Lições de Marikana

Carlos Lopes Pereira

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Os trá­gicos eventos na mina de Ma­ri­kana, na África do Sul, são «o mais sério de­safio co­lo­cado à uni­dade e força dos tra­ba­lha­dores desde há muitos anos a esta parte», con­si­dera o Con­gresso dos Sin­di­catos Sul-afri­canos (Co­satu).

Na se­mana pas­sada, 34 tra­ba­lha­dores mor­reram e 78 fi­caram fe­ridos quando a po­lícia dis­parou sobre gre­vistas, ale­gando ter agido em le­gí­tima de­fesa quando ma­ni­fes­tantes ar­mados de paus, ca­tanas e «armas pe­ri­gosas» ata­caram as au­to­ri­dades. Dias antes, 10 pes­soas, in­cluindo dois po­lí­cias, mor­reram em in­ci­dentes si­mi­lares na mesma zona, pró­ximo de Rus­ten­burg.

Tra­ba­lham na mina, ex­plo­rada pela Lonmin, o ter­ceiro maior pro­dutor de pla­tina do mundo, 30 mil pes­soas, três mil das quais en­traram em greve exi­gindo me­lhores sa­lá­rios. A em­presa con­si­dera a greve ilegal e exige o seu fim, ame­a­çando com des­pe­di­mentos.

O pre­si­dente Zuma, que se en­con­trava em Mo­çam­bique na al­tura do mas­sacre, an­te­cipou o re­gresso, des­locou-se a Rus­ten­burg e no­meou uma co­missão de inqué­rito para apurar o que se passou e ex­trair «as li­ções ne­ces­sá­rias».

Zuma de­cretou uma se­mana de luto na­ci­onal e hoje, quinta-feira, re­a­lizam-se ce­ri­mó­nias para «pro­mover uma so­ci­e­dade sem vi­o­lência». O chefe de Es­tado de­clarou-se «cho­cado e per­tur­bado», já que acre­dita existir «es­paço su­fi­ci­ente na nossa ordem de­mo­crá­tica para que qual­quer dis­puta seja re­sol­vida através do diá­logo e sem qual­quer vi­o­lação da lei ou vi­o­lência».

Go­ver­nada desde 1994 pelo ANC (Con­gresso Na­ci­onal Afri­cano), a África do Sul, a maior eco­nomia do con­ti­nente, tem in­ves­tido muito nestes 18 anos no com­bate à po­breza e ao de­sem­prego mas não con­se­guiu ainda re­solver as pro­fundas dis­pa­ri­dades so­ciais her­dadas do apartheid.

Tal como no tempo da luta contra o do­mínio da mi­noria branca ra­cista, os ali­ados do ANC hoje con­ti­nuam a ser a cen­tral sin­dical Co­satu e o Par­tido Co­mu­nista Sul-afri­cano (SACP).

As duas or­ga­ni­za­ções já se pro­nun­ci­aram sobre Ma­ri­kana.

A Co­satu ma­ni­festou-se «cho­cada», trans­mitiu con­do­lên­cias às fa­mí­lias en­lu­tadas, apelou aos tra­ba­lha­dores para man­terem «o má­ximo de dis­ci­plina e uni­dade, face a uma brutal ten­ta­tiva de os di­vidir e en­fra­quecer» e «ga­rantiu o seu pleno apoio aos es­forços do Sin­di­cato Na­ci­onal dos Mi­neiros (NUM) para re­solver esta si­tu­ação».

A di­recção da Co­satu de­nun­ciou «a emer­gência de uma es­tra­tégia po­lí­tica co­or­de­nada de uti­li­zação da in­ti­mi­dação e vi­o­lência, ma­ni­pu­lada por ex-di­ri­gentes sin­di­cais in­sa­tis­feitos, numa ma­nobra con­cer­tada para criar “sin­di­catos” dis­si­dentes, para di­vidir e en­fra­quecer o mo­vi­mento sin­dical». E apelou a todos os tra­ba­lha­dores para se man­terem «vi­gi­lantes mas calmos, face ao mais sério de­safio co­lo­cado à uni­dade e força dos tra­ba­lha­dores desde há muitos anos a esta parte».

Por seu turno, o co­mité cen­tral do SACP de­bruçou-se sobre «os trá­gicos acon­te­ci­mentos de Ma­ri­kana», so­li­da­rizou-se com as fa­mí­lias de luto e saudou a cri­ação da co­missão pre­si­den­cial de inqué­rito.

Para os co­mu­nistas sul-afri­canos, é im­pos­sível per­ceber a tra­gédia sem com­pre­ender o seu con­texto. Ci­tando um re­cente re­la­tório da Bench Marks Foun­da­tion, li­gada a uma Igreja, lem­bram como as prin­ci­pais cor­po­ra­ções mi­neiras ga­nharam mi­lhares de mi­lhões de rands com os mais ricos de­pó­sitos de pla­tina do mundo, «dei­xando um rasto de mi­séria, morte, po­breza, do­ença e po­luição am­bi­ental nas co­mu­ni­dades em redor».

O re­la­tório de­nuncia que a ex­plo­ração em Ma­ri­kana pro­voca «altos ní­veis de aci­dentes mor­tais» e que as «con­di­ções de alo­ja­mento dos tra­ba­lha­dores são ter­rí­veis». E ex­plica que os aci­dentes la­bo­rais devem-se à uti­li­zação ma­ciça de mão-de-obra sub­con­tra­tada, em geral mal paga, mal trei­nada e mal alo­jada.

Mais im­por­tante, o re­la­tório aponta a sub­con­tra­tação de tra­ba­lha­dores pelas em­presas mi­neiras como uma me­dida de re­dução de custos e uma ten­ta­tiva de «que­brar o poder do NUM», para en­fra­quecer os di­reitos de ne­go­ci­ação co­lec­tiva que a classe ope­rária or­ga­ni­zada con­quistou em dé­cadas de luta.

Para o SACP, a co­missão de inqué­rito deve ter em conta o pa­drão de vi­o­lência as­so­ciado ao pseu­do­sin­di­cato AMCU nos lo­cais onde pro­cura im­plantar-se. Esse grupo foi criado com a co­ni­vência da BHP Bil­liton, uma mul­ti­na­ci­onal anglo-aus­tra­liana, com o pro­pó­sito de en­fra­quecer o NUM.

Em suma, de acordo com os co­mu­nistas, é im­pos­sível per­ceber a tra­gédia de Ma­ri­kana sem ava­liar como as cor­po­ra­ções mi­neiras, sen­tadas sobre mais de 80% dos re­cursos mun­diais de pla­tina, cri­aram «uma co­mu­ni­dade de po­breza de­ses­pe­rada e ten­sões di­vi­si­o­nistas». E sem com­pre­ender como a ga­nância das cor­po­ra­ções, cujo único ob­jec­tivo é o lucro, «tentou en­fra­quecer um sin­di­cato es­ta­be­le­cido e a ne­go­ci­ação co­lec­tiva em co­ni­vência com forças de­ma­gó­gicas».

Há, pois, muitas li­ções a tirar da tra­gédia de Ma­ri­kana.

O ANC e seus ali­ados – por­ta­dores de um pa­tri­mónio de luta ini­gua­lável e ins­pi­rados pelos exem­plos de he­róis como Nelson Man­dela e de ou­tros pa­tri­otas – terão de estar à al­tura de res­ponder aos de­sa­fios co­lo­cados e pros­se­guir a cons­trução de uma África do Sul pa­cí­fica, de­mo­crá­tica e pro­gres­sista.



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