Termina hoje mais um Conselho Europeu

Os superiores desígnios do capital

«Um novo passo de apro­fun­da­mento da união eco­nó­mica e mo­ne­tária» e um «salto fe­de­ra­lista» à me­dida dos de­síg­nios e in­te­resses do ca­pital trans­na­ci­onal e do di­rec­tório de po­tên­cias, assim era vista à par­tida pelo PCP a re­a­li­zação do Con­selho Eu­ropeu que ter­mina hoje em Bru­xelas.

Os lu­cros cres­ceram em Por­tugal em dez anos 26 vezes mais do que os sa­lá­rios

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Nada ou pouco mais ha­veria a es­perar deste con­clave de chefes de Es­tado e de go­verno eu­ro­peus, de acordo com a po­sição do Se­cre­tário-geral do PCP as­su­mida sexta-feira pas­sada no pe­ríodo do de­bate quin­zenal de­di­cado à par­ti­ci­pação do Exe­cu­tivo na­quela ci­meira.

Even­tu­al­mente por es­cla­recer es­taria ainda até onde o Go­verno ab­dica da de­fesa dos in­te­resses na­ci­o­nais, «até onde está dis­posto a apoiar no Con­selho Eu­ropeu os novos passos que se pre­param para fixar em cen­tros de de­cisão co­man­dados pelo ca­pital trans­na­ci­onal a con­dução da nossa po­lí­tica eco­nó­mica e or­ça­mental, a su­per­visão fe­de­ra­lista, as san­ções sobre quem queira afirmar a so­be­rania e os in­te­resses na­ci­o­nais».

Nesse sen­tido foi a per­gunta de Je­ró­nimo de Sousa ao pri­meiro-mi­nistro, a quem in­quiriu ainda sobre qual o «po­si­ci­o­na­mento pa­trió­tico» que este ten­ci­o­nava adoptar. Mais pro­sai­ca­mente, saber se in­fla­madas de­cla­ra­ções em favor do in­te­resse na­ci­onal como as que fez no de­bate o líder par­la­mentar do PSD Luís Mon­te­negro têm al­guma cor­res­pon­dência com o po­si­ci­o­na­mento do Go­verno em Bru­xelas ou se, pelo con­trário, tudo não passa de «con­versa fiada», no dizer de Je­ró­nimo de Sousa.

Mu­tilar a so­be­rania

Num de­bate onde todos os par­tidos da opo­sição con­ver­giram na acu­sação ao pri­meiro-mi­nistro de não de­fender os in­te­resses de Por­tugal no seio da União Eu­ro­peia, foi Je­ró­nimo de Sousa quem de forma mais in­ci­siva e de­ta­lhada alertou para as trans­fe­rência em pre­pa­ração de par­celas de so­be­rania do Es­tado em novas áreas.

É o caso da su­per­visão ban­cária em re­lação à qual, no li­mite, como já é ad­mi­tido, «será uma en­ti­dade su­pra­na­ci­onal (nos casos em que se ve­ri­fique a au­sência de me­didas ade­quadas das au­to­ri­dades na­ci­o­nais) a de­cidir do des­tino, exis­tência ou não de ins­ti­tui­ções ban­cá­rias na­ci­o­nais».

Ou seja, como ex­plicou o líder co­mu­nista, pro­cessos de fusão, de con­cen­tração de ca­pital fi­nan­ceiro «passam a ser di­rec­ta­mente de­ter­mi­nados e or­ga­ni­zados a partir de ins­ti­tui­ções su­pra­na­ci­o­nais con­tro­ladas por esse mesmo ca­pital fi­nan­ceiro».

Para Je­ró­nimo de Sousa este é, pois, «mais um passo na sub­missão e na con­cen­tração e cen­tra­li­zação do poder eco­nó­mico e po­lí­tico».

Sobre o novo ins­tru­mento fi­nan­ceiro cha­mado para a con­ver­gência e com­pe­ti­ti­vi­dade, in­ter­ro­gando-se sobre o que ele é afinal, o líder co­mu­nista ad­vertiu que po­de­remos vir a as­sistir a si­tu­a­ções como a de fundos co­mu­ni­tá­rios que agora nos são cor­tados no or­ça­mento da UE (em es­pe­cial no caso das verbas de co­esão) a serem uti­li­zados, afirmou ci­tando os au­tores do do­cu­mento, «para fi­nan­ciar novos sec­tores, para fi­nan­ciar des­pe­di­mentos, fle­xi­bi­li­zação la­boral, li­be­ra­li­zação de ser­viços – as cha­madas re­formas es­tru­tu­rais».

«Esta União Eu­ro­peia que muitos pro­cla­maram de co­esão, de so­li­da­ri­e­dade, usa os fundos para des­pedir e não para criar em­prego, não para criar cres­ci­mento e de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico», acusou Je­ró­nimo de Sousa, vendo neste caso apenas um exemplo do que está sub­ja­cente na ar­qui­tec­tura desta in­te­gração ca­pi­ta­lista na Eu­ropa.

