Pacífico encrespado

Luís Carapinha

Nas ma­no­bras de de­ses­ta­bi­li­zação em curso cabe aos EUA o papel de Tar­tufo

Sinais in­qui­e­tantes con­ti­nuam a chegar da re­gião que a es­tra­tégia de he­ge­monia dos EUA ape­lida de Ásia-Pa­cí­fico. O quadro de dis­putas cru­zadas e ins­ta­bi­li­dade em que a China é per­fi­lada como o «alvo a abater» tende a ad­quirir con­tornos per­ma­nentes. A «car­tada ter­ri­to­rial» volta a ser es­gri­mida e ins­tru­men­ta­li­zada em toda a linha dos mares da China. Si­nó­nimo do avo­lumar de ten­sões, a Ci­meira da As­so­ci­ação das Na­ções do Su­deste Asiá­tico re­a­li­zada em Julho ter­minou sem co­mu­ni­cado con­junto, o que acon­tece pela pri­meira vez em 45 anos de his­tória. A úl­tima gota nesta pe­ri­gosa cor­rente de es­ca­lada foi lan­çada nas úl­timas se­manas pelo Japão por via do anúncio re­la­tivo à pro­pri­e­dade da ilha Di­aoyu no Mar Ori­ental da China.

A ati­tude pro­vo­ca­dora do de­sa­cre­di­tado exe­cu­tivo de Yoshihiko Noda do Par­tido De­mo­crá­tico Ja­ponês não cons­titui apenas uma pe­ri­gosa ma­nobra de­ma­gó­gica de um na­ci­o­na­lismo ba­fi­ento a que se presta, desta feita, a pre­cária so­cial-de­mo­cracia ni­pó­nica. Salta à vista o ar­ras­tado con­texto global de agra­va­mento da crise ca­pi­ta­lista, em que o Japão é por ex­ce­lência ilus­tração do quadro pro­e­mi­nente de es­tag­nação. Ter­ceira eco­nomia do pla­neta, a dí­vida pú­blica ja­po­nesa galgou já os 200 por cento do PIB e o fosso das de­si­gual­dades não cessa de au­mentar. Nin­guém es­quece igual­mente os im­pactos desta crise no ar­re­fe­ci­mento da eco­nomia chi­nesa – se­gunda do pla­neta e que ainda assim os­tenta um cres­ci­mento do PIB perto dos oito por cento re­fe­rente ao pri­meiro se­mestre do ano –, tal como não é es­que­cido o ca­len­dário po­lí­tico chinês, em vés­peras da re­a­li­zação de im­por­tante con­gresso par­ti­dário e da pro­gra­mada re­no­vação subs­tan­cial das li­de­ranças no PCCh e no Es­tado. Mo­mento pois para [o im­pe­ri­a­lismo] tentar agitar as águas em casa alheia.

Ao elevar a pa­rada ter­ri­to­rial em re­lação ao ar­qui­pé­lago de­sa­bi­tado das ilhas Di­aoyu, re­co­nhe­cido in­ter­na­ci­o­nal­mente como ter­ri­tório chinês no quadro re­sul­tante da der­rota do fas­cismo em 1945, o grande ca­pital ja­ponês dá sinal da sua na­tu­reza agres­siva e ex­pan­si­o­nista, não per­dendo si­mul­ta­ne­a­mente o en­sejo para as­sestar mais uma ta­cada no or­de­na­mento ju­rí­dico in­ter­na­ci­onal saído do pós-guerra.

O velho mi­li­ta­rismo ja­ponês, res­pon­sável por cruéis guerras de ocu­pação e crimes he­di­ondos como o mas­sacre de Nan­quim, não está em con­di­ções de se re­er­guer na sua an­tiga cos­tura. O ac­tual res­sur­gi­mento da com­po­nente mi­litar e in­ter­ven­ci­o­nista do im­pe­ri­a­lismo ja­ponês dá-se no quadro do re­forço da ali­ança mi­litar com os EUA. É pela mão do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano e das pri­o­ri­dades es­tra­té­gicas da sua agenda ex­pan­si­o­nista, fus­ti­gada pelos im­pe­ra­tivos da pre­sente si­tu­ação de de­clínio e fe­no­me­nais de­se­qui­lí­brios eco­nó­micos, que o im­pe­ri­a­lismo ni­pó­nico re­des­cobre a sua vo­cação. É a «pro­tecção» de Washington – que dispõe de bases mi­li­tares e largos mi­lhares de mi­li­tares ao ser­viço no Japão – que dá co­ber­tura às pre­ten­sões ter­ri­to­riais que Tó­quio es­bra­ceja contra a China (a al­te­ração ar­bi­trária do es­ta­tuto das ilhas Di­aoyu, ainda nos anos 50, cons­titui aliás exemplo crasso). In­te­grando-se no mesmo passo o an­tigo im­pério do sol nas­cente na pro­jecção de forças global mo­vida pelos EUA e NATO. Veja-se o exemplo da par­ti­ci­pação mi­litar mas­ca­rada do Japão de apoio às guerras do Afe­ga­nistão e Iraque, em vi­o­lação da pró­pria Cons­ti­tuição, e o seu papel no pro­jecto global de es­cudo an­ti­míssil que os EUA movem com vista a anular o po­ten­cial nu­clear da Rússia e China.

Nas ma­no­bras de de­ses­ta­bi­li­zação em curso cabe aos EUA o papel de Tar­tufo. Não olharão a meios para poder fe­char o cír­culo de con­tenção, apa­zi­gua­mento e co­op­tação, ta­refa que al­guns de­signam de «tran­sição pa­cí­fica» da China. A emer­gência da dupla con­dição chi­nesa de «par­ceira eco­nó­mica» in­con­tor­nável e prin­cipal obs­tá­culo-alvo do im­pe­ri­a­lismo ex­plicam a «re­o­ri­en­tação» do foco es­tra­té­gico da má­quina mi­litar dos EUA para a Ásia-Pa­cí­fico, anun­ciada por Obama este ano. É esta a cor­rente de fundo que aquece as águas re­vol­tosas nos mares da China.



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