- Nº 2036 (2012/12/6)
Vladimiro Vale, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP

Desenvolvimento, meio ambiente e água pública

Em Foco

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«Como se afirma nas teses, esta crise do capitalismo distingue-se de outras pela sua extensão e por ter expressões em vários planos. O ambiental é um deles. Aprofunda-se instrumentos que querem aplicar ao ambiente as regras de funcionamento do capitalismo. Não querem apenas privatizar os bens materiais que podem ser retirados da natureza, querem ir mais longe e privatizar as funções e processos da natureza. Chamam-lhes serviços ambientais, atribuem-lhes um preço e colocam-nos no mercado.

Aquando da conferência de Copenhaga em 2009, o Partido denunciou que os mecanismos decorrentes do protocolo de Quioto, que apontam soluções de mercado para a regular a emissão de CO2, já provaram a sua ineficácia, têm inerente a ânsia de ingerência nos países em desenvolvimento e pretendem transferir os custos e responsabilidades para as populações e povos do mundo.

Estes mecanismos passam ao lado da irracionalidade e insustentabilidade do capitalismo e da sua natureza, que o tornam incapaz de resolver os problemas da humanidade, e escondem que é o capitalismo que destrói a capacidade produtiva local aumentando os ciclos de produção; que aumenta fluxos brutais de energia e matéria para satisfazer as suas necessidades, que coloca em causa o ambiente, a soberania dos povos e a sua segurança alimentar em nome do lucro de alguns.

As emissões que contribuem para o efeito estufa são um problema grave. Mas não se resolvem pela criação de uma máquina bilionária de geração de activos financeiros fictícios, em tudo semelhantes aos gerados pelos mercados especulativos bolsistas.

Por isso é que temos que defender a produção nacional, reduzindo a amplitude dos ciclos de produção e consumo, e travar a liberalização do comércio mundial, factor de incentivo no aumento do consumo energético e de emissão de gases com efeito de estufa, para além do mais com graves consequências no plano económico e social.

Em Portugal, os sucessivos governos PS, PSD e CDS procedem com o habitual seguidismo face a todos os ditames do directório do capital. Na área da conservação da natureza, a legislação já permite a privatização da gestão das áreas classificadas, abrindo a possibilidade de amplas e importantes regiões do País serem geridas e exploradas de acordo com os interesses de privados.

Temos que proteger os ecossistemas naturais, terrestres e marinhos, e recuperar os ecossistemas degradados. Para tal é preciso romper com a lógica de destruição ao sabor dos grandes interesses privados. Só a democratização da gestão e do usufruto dos recursos naturais, o incentivo de uma participação efectiva das populações e uma política orientada para a promoção e elevação da qualidade de vida destas, pode travar a tendência de degradação e destruição do património natural de Portugal.

Os sucessivos governos têm orientado a política da água no sentido da criação de oportunidades de negócio, favorecendo os grupos económicos do sector. A premissa é simples: a água é apenas mais uma mercadoria que pode gerar lucros assombrosos para os concessionários do negócio, à custa das populações que sem ela não podem viver, impondo-lhes taxas e tarifas destinadas a rentabilizar o negócio.

PS, PSD e CDS começaram a abrir a porta à privatização em 2005, com as leis da Água e da Titularidade dos Recursos Hídricos. Estas criaram a base legal para a privatização de toda a água do território nacional e para a instauração do mercado da água, a sua completa mercantilização.

A mercantilização da água avança aceleradamente, entregando a água da natureza a privados. A privatização do grupo Águas de Portugal, que já controla a maioria dos sistemas de abastecimento «em alta» de água e saneamento, não só transformaria a água em mercadoria como retiraria às populações e ao poder local qualquer possibilidade de intervenção democrática na sua gestão.

O PCP tem vindo a sustentar a sua intervenção sobre a política da água em quatro premissas fundamentais, interligadas e interdependentes:

Direito de todas as pessoas à fruição dos benefícios da água;

Responsabilização do Estado em garantir as funções sociais, ecológicas e económicas da água;

Reforço do papel das autarquias locais na administração da água e dos serviços de abastecimento às populações;

Gestão democrática e participada dos recursos hídricos;

Tal como o PCP tem vindo a dizer, só com uma profunda ruptura política assente numa perspectiva patriótica e de esquerda, se constrói um Estado capaz de gerir e proteger a natureza e as áreas protegidas de acordo com os princípios e comandos constitucionais, e, acima de tudo, capaz de colocar a riqueza natural do país ao serviço do povo e do desenvolvimento nacional, e não ao serviço do desenvolvimento dos interesses privados.

É preciso intervir nestas áreas potenciando intensificando a luta dos trabalhadores e das populações. A luta por um mundo mais respeitador do ambiente está inseparavelmente ligada à luta para reduzir as injustiças sociais e à luta por uma sociedade que se eleve acima das leis da economia de mercado. Os problemas da natureza não se resolvem enganando-a para fazer lucro.