ciais, e...e...

E no dia 1, en­trou em vigor o an­ti­cons­ti­tu­ci­onal Có­digo do Tra­balho – apro­vado no es­sen­cial pelos três par­tidos da po­lí­tica de di­reita e aben­çoado pelo Pre­si­dente da Re­pú­blica – que cons­titui uma ver­da­deira de­cla­ração de guerra aos di­reitos con­quis­tados pelos tra­ba­lha­dores por­tu­gueses ao longo de dé­cadas de luta. Acresce que o grande pa­tro­nato está já a tentar apro­veitar para pe­na­lizar ainda mais os di­reitos e as re­mu­ne­ra­ções dos tra­ba­lha­dores: veja-se o caso da EDP que já anun­ciou que, a partir do dia 1, «fe­ri­ados e horas ex­tra­or­di­ná­rias serão pagos só a me­tade» – a EDP que, no pri­meiro se­mestre deste ano, somou lu­cros que, com os da EDP-re­no­vá­veis, se apro­ximam dos 700 mi­lhões de euros…

Há dias foi anun­ciada a pro­mul­gação pelo Pre­si­dente da Re­pú­blica – que bem pode ser cog­no­mi­nado de «o pro­mul­gador» – da lei do ar­ren­da­mento, mais apro­pri­a­da­mente cha­mada lei dos des­pejos, e que, como o Go­verno e o PR sabem – e querem – vai deixar sem casa mi­lhares de pes­soas e obrigar mi­lhares de pe­quenos co­mer­ci­antes a fe­char as portas.

Quanto ao IRS – o único im­posto que, porque in­cide sobre quem tra­balha, au­mentou a re­ceita – mais de 300 mil fa­mí­lias ainda não re­ce­beram o re­em­bolso que lhes é de­vido, en­quanto os que têm que pagar são obri­gados a fazê-lo um mês antes do que era ha­bi­tual.

E mais roubos estão na calha – sempre roubos aos po­bres para dar aos ricos, como com­pete a go­ver­nantes que fun­ci­onam em jeito de ro­bins do bos­ques de patas para o ar… – porque de um go­verno como o ac­tual outra coisa não há que es­perar.

 Tudo isto a con­firmar que, como in­ci­si­va­mente su­bli­nhou o Se­cre­tário-geral do PCP, «a ofen­siva não en­trou de fé­rias», pois como a re­a­li­dade nos mostra todos os dias, o ataque pre­dador aos in­te­resses e di­reitos dos tra­ba­lha­dores e do povo pros­segue e in­ten­si­fica-se como um tsu­nami de­vas­tador.

Tudo a con­firmar, também, que, de entre as mil e uma me­didas que o Go­verno PSD/​CDS vai to­mando, nem uma – uma só! – é fa­vo­rável a quem tra­balha e vive do seu tra­balho – ou seja, à imensa mai­oria dos por­tu­gueses; e que todas elas – todas sem ex­cepção! – servem ex­clu­si­va­mente os in­te­resses de quem vive à custa do tra­balho dos ou­tros – isto é, a imensa mi­noria dos por­tu­gueses.

Tudo a con­firmar, enfim, que de gente como a que está à frente do Go­verno nada de bom, e tudo de mau, há a es­perar para os tra­ba­lha­dores, o povo e o País – e nada de mau, e tudo de bom, há a es­perar para os grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros.

E por muito que o pri­meiro-mi­nistro in­sista no blá-blá-blá do pa­trió­tico de­sígnio de «salvar o País», são cada vez mais os por­tu­gueses que se in­ter­rogam sobre como é que se pode «salvar o País» afun­dando-o na re­cessão, no de­sem­prego, nas in­jus­tiças so­ciais, na po­breza, na mi­séria, na fome. Re­giste-se, a pro­pó­sito, a de­cla­ração do pre­si­dente da Rede Eu­ro­peia Anti-Po­breza na Eu­ropa, Sérgio Aires, que alerta para o facto de as me­didas de aus­te­ri­dade es­tarem a agravar a já di­fícil si­tu­ação de cri­anças e idosos e de o risco de po­breza atingir mais de me­tade da po­pu­lação por­tu­guesa.

 Alguns co­men­ta­dores de ser­viço têm vindo a ter­reiro clamar contra os que atri­buem ao Go­verno Passos/​Portas a res­pon­sa­bi­li­dade ex­clu­siva pela si­tu­ação dra­má­tica em que o País se en­contra. Re­jei­tando a ideia por eles de­fen­dida que as culpas vêm ex­clu­si­va­mente do go­verno an­te­rior, há que re­co­nhecer que tais co­men­ta­dores estão cheios de razão: de facto, e como o PCP tem in­sis­ten­te­mente su­bli­nhado, os cul­pados de tudo – todos os cul­pados de tudo – são os su­ces­sivos go­vernos PS/​PSD/​CDS que, de há trinta e seis anos a esta parte, numa al­ter­nância ci­rur­gi­ca­mente pro­gra­mada e en­quanto con­se­lhos de ad­mi­nis­tração dos in­te­resses do grande ca­pital, vêm le­vando à prá­tica esta po­lí­tica de de­sastre na­ci­onal que tem fus­ti­gado Por­tugal e os por­tu­gueses em moldes que só en­con­tram pa­ra­lelo nos te­ne­brosos tempos que em Abril, Abril venceu.

E é a essa po­lí­tica an­ti­pa­trió­tica e de di­reita – ao ser­viço do grande ca­pital – que é pre­ciso, im­pe­rioso e ur­gente pôr termo e subs­ti­tuir por uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda, ao ser­viço do povo e do País – ob­jec­tivo que só será al­can­çado com a in­ten­si­fi­cação e o alar­ga­mento da luta das massas tra­ba­lha­doras e po­pu­lares.

Ora, se é certo que os go­ver­nantes de ser­viço não deram «fé­rias» à fla­ge­lação dos tra­ba­lha­dores e do povo, também é ver­dade que a luta dos tra­ba­lha­dores e do povo não en­trou de fé­rias. Como pode cons­tatar-se na pre­sente edição do Avante!, neste mês de Agosto a luta con­tinua, forte, em múl­ti­plos sec­tores e áreas de ac­ti­vi­dade – e são reais as pers­pec­tivas de ela ad­quirir muito mai­ores di­mensão e pro­por­ções nos meses que aí vêm.

Porque são cada vez mais os que pensam que lu­tando, vamos lá – e que, por isso, se dis­po­ni­bi­lizam para a luta.