- Nº 2019 (2012/08/9)
Líbia dominada pelo terror

Cruz Vermelha forçada a partir

Internacional

O Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) suspendeu as actividades na Líbia na sequência de uma série de ataques contra as suas instalações e cooperantes, situação reveladora do terror que domina o país desde a agressão da NATO.

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O último episódio violento contra a organização humanitária ocorreu domingo, 5, em Misrata. De acordo com o CICV, um grupo fortemente armado bombardeou o escritório da organização na cidade com granadas de morteiro. O edifício ficou parcialmente destruído mas nenhum dos sete funcionários que se encontravam no local resultou ferido.

Não obstante, o caso terá feito transbordar a paciência da organização, que notou, em comunicado, que «o ataque poderia ter tido graves consequências», por isso decidiu abandonar as missões instaladas em Misrata e Benghazi.

A destruição do escritório da Cruz Vermelha em Misrata foi o quinto episódio de «ataque e caça deliberada contra o nosso pessoal» nos últimos três meses, sublinhou o responsável pela organização na Líbia, que se manifestou «horrorizado» com o sucedido e lembrou que os funcionários «colocaram a vida em risco para ajudar o povo líbio durante e após o conflito» no país.

Comboios com ajuda humanitária destinados a cidades onde a população se encontra refém das milícias que disputam entre si o controlo do território, como Sirte, por exemplo, também têm sido assaltados.

Acresce que, na quarta-feira, dia 1, um grupo de sete cooperantes do Crescente Vermelho iraniano, convidado a deslocar-se ao país pela congénere líbia, foi raptado por uma facção conotada com o extremismo islâmico.

O bando já fez saber que só liberta os iranianos depois de concluir os interrogatórios, cujo objectivo, disse um porta-voz dos sequestradores, citado pelo Libya Herald, é apurar se os indivíduos pretendiam difundir a crença xiita no país.

A Amnistia Internacional reagiu exigindo às autoridades líbias que se «imponham às milícias».

 

Mandam as armas

 

Dias antes do ataque ao edifício da Cruz Vermelha em Misrata, outros dois episódios violentos ilustram que na Líbia arrasada pela campanha militar imperialista manda quem tem o dedo no gatilho.

Sexta-feira, 3, uma forte explosão sacudiu um dos edifícios dos serviços secretos militares em Benghazi, confirmou à Associated Press um funcionário local que, no entanto, não adiantou o motivo do ataque.

No mesmo dia, igualmente na cidade considerada o berço do levantamento armado desencadeado o ano passado no país, um conjunto de pistoleiros invadiu uma prisão e libertou o alegado assassino de Abdel Yunis, morto em Julho de 2011 quando era considerado um dos mais influentes líderes milicianos.

O domínio do país pela força das armas é, aliás, atestado por um relatório recente elaborado pela Universidade de Harvard, nos EUA. De acordo com o estudo, divulgado no final da semana passada, a situação é explosiva.

«Há armas dispersas em todo o país (incluindo mísseis e outro armamento pesado), guardadas em bunkers mal protegidos, em depósitos controlados por milícias, em museus e até casas particulares» situadas em zonas densamente povoadas, alertou a co-autora do texto, Nicolette Boehland, citada pela AFP. Os riscos para os civis são enormes, disse.

No mesmo sentido, o membro do Observatório Líbio dos Direitos Humanos (OLDH), Nasser al-Hawary, confirmou, em entrevista concedida a Mel Frykberg para a Inter Press Service, que em Tripoli, e muito mais nas regiões fora da capital, a insegurança é absoluta.

Hawary, insuspeito de simpatias para com a revolução verde ou Muamar Kadhafi – já que, diz, foi diversas vezes preso e forçado a exilar-se no Egipto –, reconhece que «a situação dos direitos humanos no país está muito pior do que com Kadhafi».

Na entrevista, o membro do OLDH sublinhou que «todos os homens jovens têm armas» e habituaram-se a «resolver os diferendos», seja qual for a sua natureza ou dimensão, pela força.

Acresce a prevalência da arbitrariedade, do banditismo e da impunidade, denunciou ainda Hawary, exemplificando com os constantes casos de sequestros, torturas, assassinatos e detenções (pelo menos seis mil pessoas permanecem detidas em cárceres controlados por diferentes facções, a maioria dos quais sem que lhes tenha sido imputado qualquer crime); com a extorsão e o roubo das populações, a discriminação e repressão de negros e migrantes, ou a imposição de normas que variam consoante o grupo armado e, não raramente, ao sabor do critério do indivíduo que aponta a arma.