O poder ao ca­pital

O Se­cre­tário-geral co­mu­nista in­sistiu em en­fa­tizar aquela que para o PCP é a questão de fundo: que não é pos­sível uma moeda única que «sirva igual­mente os in­te­resses e as ne­ces­si­dades muita dis­tintas dos di­versos es­tados-membro».

E con­si­derou que o ba­lanço desta dé­cada do euro aí está para o com­provar. Exem­pli­fi­cando, re­feriu o facto de ter sido uma dé­cada de es­tag­nação para Por­tugal, apontou a evo­lução dos dé­fices co­mer­ciais in­ter­co­mu­ni­tá­rios, e a «na­tu­reza de classe» desse ins­tru­mento que é o euro. Os nú­meros (dados con­so­li­dados e pre­vi­sões) que citou a este res­peito são avas­sa­la­dores: entre 2001 e 2013, os lu­cros crescem quase 26 vezes mais do que os sa­lá­rios em Por­tugal, quase 16 vezes mais em Es­panha, mais de cinco vezes na Ale­manha e no con­junto da zona euro.

Com as me­didas de apro­fun­da­mento da união eco­nó­mica e mo­ne­tária, do que se trata, por con­se­guinte, na pers­pec­tiva do PCP, é de in­sistir em levar mais longe «o erro po­lí­tico e eco­nó­mico» que ela re­pre­senta, assim como «o poder con­cen­trado nas mãos do ca­pital».

En­gano e sub­missão

Uma «tra­pa­lhada», assim clas­si­ficou Je­ró­nimo de Sousa as de­cla­ra­ções do pri­meiro-mi­nistro e dos mi­nistro das Fi­nanças sobre a apli­cação a Por­tugal das novas con­di­ções dos em­prés­timos à Grécia. Mu­danças de po­sição que em sua opi­nião vi­eram evi­den­ciar que «o Go­verno con­tinua a en­ganar os por­tu­gueses».

E desta feita, se­gundo o líder co­mu­nista, «en­ganou duas vezes: pri­meiro, quando o pri­meiro-mi­nistro e o mi­nistro das Fi­nanças (ten­tando es­conder o ataque brutal que cons­titui este or­ça­mento para 2013) vi­eram apre­sentar o tal “des­conto” como uma con­quista que afinal não o era; e en­ganou outra vez quando de­pois de de­sau­to­ri­zado pelo di­rec­tório veio dizer que afinal não tinha dito o que disse».

Para o Se­cre­tário-geral do PCP esta his­tória con­firma ainda «a total sub­missão do Go­verno, do pri­meiro-mi­nistro, ao di­rec­tório da UE e con­se­quen­te­mente aos grupos eco­nó­micos que o co­mandam».

É que, anotou, não foi pre­ciso mais do que uma pa­lavra do mi­nistro das fi­nanças de Merkel e do mi­nistro das fi­nanças de Hol­lande para o Go­verno por­tu­guês «dar prova da sua cega obe­di­ência».

To­davia, para o PCP, esse não é o prin­cipal. A grave questão é que até mesmo «um pe­queno alívio» – bem longe da re­ne­go­ci­ação que o PCP con­si­dera in­dis­pen­sável – foi ne­gado. E a razão para tal, se­gundo Je­ró­nimo de Sousa, re­side no facto de estar em pre­pa­ração «um novo pa­cote, uma se­gunda dose do pacto de agressão, in­cluindo o corte de quatro mil mi­lhões na des­pesa de fun­ções so­ciais do Es­tado, e in­cluindo ou­tras me­didas tal qual estão a fazer na Grécia».

«A chan­tagem é: se querem um pe­queno alívio, man­tendo o es­bulho da dí­vida, então cortem, car­re­guem mais nos sa­lá­rios, nas re­formas, nos di­reitos, pri­va­tizem ainda mais, en­tre­guem mais re­cursos à banca e aos grupos eco­nó­micos», afirmou, vendo em tudo isto uma forma de «dar mais corda ao en­for­cado».

Passos Co­elho, na res­posta, pro­curou negar a ideia de tra­pa­lhada, in­vo­cando que ne­nhum membro do Go­verno afir­mara antes «coisa di­fe­rente» do que ele pró­prio disse. E o que disse ter dito, afinal? Entre ou­tras coisas, «que a si­tu­ação de Por­tugal não é com­pa­rável à si­tu­ação da Grécia» e que «não faz ne­nhum sen­tido estar a re­fe­ren­ciar os apoios di­ri­gidos à Grécia com aqueles que podem ser di­ri­gidos a Por­tugal».

Na ré­plica, Je­ró­nimo de Sousa, instou o pri­meiro-mi­nistro a não tentar «iludir os factos», por­quanto, se o fizer, então, «tem que as­sumir que de­sau­to­riza o mi­nistro das Fi­nanças quando este veio todo lam­peiro anun­ciar que isto ia be­ne­fi­ciar Por­tugal», «de­sau­to­riza os es­forços de mem­bros do Go­verno, de fi­guras do PSD e até do pró­prio PR que vêm in­sistir e dizer que essas me­didas de­viam ser ne­go­ci­adas e já». E por ser este o pro­blema de fundo, Je­ró­nimo de Sousa con­cluiu que o chefe do Go­verno não «es­cla­receu coisa ne­nhuma».



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