Gastos com pessoal na Administração Pública são 21,3% das despesas totais

Borges mentiu descaradamente

Eugénio Rosa

Um dos as­pectos que ca­rac­te­riza o com­por­ta­mento dos grandes ór­gãos da co­mu­ni­cação so­cial em Por­tugal, e mesmo de certos jor­na­listas, é o de pro­mo­verem per­so­na­li­dades de di­reita em grandes au­to­ri­dades sobre certas ma­té­rias para que de­pois as suas opi­niões sejam aceites, pela opi­nião pú­blica, como ver­dades in­dis­cu­tí­veis. É um pro­cesso clás­sico de ma­ni­pu­lação da opi­nião pú­blica, que Phi­lippe Breton, pro­fessor na Uni­ver­si­dade de Paris-Sor­bonne, no seu livro «A Pa­lavra Ma­ni­pu­lada» de­signa por «ar­gu­mento de au­to­ri­dade». Se­gundo este in­ves­ti­gador, «este ar­gu­mento ba­seia-se na con­fi­ança de­po­si­tada numa au­to­ri­dade em nome do prin­cípio de que não po­demos ve­ri­ficar por nós pró­prios tudo quantos nos é apre­sen­tado» (2001:pág. 94).

Tudo isto vem a pro­pó­sito de An­tónio Borges, con­se­lheiro do Go­verno para as pri­va­ti­za­ções, bem pago com di­nheiro dos con­tri­buintes, que é si­mul­ta­ne­a­mente também ad­mi­nis­trador da Je­ró­nimo Mar­tins. A co­mu­ni­cação so­cial afecta ao Go­verno tem pro­cu­rado fazer passar este «se­nhor», junto da opi­nião pú­blica, como um grande pro­fessor de eco­nomia e um ex­pe­ri­ente gestor (for­mado na es­cola da Goldman Sachs e do FMI). Por isso in­te­ressa ana­lisar, até pela im­por­tância que ele tem junto deste Go­verno, a cre­di­bi­li­dade téc­nica e ci­en­tí­fica das afir­ma­ções deste «se­nhor», no­me­a­da­mente as feitas no dia 29.9.2012; por­tanto, não é o as­pecto se são ou não con­ve­ni­entes.

No I Fórum Em­pre­sa­rial do Al­garve, em que par­ti­cipou, An­tónio Borges de­clarou à co­mu­ni­cação so­cial: «a me­dida [Taxa So­cial Única (TSU)] é ex­tre­ma­mente in­te­li­gente, acho que é. Os em­pre­sá­rios que se apre­sen­taram contra a me­dida são com­ple­ta­mente ig­no­rantes, não pas­sa­riam do pri­meiro ano do meu curso na uni­ver­si­dade». E, a pro­pó­sito de baixar os sa­lá­rios no­mi­nais: «as des­pesas com tra­ba­lha­dores na Ad­mi­nis­tração Pú­blica re­pre­sen­tavam 80% das Des­pesas To­tais» (RTP, 29.9.2012).

A pri­meira afir­mação (ofender os pa­trões) pro­vocou grande ala­rido na co­mu­ni­cação so­cial, mas a se­gunda (ofender os tra­ba­lha­dores) não causou qual­quer re­acção, apesar de ser men­tira e ser re­pe­tida pelo pa­trão da Je­ró­nimo Mar­tins no dia se­guinte nas de­cla­ra­ções que fez no Te­le­jornal das 13h da RTP, pas­sando como ver­da­deiras e ali­men­tando a cam­panha contra os tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica. Por isso, iremos co­meçar por elas.


An­tónio Borges é um ig­no­rante

O Quadro 1, cons­truído com dados cons­tantes do Re­la­tório que acom­pa­nhou a pro­posta de Or­ça­mento do Es­tado para 2012 ela­bo­rado pelo ac­tual Go­verno, por­tanto dados ofi­ciais, mostra que­An­tónio Borges mentiu des­ca­ra­da­mente quando afirmou que as des­pesas com Pes­soal na­Ad­mi­nis­tração Pú­blica re­pre­sentam 80% da des­pesa total.

As des­pesas com Pes­soal nas Ad­mi­nis­tra­ções Pú­blicas (Cen­tral, Local e Re­gi­onal) re­pre­sentam, em 2012, 21,3% das Des­pesas To­tais das Ad­mi­nis­tra­ções Pú­blicas em Por­tugal, se­gundo dados do pró­prio Mi­nis­tério das Fi­nanças, e não 80% como afirmou An­tónio Borges.

Em re­lação ao Es­tado, ou seja, a Ad­mi­nis­tração Cen­tral, as des­pesas com Pes­soal re­pre­sentam, em 2012, apenas 18,8% da Des­pesa Total. Se a aná­lise for feita às «Re­mu­ne­ra­ções certas e per­ma­nentes» con­clui-se que, em 2012, as re­mu­ne­ra­ções na Ad­mi­nis­tração Cen­tral (Es­tado) re­pre­sentam apenas 14,5% das des­pesas to­tais do Es­tado.

An­tónio Borges, ao afirmar que elas re­pre­sen­tavam 80% re­vela ig­no­rância total, e mostra que não co­nhece nem es­tuda mi­ni­ma­mente os as­suntos de que fala, es­tando mais in­te­res­sado em uti­lizar a men­tira na cam­panha contra os tra­ba­lha­dores da Ad­mi­nis­tração Pú­blica com o ob­jec­tivo de jus­ti­ficar os ata­ques do Go­verno aos seus di­reitos e às suas con­di­ções de vida. São per­so­na­li­dades deste tipo, com este es­tofo téc­nico e ético, que certa co­mu­ni­cação so­cial e certos jor­na­listas pro­movem a grandes au­to­ri­dades.


Des­cida da TSU
não era uma me­dida in­te­li­gente

Se An­tónio Borges es­tu­dasse mi­ni­ma­mente os as­suntos de que fala, con­cluiria também que a di­mi­nuição da TSU (Taxa So­cial Única) paga pelas em­presas para a Se­gu­rança So­cial não era uma me­dida in­te­li­gente, pois não teria quais­quer efeitos na com­pe­ti­ti­vi­dade das em­presas, de­ter­mi­nando apenas a trans­fe­rência di­recta de 2200 mi­lhões de euros dos bolsos dos tra­ba­lha­dores para os bolsos dos pa­trões, re­du­zindo a pro­cura agre­gada, o que agra­varia a si­tu­ação eco­nó­mica e fi­nan­ceira de cen­tenas de mi­lhares de em­presas que vivem do mer­cado in­terno. E para con­cluir isso bas­taria que ana­li­sasse a es­tru­tura de custos das em­presas por­tu­guesas. O Quadro 2, cons­truído com dados di­vul­gados pelo INE sobre a es­tru­tura de custos das em­presas não fi­nan­ceiras em Por­tugal mostra, de uma forma quan­ti­fi­cada, os re­du­zidos efeitos de tal me­dida.

Se An­tónio Borges co­nhe­cesse a es­tru­tura de custos das em­presas não fi­nan­ceiras por­tu­guesas sa­beria que uma re­dução de 5,75 pontos per­cen­tuais na taxa de con­tri­bui­ções pa­tro­nais para a Se­gu­rança So­cial (passar de 23,75% para 18%) pro­vo­caria uma re­dução de apenas 1,1% nos custos to­tais das em­presas por­tu­guesas. Mesmo en­trando com efeitos in­di­rectos, a re­dução si­tuar-se-ia, para as em­presas ex­por­ta­doras, entre 1,5% e 2,4% (de­pende do sector), se­gundo cál­culos que fi­zemos uti­li­zando os dados de um es­tudo di­vul­gado pelo pró­prio Go­verno em 2011. É evi­dente para todos os lei­tores que não seria com tal me­dida que se au­men­taria a com­pe­ti­ti­vi­dade das em­presas por­tu­guesas. E isto porque, por um lado, tal re­dução de custos é ir­ri­sória e ri­dí­cula e, por outro lado, é fa­cil­mente anu­lada com qual­quer va­ri­ação po­si­tiva (apre­ci­ação) da taxa de câmbio do euro. Por ex., entre 30 de Agosto e 12 de Se­tembro de 2012, o euro va­lo­rizou-se em 2,3% em re­lação ao dólar, o que seria mais do que su­fi­ci­ente para anular aquela re­dução de custos.

A única jus­ti­fi­cação que en­con­tramos para as afir­ma­ções de An­tónio Borges ao chamar ig­no­rantes aos em­pre­sá­rios que se opu­seram à baixa da TSU das em­presas à custa do au­mento dos des­contos pagos pelos tra­ba­lha­dores, é que eles po­de­riam meter no bolso assim, com a ajuda do pró­prio Go­verno, 2200 mi­lhões de euros, au­men­tando os seus lu­cros, e não qui­seram. No en­tanto, An­tónio Borges, se ti­vesse al­guns co­nhe­ci­mentos con­sis­tentes de eco­nomia por­tu­guesa cer­ta­mente sa­beria que mais uma re­dução da pro­cura in­terna, quando a mai­oria das em­presas já não con­segue vender o pouco que produz, teria con­sequên­cias dra­má­ticas no te­cido em­pre­sa­rial por­tu­guês, lan­çando muitos mi­lhares de em­presas na fa­lência e fa­zendo au­mentar ainda mais o de­sem­prego, o que de­ter­mi­naria uma maior con­tração do mer­cado in­terno. Mas este «eco­no­mista», for­mado na es­cola da Goldman Sachs e do FMI, trans­for­mado por certa co­mu­ni­cação so­cial em «guru», pa­rece não co­nhecer este prin­cípio ele­mentar da eco­nomia.

Uti­li­zando as pró­prias pa­la­vras de An­tónio Borges, podia-se dizer com pro­pri­e­dade que seria o pró­prio An­tónio Borges que «não pas­saria no 1.º ano de um curso de eco­nomia da uni­ver­si­dade».

No en­tanto, as afir­ma­ções de An­tónio Borges têm o mé­rito, como con­sequência da sua in­ge­nui­dade, de ex­pressar pu­bli­ca­mente, tor­nando assim claros para a opi­nião pú­blica, os ob­jec­tivos e cre­di­bi­li­dade téc­nica deste Go­verno e desta mai­oria PSD/​CDS.



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